Thais atua no mercado publicitário há 22 anos e tem 12 anos de experiência como diretora de criação. viveu na Europa por 4 anos, onde liderou um bureau criativo com operações em Portugal e Turquia.

de volta a São Paulo, foi diretora de criação em agências digitais, com foco em marcas voltadas para o público feminino. em 2015, criou a 65|10, uma consultoria criativa especializada em mulheres, com o objetivo de ajudar agências e marcas a reverem o papel da mulher na publicidade.

entre as marcas atendidas pela 65|10 estão Ambev, Nestlé, Unilever, Facebook e Itaú.

LIVROS CITADOS
PESSOAS CITADAS
  • Ana Paula Passarelli
  • Tricia Hersey
  • Sam Harris
  • Pedro Porto
  • Felipe Simi
  • Bia Granja
  • Daniela Arrais
  • Luiza Voll
  • Maíra Fonseca
  • Carol Delgado
  • Paulo Freire
  • Clariza Rosa
  • Gregório Duvivier
  • Mano Brown
  • Marcela Lisboa
  • Cris dias
  • Elon Musk

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Henrique de Moraes – Olá Thais, seja muito bem-vinda ao calma!, tô muito feliz de ter você por aqui, obrigado por ter topado bater esse papo comigo viu?

Thais Fabris – Oi henrique, muito obrigada pelo convite, tô muito feliz de estar aqui conversando com gente nova, conhecendo você, muito bom

Henrique de Moraes – Boa. Bom, eu vou começar com uma pergunta que eu costumo fazer na verdade no final dos episódios até porque vai aquecendo as pessoas, é uma pergunta mais profunda mas eu acho que para essa série né, de lideranças humanizadas eu acho que já dá o tom sabe, tipo eu vejo que as respostas já são bem diferentes das respostas que você conseguiria, que você teria de pessoas, pessoas que estão na mídia, pessoas que tem essa visão mais padrão de mundo, vamos colocar assim. Então eu queria começar te perguntando o que significa ser bem sucedida para você né, o que vem à cabeça, qual sua definição?

Thais Fabris – Sabe que essa é uma sensação que eu tive outro dia, eu faço parte de um bloco de carnaval aqui em São Paulo, que é o Bloco Pirata, sou uma das organizadoras do bloco, uma das fundadoras do bloco e quanto mais eu estudo sobre festas de rua mais eu penso que a coisa mais importante que eu faço na minha vida é carnaval, e acho que um dos momentos que eu mais sinto assim, “Nossa eu fiz alguma coisa muito certa” é quando a Dai, que é ambulante, que tá sempre com a gente no bloco vendendo cerveja, que é quem avisa também os outros ambulantes, num final de semana qualquer ela me manda uma mensagem assim “Tha você sabe se vai ter alguma coisa em São Paulo no final de semana?” como se assim, a ambulante que tá nas festas de rua me pergunta se eu sei se vai ter alguma festa de rua, ganhei, venci na vida, então eu acho que eu me sinto bem sucedida quando a Dai me manda uma mensagem, quando eu olho ao meu redor e eu vejo que tem gente de todas as idades, todas as orientações sexuais, de identidades de gênero, cores, origens diferentes tanto no meu trabalho na 65 | 10 quanto no bloco, quanto nos lugares que eu frequento, quanto na minha casa, isso para mim é um sucesso que eu quero, e a tranquilidade também de não ter despertador para acordar de manhã, esse é outro índice de sucesso que eu gosto bastante, é não botar despertador pra acordar de manhã.

Henrique de Moraes – Cara, essa do despertador me pegou agora, que horas você acorda normalmente assim, você tem algum horário padrão?

Thais Fabris – Num dia normal eu acordo 8h30, se não botar despertador eu acordo 8h30 sozinha. Se eu estiver muito cansada, meu corpo estiver precisando descansar, às vezes vou até às 9h, dificilmente eu passo disso, num final de semana eu passo, mas eu acordo sozinha entre 8h30 e 9h, e eu durmo tarde também, então eu tenho um pico de criatividade às 11h da noite que é padrão assim, 11h da noite eu faço download de alguma coisa, tenho que botar no papel e aí eu vou dormir.

Henrique de Moraes – Maravilha. Cara acho que é um ponto importante e curiosamente a gente tá começando por aqui mas eu acho que eu já falei no podcast sobre isso, já falei sobre esse livro que eu não sei como é que é o nome dele em português mas deve ser alguma coisa do “Porque dormimos?” que é o “Why We Sleep” do, não vou lembrar o nome dele agora mas daqui a pouco eu lembro o nome dele e coloco, em que teve um, logo no início do livro assim, acho que nos primeiros capítulos ele fala sobre dois tipos de pessoas diferentes que funcionam de fato em ciclos diferentes né, que são as pessoas que vão funcionar melhor à noite, vão ter o pico de energia e criatividade à noite e pessoas que tem de manhã e aí ele fala uma coisa que me marcou muito assim porque eu sou a pessoa também que tem, meu pico de criatividade, funcionamento à noite, eu sempre acordei tarde porque sempre acabei dormindo tarde né assim, e mesmo quando não durmo tarde assim acabo acordando tarde, meu corpo precisa sei lá, tem alguma coisa ali programada para acordar mais tarde e isso sempre carregou um estigma, uma coisa de “Ah é preguiçoso”, é isso e aquilo e tudo mais e cara, sempre foi uma dificuldade para mim acordar para fazer as coisas normais, de ir pra escola, trabalho e tudo mais e ele fala muito isso né, como a sociedade criou essas caixinhas que faz com que a pessoa faça uma agressão contra o seu próprio corpo para se adequar à uma coisa e você ainda assim é julgado a vida inteira por ser difícil, por ser um trabalho, você acordar mal de manhã e estar de mal humor ou não estar funcionando tão bem sabe, é muito louco isso e aí por isso que eu achei tão relevante assim, tão importante inclusive isso logo no início do podcast, que acho que é uma libertação assim, ninguém precisa ler o livro, só de ouvir isso você já pode se sentir melhor se você for como eu mas se quiser ler o livro é interessante porque também tem várias explicações científicas do por que isso acontece, e porque é importante dormir inclusive né, várias coisas eu não sabia, é bem interessante

Thais Fabris – Tem um livro que eu tô lendo, já que estamos falando de livros, dicas de livros, eu tô lendo, saiu há pouco tempo o livro que se chama “Rest Is Resistance”, também infelizmente só tem em inglês agora, que é da Tricia Hersey, a Tricia é @thenapministry no Instagram, e ela é tipo a bispa do descando assim, ela se coloca nesse lugar, descansar é resistência numa sociedade capitalista que demanda que a gente quebre o tempo todo as necessidades do nosso corpo até nosso corpo realmente não aguentar mais né, o valorizado pela sociedade é você ultrapassar o limite do seu corpo. Eu sou muito do time da Tricia, há bastante tempo eu valorizo muito o meu descanso porque eu já tive Burnout duas vezes trabalhando em agência e aí ano passado caí de novo na armadilha do trabalho até a exaustão, porque aprendi assim né, eu sempre falo “Eu vivo em Burnout porque eu não sei trabalhar”, então se eu não for muito vigilante com meu descanso, eu vou cair de novo nesse lugar e esse lugar é horrível, demora muito tempo para se recuperar, esse foi um ano bem difícil na minha vida tentando me recuperar do Burnout então é algo que eu sou bem atenta assim e que eu falo muito sobre descanso porque sendo mulher, a gente tem mais carga de trabalho, a gente tem a carga de cuidado que os homens não tem então o descanso ele é um direito negado para as mulheres historicamente, pras mulheres, pras pessoas negras né, então eu sou aqui a bispa do descanso brasileira também.

Henrique de Moraes – Boa. Eu acho que esse é um assunto muito muito muito importante que eu já ouvi você falar em outros podcasts, inclusive gente recomendo que busquem outras conversas da Thais que são todas excelentes e que vão para caminhos completamente diferentes, o que é ótimo, não tem uma agenda, não usa aquele roteirinho que às vezes você ouve e as pessoas contam as mesmas histórias em tudo quanto é lugar que vão e eu falo “Pô qual é a graça né” então as conversas são super interessantes mas eu acho que tá se tornando uma armadilha cada vez mais difícil assim de você se livrar delas sabe porque tudo leva você a estar fazendo alguma coisa e mesmo, duas coisas que eu percebo que eu faço tá, eu várias vezes vou postergar né, eu vou procrastinar alguma tarefa de maneira produtiva, essa é uma coisa que eu faço muito, em vez de fazer o que eu tenho que fazer que é a parte mais importante, “Ah não, tenho que ler esse livro aqui antes de fazer”, “Preciso ouvir esse podcast antes de qualquer coisa”, então é tipo uma procrastinação produtiva, que você tem a sensação de que tá fazendo muita coisa e não tá fazendo nada, na verdade tá só postergando e também assim, de quando de fato eu estou descansando eu precisar também botar um podcast, botar alguma coisa porque assim, é o momento, vou aproveitar isso aqui pra aprender aquele negócio, ler um livro que eu preciso ler por causa do trabalho ou fazer qualquer coisa, ler um report, então no final das contas essa produção tem permeado tudo e eu tenho passado por uma situação engraçada até enfim, tô falando muito de mim aqui, não é o objetivo mas só por curiosidade, a minha esposa comprou um skate tempos atrás e que ela nunca usou, usou uma vez, e eu tô vendo aquele skate na mala do carro e um dia eu resolvi pegar aquilo lá e tentar andar e aí o que eu tenho feito, como eu fico de home office eu vou trabalhar num café que tem uma área que dá pra andar e eu trabalho um pouco e saio, dou uma volta de skate, dou umas voltas, boto música e tudo mais. Cara, das primeiras vezes era uma culpa que eu carregava assim e eu ficava o tempo inteiro olhando o celular, pegava o celular tipo “Alguém mandou mensagem e não sei o que” parecia que tinha uma câmera em cima de mim me enviando sinais para as pessoas falando pras pessoas “Gente o Henrique não está trabalhando nesse momento, às duas da tarde” sabe tipo assim, “E ele está andando de skate, é um absurdo” e eu ficava “Meu Deus do céu” e cara, não tem nada a ver e aquele momento na verdade agora eu tenho percebido que tem sido um momento de pensar inclusive, às vezes no trabalho mesmo mas de uma maneira completamente diferente, ao invés de estar parado na frente do computador eu boto um fone, ouço uma música e começa a minha cabeça funcionar, conectar os pontos que eu não consigo conectar quando eu tô aqui produzindo e aí de repente eu vou fazendo anotações, eu paro pego o celular e faço anotação, tento não olhar o WhatsApp e vou só anotando coisas que minha cabeça tá conectando naquele momento ali em que ela tá livre, então isso é muito louco. Eu até brinco que se suas ideias, suas melhores ideias estão vindo quando você tá tomando banho é porque você não tá dando tempo para sua cabeça né

Thais Fabris – Sim sim, apesar que tem alguma coisa, alguém precisa estudar isso porque as ideias boas vem no banho, eu acho que é um momento de relaxamento, contato com o próprio corpo, a gente valoriza pouco o que o corpo sabe, a gente acha que é tudo na cabeça, “Ah não porque sou cerebral aqui” e não, a gente é da cabeça aos pés e ali o corpo tá inteiro estimulado pela água então eu acho que tem alguma coisa que acontece no mar, no banho, na cachoeira, tem um download de informação ali importante.

Henrique de Moraes – Totalmente, e é engraçado o que você falou né porque tem essa separação né de corpo e mente, e às vezes a gente não faz muito bem né e tem um cara que eu gosto muito que é o Sam Harris, não sei se você já ouviu falar, que fala muito sobre atenção plena e ele fala, tem um conteúdo dele que ele falar sobre isso, dos três estágios, eu nunca tinha parado para pensar, ele fala assim tipo, você pode estar sofrendo com o corpo mas com a mente feliz ou seja quando você tá fazendo exercício, você pode estar ali fazendo um exercício que é muito exaustivo mas sua cabeça tá se sentindo bem. Você pode estar muito mal de cabeça, como num Burnout mas seu corpo relaxado, só que ainda assim é um estado de incômodo ali né e, com seu corpo bem, vamos colocar assim e você pode estar com as duas coisas bem e as duas coisas mal também no final das contas. Então de fato são coisas que atuam de maneira separadas né então você tem que cuidar de ambos de maneiras diferentes inclusive

Thais Fabris – Eu mesma, sou praticante de yoga há muitos anos e fiz até uma formação para dar aula de yoga e isso me traz uma percepção de que nem tem essa separação, não não existe corpo e cabeça sabe como se a cabeça fosse uma coisa separada ou mesmo alma e corpo como se nós fossemos um corpo que carrega uma alma sabe. Eu desconheço, eu se não tô bem da cabeça meu estômago fica ruim, eu tenho psoríase, tem um monte de sinais no corpo às vezes, até de coisas que você tá assim “Não eu tô bem, tô ótima”, a veinha do olho aqui pulando, não tem distinção né entre as duas coisas.

Henrique de Moraes – Verdade. Boa, vamos voltar aqui pra pauta então, acabei desviando. Eu queria te perguntar uma coisa, esse termo, eu uso liderança humanizada na falta de um termo melhor né, mas então pra gente tentar sei lá, chegar aqui no que que você enxerga como sendo isso eu queria entender, o que que vem à sua cabeça enfim ou o que que você acha que constitui uma liderança humanizada sabe, ou se você tem inclusive um termo melhor aí pra me emprestar

Thais Fabris – Cara fiquei muito pensando no termo “humanizado” quando eu recebi a pauta, fiquei “Nossa cara” porque eu ando muito implicada com o termo humanizada porque ele vai desde assim parto humanizado, gente em que momento a gente desumanizou o parto pra que agora a gente tenha que falar em parto humanizado, até o trabalho humanizado, em que momento a gente virou assim, sabe aquele captcha que pede pra você provar que você não é um robô? Parece que a gente tá nesse momento para a humanidade assim, quando a gente fala de se reumanizar, em algum momento a gente tá tendo que provar o tempo inteiro que a gente não é um robô, não é uma máquina então eu acho que liderança humanizada é tão simples quanto saber que você lida com pessoas, com seres humanos e que isso é divino e maravilhoso mas também perigoso e caótico né, também lidar com o caos que é lidar com o ser humano que é imprevisível, que não é programável 100%, nem as máquinas são programáveis 100%, qualquer pessoa que já tentou programar, fazer um site funcionar, que é uma coisa que eu espero nunca mais ter que fazer na minha vida sabe que assim, dá muito problema, então eu acho que liderança humanizada é uma liderança que lembra que tá lidando com gente, pena que em algum momento a gente esqueceu disso.

Henrique de Moraes – Sim, totalmente. Tá, vou aproveitar esse gancho para te fazer uma pergunta que é a seguinte, a gente, você traz essa perspectiva né de lembrar que a gente tá lidando com pessoas e você já teve várias experiências, passou por agências em cargos diferentes, posições diferentes e eu queria entender um pouco até pra gente de repente trazer um pouco de contexto aqui, que tipo de experiências você já teve e você pode falar não só das negativas, pode falar das positivas também, acho que é importante a gente já mostrar assim, mostrar polos né tipo assim, beleza tem esse tipo aqui que é o que a gente tá tentando evitar e tem isso aqui que a gente tá tentando replicar

Thais Fabris – Eu tenho, já tô indo pra mais de 20 anos de carreira, comecei bem novinha e sendo mulher trabalhando em criação de agência eu passei por desde assédio sexual e moral algumas vezes então vamos colocar isso no polo extremo assim, isso realmente a gente precisa traçar uma linha, assédio moral não dá, assédio sexual não dá, tem que ter uma mobilização de todo mundo para barrar isso e não tá tendo. Teve uns anos atrás um dossiê sobre assédio nas agências e eu realmente não vejo nada mudar, vejo muita coisa se repetindo ainda hoje e já faz quase 10 anos que eu não trabalho em agência. Até em termos de lideranças desumanizadas né eu já tive chefe que não dava bom dia, que não falava “obrigado”, enfim, coisas básicas da convivência entre seres humanos não aconteciam em alguns lugares que eu trabalhei, fora os extremos que eu já falei, isso pra mim é o mais, até uma briga eterna minha desde que eu voltei pro Brasil que era eu não viro noite e não quero que minha equipe vire noite, não trabalho final de semana e não quero que minha equipe trabalhe final de semana, e isso era eu uma vez por mês praticamente na sala do RH tendo que discutir sobre não vou cobrar que as pessoas estejam aqui 10h da manhã, não vou cobrar porque eu sei que uma pessoa da minha equipe tem que pegar duas horas de condução para chegar aqui, se ela sair às 8 horas da manhã de casa e uma hora para chegar aqui se sai às 9 horas, eu não vou cobrar certas coisas, “A equipe tá entregando?”, “Tá entregando”, “Vocês querem que entregue mais?”, “Tem algum problema de produtividade?”, “Não, não tem”, “Vocês querem o que, que as pessoas estejam aqui 9 da manhã? Não vai acontecer, nem eu tenho horário pra sair”, essa era uma briga em loop em todos os lugares que eu trabalhei.

Henrique de Moraes – Isso é muito doido né, você precisar defender e eu ouvi você falando sobre isso, acho que é um outro lugar também mas é como que você precisa defender que se sua equipe tá entregando e que ela não precisa estar naquele lugar. Eu acho que tem um ponto importante que acho que vale você até trazer um pouco da sua experiência em Portugal né porque eu moro em Lisboa e apesar da agência não ficar lá, a agência fica no Brasil eu converso muito com profissionais de lá né, enfim, conectando, vou conhecendo e a primeira conversa que eu tive, foi até engraçado eu comecei a rir e não acreditava né que era um diretor de arte e aí eu falei “Ah como é que funciona?”, “Eu entro umas 9h, 9:30h e umas 17:30h, 18h eu tô saindo”, aí eu falei “Mas todo dia?”, “Todo dia”, aí eu falei “Mas e se tem um deadline a ser cumprido?”, “Se não deu tempo de cumprir eu aviso para cliente, aviso para o meu diretor e falo “Olha não deu tempo de fechar, eu trabalhei o dia inteiro nisso e não deu tempo, eu volto amanhã”, aí eu falei “Cara, é isso”

Thais Fabris – Quando eu morei em Portugal foi uma coisa que a princípio me chocou e depois eu entendi e aí eu assimilei e uma vez que eu assimilei eu nunca mais consegui voltar ao jeito que as coisas eram aqui, que era, pra mim a coisa mais pitoresca de Portugal quando eu cheguei era assim, Agosto, morava em Lisboa, a cidade fica efervescente de turista né então teoricamente é o momento para quem tem restaurante ou um pequeno negócio ganhar dinheiro e os restaurantes fecham porque os donos dos restaurantes e os funcionários querem ir pra praia, e eles estão certos, mas eu ficava “Essa conta não fecha, o que tá acontecendo? Porque eles não querem ganhar dinheiro?” porque eles querem ir pra praia e aí eu entendi porque eles queriam ir pra praia, porque só se vive uma vez, só tem verão uma vez por ano, são contados os verões que você vai viver na sua vida então é aquela coisa que você não consegue desver, depois que eu vi eu falei “Ah um trabalho é só um trabalho, trabalhar em agência não tem glamour nenhum, é só um trabalho” e outra, a coisa do deadline que você falou, também é uma coisa que eu tenho pensado muito ultimamente porque eu acho que as pessoas elas estão muito esgotadas né então eu si,nto nas equipes com quem eu trabalho, tanto do meu lado quanto do lado do cliente que deadlines eles não estão sendo cumpridos e que às vezes tudo bem porque a gente não trabalha com ciências exatas, a criatividade não é uma ciência exata e tem que ter espaço para ponderar, tem que ter espaço pro “Gente encontrei um negócio aqui, eu vou precisar de mais dois dias para olhar para ele” mas isso pode ser muito legal ou não ser nada, mas vou precisar daqueles dois dias pra olhar pra ele, porque a gente não pode fazer isso? Alguém vai morrer? É neurocirurgia isso aqui? Ninguém vai morrer.

Henrique de Moraes – Sim, e curiosamente né assim, se você for reparar, grande parte dos deadlines são arbitrários né, igual as metas, tipo “Ah porque?”, “Porque sim”, porque alguém definiu que sim e acabou, não tem uma coisa, um evento vai acontecer e você precisa cumprir, porque se tem um evento, se precisa fazer, resolver para a Copa, o estádio precisa estar pronto pra Copa faz sentido né, agora muitas vezes são completamente arbitrários né, sem espaço pra negociação na maioria das vezes né, para você falar “Não calma aí, não dá tempo, a gente orçou errado, pensou nisso aqui errado, planejou errado enfim, o que acontece, é normal o tempo inteiro. E assim, falando um pouco das experiências que você teve positivas, de repente lideranças que você teve, espero que tenha tido e que você tenha aprendido assim, práticas que fossem mais legais ou que de repente você tenha incorporado

Thais Fabris – Então, eu aprendi mais com exemplos negativos, os anti-exemplos do que com exemplos positivos, infelizmente em termos de liderança eu sempre pontuo um cara que foi muito legal comigo e se tornou um amigo mesmo que era um baita líder, ainda é uma pessoa que é muito referência pra mim que é o Pedro Porto, Pedro foi duas vezes meu chefe, uma vez meu colega, aquela pessoa que me acompanhou na minha carreira e que me ensinou muito sobre lidar com seres humanos, lidar com as pessoas como pessoas. Tiveram óbvio outras pessoas, Felipe Simi também foi um colega de trabalho que foi e é um exemplo de vida, amigo de infância meu que eu trago sempre como referência e até que eu saí de agência e comecei a olhar para para outros lados também em busca de referências e conhecer outras pessoas e finalmente ter contato com outras mulheres que estavam fazendo coisas diferentes aí né então nesse processo destaco demais a Bia Granja, a Dani Arrais, Luiza Voll, que eram mulheres que estavam empreendendo quando eu comecei né, a Maira Fonseca, a Carol Delgado, que são mulheres empreendedoras que hoje estão junto comigo, muitas vezes fazendo projetos juntas ou trocando desabafos ou apoiando meramente o trabalho umas das outras, que são as minhas grandes referências hoje nesse mercado e na vida também, são minhas amigas também, um luxo poder dizer isso, então acho que tem essa mudança de perspectiva quando eu começo a olhar para mulheres como referência também, é super importante.

Henrique de Moraes – Maravilha. Posso te pedir pra de repente me dar assim um exemplo de alguma coisa que você aprendeu com alguma dessas lideranças, pode ser com o Pedro, com o Simi enfim, ou com todas as mulheres que você citou

Thais Fabris – Eu acho que, uma coisa que todas essas pessoas que eu citei tem em comum é que elas não lidam com você a partir do crachá, elas lidam com você a partir do humano, então são pessoas que interagem de gente pra gente, que se permitem formar vínculos, que se permitem às vezes errar também sabe e ser transparente no erro, “Nossa errei, desculpa”, “errei desculpa” é um aprendizado gigantesco porque assumir a responsabilidade quando você é uma liderança, a gente passou quatro anos vendo aí o líder máximo do país assumindo a responsabilidade por absolutamente nada né, se comportando como o homem padrão que nada é culpa dele, ele não tem nada a ver com nada e esse é o padrão do nosso mercado, a responsabilidade é sempre do outro né, da equipe “Não eu vou mandar embora, foi o estagiário” nunca é o líder, eu acho que líderes que assumem a responsabilidade pelos erros também são grandes exemplos para mim, são pessoas nas quais eu me espelho, então é um pouquinho do que eu vou pegando por aí assim com esses meus pares.

Henrique de Moraes – Boa. Tem um livro que eu, que é bom mas com algumas ressalvas, que ele fala muito sobre isso que é o “Responsabilidade extrema”, alguma coisa assim, de um ex seal se não me engano, esqueci o nome dele agora também, caraca tô esquecendo o nome de todo mundo hoje mas enfim que é basicamente no final das contas ele mostra que qualquer coisa que acontece da cadeia para baixo, e ele lidava muito com hierarquia né, dentro de uma coisa de exército, a hierarquia basicamente foi criada dentro do exército, essa hierarquia piramidal que a gente tá acostumado a lidar né e que na verdade a responsabilidade é sempre de quem tá mais acima, a responsabilidade é sua, se você é o CEO e os seus gerentes estão fazendo besteira a responsabilidade é sua e assim por diante, da cadeira pra baixo. Eu tenho tentado buscar as referências que não tenham estruturas piramidais mas são difíceis, tem poucas né mas eu acho que essa coisa de assumir a responsabilidade e de ter trocas mais humanas exatamente que por mais que exista uma hierarquia ali estabelecida que você lide com todo mundo do mesmo patamar, não faz o menor sentido essas diferenças sabe do tipo, não é bom para ninguém, não é bom para ninguém porque se você tá no suposto topo e você não tá ouvindo quem tá lá embaixo você tá cego, não vai adiantar nada

Thais Fabris – Eu hoje na empresa não, existe uma hierarquia é lógico porque hoje eu sou a única sócia da empresa e acaba que tenho algumas tomadas de decisão de negócios que são minhas né, mas tomadas de decisão de projetos não, no projeto cada um é dono do seu pedaço do projeto e eu, a minha interferência é muito mais na troca, no palpite, no se a gente for pra cá ou se for pra lá do que eu aprovar ou reprovar qualquer coisa que seja né

Henrique de Moraes – Sim, a gente vira quase um facilitador né

Thais Fabris – É, é muito mais, meu papel hoje é muito mais manter uma rede de pessoas que trabalham comigo que eu aciono né comigo, com minha equipe, que eu aciono para cada projeto e uma vez que a gente tá rodando o projeto é fazer com que aquilo rode né, ser o olho que tá vendo todas as partes, eu me enxergo muito mais nesse lugar do que como chefe de alguém sabe, são indivíduos que estão acoplados em prol de um projeto que por acaso tem uma empresa que faz essa história acontecer mas é muito horizontal porque, eu acho as meninas que trabalham comigo muito fodas assim no que elas fazem, então quem sou eu

Henrique de Moraes – É muito mais aprender com essas pessoas do que ficar tentando de alguma forma liderar inclusive

Thais Fabris – Eu fico às vezes muito maravilhada assim, eu fico olhando elas fazerem e fico “Nossa que legal, a gente fez isso”, às vezes eu vou ler alguma coisa que a gente produziu e “Nossa que bacana, ah não mas peraí é meu trabalho, eu tenho que ver isso aqui”

Henrique de Moraes – Boa. Deixa eu te fazer uma pergunta que talvez não leve a lugar nenhum mas qualquer coisa a gente edita que é, deixa eu voltar um pouquinho, eu vou te perguntar o seguinte, qual foi a pior reunião da sua vida?

Thais Fabris – A pior reunião da minha vida foi uma reunião de 1 hora pra decidir o horário da próxima reunião, eu juro por Deus e por causa desse tipo de coisa que eu não frequento mais agência de publicidade

Henrique de Moraes – Cara, surreal.

Thais Fabris – Tive reuniões muito ruins também mas essa ela é ruim de um jeito engraçado, tive reuniões muito ruins de cliente que grita, cliente gritando e vociferando, eram tantas que eu tinha uma técnica para lidar com isso em agência que era, se o cliente está se comportando como uma criança eu vou tratar ele como uma criança e aí eu começava a tratar ele, os clientes, como eu trataria uma criança que estivesse fazendo uma birra, que é dando atenção, falando baixo, acolhendo, sempre funcionava mas é bizarro que eu precisasse ter uma técnica para lidar com gente que fica gritando

Henrique de Moraes – Especialmente uma técnica que você usa com crianças

Thais Fabris – Porque acho que é a criança interior da pessoa tá pedindo alguma coisa sabe, então vou acolher

Henrique de Moraes – Total. Sabe que é engraçado isso, eu tenho uma filha né, tenho duas filhas, uma de 14 e uma de 3 e a de 3, uma coisa que eu tenho observado muito que eu converso com a minha esposa é que ela fica o tempo inteiro, e a gente fazia isso também né, toda vez que você tem um pequeno poder sobre alguém você começa a fazer exatamente, replicar as coisas que os pais fazem, então no caso eu e a minha esposa e às vezes a gente fica assustado porque a gente vê, a gente aprende com ela o que a gente tá fazendo, a forma que a gente está falando com ela sabe e eu acho que um pouco dessa coisa das pessoas que gritam ou desse excesso de necessidade de tomar decisão por tomar sabe, de dar um pitaco por dar, esse tipo de coisa que com agência a gente percebe muito né, você tem que aprovar com camadas de camadas de hierarquia e aí a pessoa vai lá e quer mudar uma coisa simplesmente porque se ela não fala nada parece que ela não tá fazendo o trabalho dela né mas acho que muito vem disso sabe, tipo de replicar também, a gente infelizmente também tem toda uma estrutura, a pessoa passou por toda uma cadeia onde ela era assediada de certa forma e aí não tô nem falando de um assédio no sentido, um assédio moral talvez né mas não tô falando de assédio sexual mas onde a pessoa ela quer replicar, ela quer exercer aquele poder que ela tem sabe, de uma certa maneira quase como uma vingança ou uma forma de se sentir naquela posição sabe tipo, parece que agora eu estou exercendo a minha posição porque eu tô repetindo a fórmula que eu vi sendo feita ali tipo durante minha carreira toda.

Thais Fabris – Já dizia Paulo Freire né, se a educação não é libertadora o sonho do oprimido é se tornar opressor, isso funciona também nos nossos microcosmos né, nas nossas sociedades aí.

Henrique de Moraes – Totalmente, e eu vejo isso direto, acontece nas menores situações assim, então quando você tá falando de pessoas que tão no topo de uma suposta montanha você imagina como que é né, cheio de ego enfim, muita coisa envolvida.

Thais Fabris – E eu também não sou livre e imune a isso também, eu sempre falo, a minha escola de direção criativa é diretor de criação dos anos 90, 2000, início dos 2000, é uma escola horrorosa e eu muitas vezes em situações de pressão me pego repetindo padrões, é horrível porque eu falo “Nossa me tornei quem eu mais critiquei” mas porque essa é a escola que a gente teve, haja terapia para não cair nesses padrões, é muito difícil

Henrique de Moraes – E é uma vontade também de fazer uma coisa que eu sei que você faz né de buscar um pouco de autoconhecimento, tem na na terapia mas tem de várias outras maneiras também, de você tentar identificar e quebrar essas coisas que é muito difícil assim, eu falo isso muitas vezes que toda vez que você tá quebrando com algum padrão de comportamento seu e que é uma coisa que você tem como natural, quase como orgânico, que não é orgânico, foi inserido mas acaba que a gente leva como se fosse natural, você perde um pouco da sua identidade né e se sente mal com aquilo, é difícil, é muito difícil. Isso por exemplo que eu tô fazendo agora, sei lá se eu estivesse fazendo isso ha um ano e meio atrás, de buscar essas conversas com novas lideranças eu estaria assim me sentindo muito desconfortável porque eu estaria quebrando com o pacto que eu tenho com as outras lideranças que são desse jeito e parece que eu tô criticando elas e de certa forma eu tô, de certa forma onde de todas as formas eu tô mas eu me sentiria tipo quase que perdendo ali, saindo daquela comunidade, perdendo meu senso de pertencimento, então não é uma coisa fácil de fazer mais é uma coisa muito importante, sair do piloto automático e entender seus comportamentos e as coisas que a gente faz acho que é muito importante.

Thais Fabris – E eu diria até que talvez seja mais fácil para mim porque eu talvez nunca tinha sentido pertencimento, sendo mulher trabalhando em direção criativa eu nunca tive pertencimento real, então não fazia parte do clubinho, meu incômodo era não fazer parte do clubinho, queria muito mas tinham coisas que eram fisicamente impossíveis pra mim assim, não vou fazer, muito fora do que eu acredito sabe e eu tava muito mais numa posição de alvo do que de, muito mais do que inserida no clubinho qualquer, tava lá à força.

Henrique de Moraes – Sim. Você acha que estão acontecendo mudanças de verdade hoje não, você acha que é só fachada basicamente?

Thais Fabris – Não, eu acho que

Henrique de Moraes – publicidade

Thais Fabris – É muito lento, é pouco eficiente, eu acho que a gente ainda não sabe como fazer, sendo generosa, tem um lado que a gente não sabe como fazer, eu tava vendo um dossiê esses dias do governo britânico porque na Inglaterra a indústria criativa é responsável se não me engano por 25% do PIB, então é muito importante lá e eles tem uma comissão parlamentar que fez uma investigação que chamava “What works”, o que funciona pra diversidade na indústria criativa e assim, porque nem eles sabem porque funciona, ah então assim, palestra de viés inconsciente funciona, os sistema de cotas funciona na indústria criativa? Então o que funciona? E é muito interessante pensar porque a gente tá fazendo diversas coisas e está tentando, eu acho que tem muita gente tentando, não sabendo exatamente o que funciona mas na prática o dinheiro ainda vai para as mesmas mãos e o que a gente teve de ganho é muito pouco, pensando assim num dado que eu tenho de cabeça, minha empresa se chama 65 | 10, 65% das mulheres não se identificavam como elas eram retratadas na propaganda em 2013, hoje são 80% das mulheres que não se identificam com a forma que são retratadas na propaganda e só 10% dos criativos nas agências eram mulheres em 2015 e hoje eram, em 2020 antes da pandemia, eram 25% e com todas as demissões que tem tido eu já não sei se isso andou pra trás porque por exemplo em 2020 a participação, a representatividade de pessoas negras na propaganda diminuiu então a gente dá um passo para frente e dois para trás, um para frente e dois pra trás, não ta andando, a gente tá patinando sabe e é muito doloroso porque eu tô há 7 anos falando as mesmas coisas, quase 8 anos falando as mesmas coisas, olhando para dados que só pioram e tendo que sorrir e falar “A gente tá tentando”, não tá tentando o suficiente, não tá.

Henrique de Moraes – Em relação à esse aumento né porque isso é surreal assim, eu não sabia que tinha aumentado  o percentual de mulheres que não se sentem representadas né pela propaganda, especialmente com tanto sendo falado sobre isso né, sendo discutido e insistentemente colocado em pautas enfim, o que você acha que leva a esse aumento e não a diminuição porque enfim, vou deixar você falar e depois eu falo uma coisa que me passou aqui pela cabeça.

Thais Fabris – Acontece que o comportamento das mulheres nos lugares que as mulheres ocupam e desejam ocupar na sociedade ele tá mudando em uma velocidade muito acelerada e a propaganda tá mudando muito devagar. Então se a gente não tem as as pessoas criando para elas mesmas, se a gente tá sempre com o olhar estrangeiro, e a gente tá sempre com olhares estrangeiros ainda, mesmo que você tenha mais mulheres nos espaços criativos são poucas, são brancas, são mulheres de classe A que são muito pouco diferentes dos homens brancos de classe A que ocuparam esses lugares antes. Ainda não é uma perspeciva que se aproxime da realidade de consumidor, de jeito nenhum e os consumidores homens também dizem que não se identificam, então não só as mulheres

Henrique de Moraes – Sim, eu ia levar exatamente para esse esse lado né assim de uma coisa que eu tenho percebido né, tem um lado luz e um lado sombra aí das redes sociais né mas um lado bom é que as pessoas estão se informando e conseguindo fazer mudanças de posicionamento né e sair um pouco ali do que a gente tava falando do piloto automático e entender ali, se entender melhor como pessoas inclusive, sobre o que elas defendem, as lutas que elas querem colocar em pauta e eu ia falar que exatamente isso, talvez esse seja o ponto principal né, quanto mais as pessoas, quanto mais isso é conversado mais mulheres estão se dando conta que elas não se sentem representadas porque a propaganda acabava moldando a sua maneira de pensar, sua maneira de agir né que era o objetivo né se vamos colocar, mas que era sobre um olhar completamente masculino, da good girl lá enfim, essas coisas todas e que de repente todo mundo começa a perceber e você tem essa mudança maluca, parece que quanto mais as pessoas falam talvez mais pessoas  de fato não se sintam representadas né, o efeito inicial talvez seja esse mesmo e que bom que talvez esteja acontecendo isso de certa maneira porque talvez seja um dado que mostra pra gente que as pessoas estão pelo menos percebendo isso né, mais mulheres e agora o que falta é assim, isso gerar uma mudança e não ser uma mudança liderada por homens né achando que eles vão conseguir resolver isso, é um ponto principal.

Thais Fabris – A Clariza Rosa que é amiga minha também da SILVA produtora, ela sempre fala “Vocês precisam se levantar da mesa pra que outras pessoas possam sentar, se vocês ficarem sentados na mesa não vai ter pra todo mundo” e vocês inclusive eu que sou uma mulher branca né, então também preciso de vez em quando me levantar da mesa pra uma mulher negra sentar, e os homens mais ainda mas como os homens não estão nem fazendo menção de levantar da mesa, quem tá levantando geralmente somos nós mesmos, a gente vai lá e arranca alguém da mesa à força, não sei.

Henrique de Moraes – Eu tava ouvindo esses dias o nosso cliente da agência lá, o Greg, Gregório Duvivier no “Mano a Mano” e ele tava falando exatamente isso, o Mano Brown ficou até meio chocado assim ele falou assim “Não porque cara eu acho que pra algumas pessoas ganharem outras pessoas vão ter que perder, não vai ter jeito” e de fato não tem lugar pra todo mundo e assim, a gente tem que levantar e ceder o lugar, não tem como, eu vou ter, a gente precisa perceber que a gente vai ter que dar espaço mesmo né e não só ficar ali achando que vai ter espaço para todo mundo, acha que todo mundo vai ganhar e vai ser ótimo enfim, o que não vai acontecer. Eu lembro de uma vez, a primeira vez que eu vi qualquer coisa que me fez assim dar um estalo e que não foi nem sobre essa representatividade das mulheres né mas foi sobre, a Marcela Lisboa se não me engano, ela tinha aberto uma agência e aí eu fui para um evento de criatividade e que eu nem sabia, nem percebi e era falando sobre atividade dentro do contexto de pessoas pretas então eu era inclusive a única pessoa branca no evento assim, depois achei ótimo, no início eu fiquei “O que tá acontecendo?”, não sabia então fiquei meio e aí eu aprendi tanto nesse dia que eu comecei a me colocar, tentar me colocar mais nessas posições assim para aprender um pouco e ela falou a coisa que pra mim mais fez sentido né, ela falou assim “Cara eu vou trabalhar para uma agência que fica ali na zona sul do Rio e que vai estar vendendo geladeira e aí você vai pegar os dados e você fala assim, cara quem compra geladeira, tipo assim cara a maior parte das pessoas são de C, D que vão fazer ali um crediário, vão dar um jeito de comprar o negócio nas Casas Bahia, esse tipo de coisa” e ela falou assim “E quem tá criando isso é a pessoa que morou a vida inteira na zona sul e que não faz ideia de como vender, eu sei vender a geladeira pra minha mãe, eu sei vender a geladeira pro meu vizinho sabe, porque que essa pessoa que tem que criar?”

Thais Fabris – Por isso também que hoje na 65 | 10 eu sou muito mais uma facilitadora, uma moderadora de processos criativos mas eu crio muito pouco porque acaba que a gente sempre traz pros processos criativos na empresa pessoas que são próximas do público-alvo tanto que quando a gente está falando de pesquisa né, então por exemplo se eu entro numa entrevista, a gente tá rodando uma entrevista com mulheres que trabalham em áreas técnicas, os técnicos que vão instalar tv a cabo na sua casa? Que são mulheres de classe C e D. Se eu entro eu envieso a pesquisa porque elas vão dar as respostas que elas acham que eu, uma mulher branca de classe A vou querer ouvir. Então tenho uma entrevistadora mais próxima da realidade delas fazendo as entrevistas e em qualquer processo criativo, a gente sempre traz, se eu tô falando de um produto que quer falar com mães, são mães que vão criar, não sou mãe  vou só facilitar, vou mediar o processo mas não sou, tenho pouco a dizer.

Henrique de Moraes – Sensacional. Deixa eu te fazer uma pergunta, e quando você se tornou líder né, o que foi mais difícil?

Thais Fabris – Tenho até dó, eu tinha 25 anos, era uma criança, eu tinha 25 anos, quando eu tinha 24 tinha já trabalhava há alguns anos numa agência como redatora e meu chefe me colocou como coordenadora criativa, que significava que eu meio que passava os briefings para as outras pessoas da criação, eu preenchia os buracos de direção de criação ali que ele não tava dando conta de preencher. E aí a partir disso eu fui chamada para trabalhar em Portugal, em Lisboa como diretora de criação numa agência que na época nossa, era super premiada e tal, tava acontecendo, fazendo e acontecendo em Lisboa, foi muito massa a experiência e só que eu tinha 25 anos, eu não tinha a menor ideia do que eu tava fazendo e a primeira coisa que eu fiz quando eu cheguei em Lisboa foi consegui ter um Burnout porque eu não tinha a menor ideia do que eu tava fazendo e ainda tava fazendo mestrado junto com isso, o que foi bom porque no mestrado eu peguei justamente pra estudar liderança criativa, que aí falei “Vou unir o útil ao agradável, o útil ao útil”, nada era agradável e eu tinha uma equipe que tinha um choque cultural muito grande porque eu vinha muito acelerada do Brasil e lá é esse esquema que a gente conversou né, 18h a caneta cai, as pessoas me entregavam o que eu achava que era o mínimo e eu fazia o trabalho deles até a gente se entender, depois eu fiquei com essa equipe os 4 anos eu fiquei praticamente os 4 com a mesma equipe e aí era muito engraçado porque teve uma hora que a agência cresceu e chegavam outros portugueses para trabalhar e essa equipe original vinha pra mim “Não dá pra trabalhar com ele”, “Não entrega”, e eu falava “Paciência”, a gente aprendeu junto, eu tive muita sorte de ter as pessoas também que me ensinaram a ser lider delas, a gente tava meio que preso junto naquele barco, ninguém queria sair então a gente aprendeu juntos e isso foi muito bom.

Henrique de Moraes – E teve algum erro assim muito icônico que você se lembra de ter cometido?

Thais Fabris – Nossa, eu acho que eu errei acima de tudo comigo mesma primeiro, porque eu nunca fui de querer esfolar a equipe, muito pelo contrário, muito mais eu matava as bolas no peito pra não chegar nas minhas equipes ao longo da minha carreira inteiros e eu acho que uma outra pessoa que trabalhou comigo pode até dizer “Ah mas chegavam umas bolas feias na gente” e eu digo “Vocês não sabem o que eu tava barrando”, então teve momentos que eu errei muito comigo, que foram os momentos que eu me levei pro Burnout porque queria realmente provar que era capaz, principalmente. Então meu principal gatilho de Burnout é ter que provar que sou capaz, acaba que nesse momento quando eu cheguei em Lisboa era isso, meu chefe virou para mim e falou assim “Você quer que eu coloque um homem pra ser diretor de criação junto com você? Porque você não tá dando conta, eu acho que é porque você é mulher”, o que eu fiz, eu falei “Em hipótese alguma, eu vou dar conta” e quando eu cheguei no Brasil eu era uma pena, eu nem comia direito, tava desfalecendo

Henrique de Moraes – Nossa surreal, eu vou botar, esse ponto que você trouxe é importante porque normalmente a gente fica muito dessa perspectiva de não burnoutar a equipe né, acaba que os últimos papos foram muito nessa linha, de práticas para você tentar evitar que pessoas fiquem sobrecarregadas, esse tipo de coisa e tem uma pergunta que eu faço, que eu tenho feito nesses bate-papo que é como não sobrecarregar especialmente as melhores pessoas né, que eu falo que é uma coisa que acontece muito assim e que eu não sei muito bem como resolver porque a pessoa que faz como você fazia, que vai lá e mata no peito, quer se provar e tudo mais são as pessoas que você mais confia trabalho então você começa a sobrecarregar essa pessoa porque é a pessoa que você mais confia e a pessoa que você menos quer sobrecarregar, assim pelo menos as pessoas que tem algum senso de noção, mas é a pessoa que você menos quer sobrecarregar porque você quer que essa pessoa esteja trabalhando 100% né, super bem mas você acaba passando muito trabalho e eu tenho uma pessoa assim no meu time e que ela tem um pouco disso que você falou sabe e que ela fala muito isso, é uma mulher preta, hoje minha sócia, a Bru e ela fala muito sobre isso que ela nasceu precisando se provar né, e é muito do que você trouxe né porque assim, pelo que eu sei das experiências dela ela nunca nem teve um problema com chefes, com nada, ela teve a sorte de pegar pegar pessoas legais assim ao longo da trajetória dela mas imagina se você ouve uma coisa como você ouviu, do tipo você precisa de um homem aqui que você não tá dando conta sabe, tipo é isso, é o gatilho, se você não tinha ainda tipo naturalmente né, já não tava com esse gatilho aceso, disparado, era a hora que não tem como, ou você vai chorar e desistir ou você vai falar “Foda-se vou dar minha vida aqui mas eu vou provar que eu sou capaz”, então acho que a gente pode levar até um pouco para esse lado dos seus aprendizados como pessoa também, como lider porque acho que tem muito líder que vai exatamente ser muito compassivo com seus times mas que vai assumir essa sobrecarga né e vai evitar que isso chegue pra eles, e aí eu queria entender um pouco dessa perspectiva, quais foram assim, primeiro vamos por partes, vamos pegar de momentos práticos assim, você falou que você já teve dois Bournouts e mais uma agora né recentemente. O que você faz, como é que você identifica que está indo para esse caminho e como é que você faz para tentar sair, para tentar tipo sair um pouco desse buraco e cavar de volta um caminho pra vida?

Thais Fabris – Eu acho que é muito ruim né falar da perspectiva de uma pessoa que tem muita expericência com Burnout, é horrível eu não quero isso no meu currículo gente, é horrível mas eu sou fruto da minha geração, tava lendo um livro muito bom também sobre Burnout, que é “Não aguento mais não aguentar mais”, recomendo pra todo mundo acho que tem um batalhão de pessoas que passou por isso no último ano, que fala sobre como a nossa geração millennial foi educada para ter um Burnout, então nós fomos realmente criados para trabalhar até morrer como se uisso fosse garantia de alguma coisa e não é, é uma mentira que botaram no nosso leite quendo a gente era criança mas eu gostaria de, eu achava que eu sabia identificar quando o Burnout tava vindo e eu achava que com as minhas, sendo tão guardiã do meu tempo e sendo tão guardiã do meu descanso que eu ia saber, evitar que ele acontecesse de novo mas ele tem não só uma relação com o tempo que você se dá de pausa né então só descansar depois que eu tive um burnout não resolveu porque ele demanda uma mudança na sua relação com o trabalho, eu percebo que eu fico muito identificada com o meu trabalho e é muito difícil, principalmente agora que a empresa é só minha né, meu último Burnout aconteceu entre toda a crise da pandemia né que afetou muito os negócios e a saída da minha sócia da empresa que foi o gatilho de “Não, eu vou provar que eu consigo fazer essa empresa sobreviver”, a empresa sobreviveu lindamente, 2021 foi o segundo melhor ano de faturamento no meio de uma pandemia, quem morreu fui eu então tô aqui abrindo o coração né mas acho que, eu abro o coração porque eu acho que pode ajudar outras pessoas que passam pelo mesmo e pode me ajudar a me sentir menos sozinha também nessa situação mas se eu não mudo, se eu não viro essa chavinha, se eu não consegui identificar o que é que eu tô fazendo, que eu preciso parar de fazer, o que eu tô fazendo que eu preciso parad de fazer?”, tentar provar que eu vou fazer a empresa sobreviver, a empresa já sobreviveu, pronto já foi. E aí eu não consigo sair do Burnout, tem que achar onde que é a chavinha que destrambelha sua relação com o trabalho, e às vezes a chavinha é sobrevivência, a minha chavinha em grande parte era pagar conta e pagar funcionário, sobreviver é um monte de gente que depende de sobreviver né.

Henrique de Moraes – Eu não queria ter colocado esse peso da pessoa ser reconhecida pelos Burnouts, não era o objetivo

Thais Fabris – É bom que fica um podcast em resposta ao podcast do Cris Dias que me deu uma fama de bem resolvida, o Cris Dias falou “Não porque a Thais é uma pessoa bem resolvida” e aí as pessoas ficam achando que eu sou bem resolvida, tá aqui ó, eu não sou

Henrique de Moraes – Eu acho que tem uma coisa também que é assim, primeiro você consegue dar nome para isso né porque acho que muita gente passa e não sabe nem que teve, então assim se você fala que teve três já é porque você sabe que você teve, você consegue diagnosticar

Thais Fabris – É porque meu Deus, é uma sensação que assim, horrível, não tem como

Henrique de Moraes – Sim mas eu mesmo já passei pelo meu primeiro Burnout eu não sabia identificar

Thais Fabris – Eu só soube identificar o primeiro no segundo

Henrique de Moraes – Exato porque você já aprendeu, foi correr atrás do que tava acontecendo né enfim

Thais Fabris – Achei que tava deprimida e aí descobri que não tava deprimida, só precisava pedir demissão do meu emprego.

Henrique de Moraes – Sim e eu acho que tem um ponto que eu gosto de trazer também que embora a gente esteja falando de trabalho e eu acho que as pessoas também colocam toda essa responsabilidade, vamos colocar assim do Burnout no trabalho mas eu acho que tem tanta coisa que tá levando a gente a se tornar essa sociedade do cansaço né que é assim uma expectativa irreal em todas as coisas que a gente faz né então assim, é desejar muita coisa ao mesmo tempo e achar que tudo tem que ser realizado ao mesmo tempo e vendo cada vez, se comparando com pessoas que parecem que tão fazendo aquilo ali porque elas fazem parecer que elas estão conseguindo dar conta de tudo sabe e aí eu acho que isso também leva a gente para um lugar assim muito ruim sabe tipo, depois de um tempo, demorei muito para conseguir perceber isso mas eu comecei a entender o quanto eu tava tirando das redes sociais por exemplo e o quanto elas estavam gerando de benefício sabe e eu percebi que era muito pouco para mim no caso porque eu tenho um trigger ali muito grande de ficar me comparando, eu já tentei evitar, tentei parar de seguir pessoas, já tentei fazer um monte de coisa e não funciona, eu simplesmente entro e em 5 minutos já percebo que tá batendo ansiedade

Thais Fabris – O LinkedIn me dá isso

Henrique de Moraes – Pois é

Thais Fabris – E o meu LinkedIn deve dar isso em outras pessoas

Henrique de Moraes – Sim e é uma coisa que é engraçado inclusive né e que a gente não percebe mas a gente sabe que isso causa ansiedade na gente mas a gente não tem como evitar fazer algumas coisas, eu falo que uma vez eu criei um, uma palestra de 15 minutos num evento que a gente tava patrocinando e tudo mais e aí tiraram uma foto e eu postei lá no LinkedIn, “Ah foi um prazer falar para as pessoas” e depois eu parei, olhei para aquilo e fiquei “Cara pra que eu postei isso? Sinceramente”

Thais Fabris – É o jogo

Henrique de Moraes – É o jogo, exatamente mas eu falei “Cara olha só, ninguém aprendeu nada”, se eu pelo menos tivesse falado o conteúdo da palestra, tivesse dividido um pouco do conteúdo, tivesse falado sobre o que foi porque foi mas não, eu simplesmente botei ali e é uma armadilha assim e eu falei “Cara a única coisa que eu fiz foi causar uma ansiedade numa pessoa que talvez quisesse estar dando uma palestra também”, como eu já passei também por essa situação, “Fulano de tal tá dando um monte de palestra, eu não tô né, porque?” sabe então a gente cai muito nisso mas eu acho que, voltando para o ponto ali, eu acho que essa coisa do burnout e do cansaço que a gente tá sentindo ela vem de muitas direções e ela deságua, ela acaba tudo isso desaguando no trabalho né porque é onde a gente passa a maior parte do tempo, não tem jeito então quando a gente, eu gosto de trazer isso porque acho que vale a pena todo mundo também que se identifica ou que já teve ou tá sentindo também tentar olhar outros pontos ali que podem estar fazendo com que você se sinta desse jeito sabe e que inclusive estejam te levando a trabalhar mais por que é isso, se você sente a ansiedade do LinkedIn que é a rede do trabalho, o que vai acontecer, você vai consequentemente trabalhar mais porque você quer conquistar a mesma coisa que você tá vendo seu amiguinho lá conquistar, ou o investimento que ele levantou ou enfim, as palestras que ele tá dando ou a audiência que ele tá e nunca é a mesma pessoa, você tá “Eu queria ter a audiência do fulano de tal, o corpo de fulano de tal com o dinheiro de fulano de tal e a organização pessoal desse aqui”

Thais Fabris – Mas sabe o que é o principal fator, e se eu trabalhar o suficiente eu vou conseguir, se eu não conseguir é porque eu não me esforcei suficiente, que é a falácia do neoliberalismo que a gente comeu na papinha quando era criança então se você não tá se esforçando o suficiente você não vai conseguir e aí eu vou dar o depoimento de uma pessoa que tem se esforçado muito pouco ultimamente, não faz tanta diferença. É muito louco né, deixei de fazer várias coisas esse ano e no fim do dia…

Henrique de Moraes – Tipo o que?

Thais Fabris – Tipo eu resolvi que eu não ia alimentar o Instagram da empresa produzindo conteúdo, era uma coisa que demandava muita energia pra pouco retorno e agora eu faço o que muitas empresas fazem que é só colocar se você tem uma notícia pra dar, um projeto, fiz uma palestra, posto lá no Instagram como uma vitrine mas até então a gente produzia conteúdo, bastante assim pro Instagram. Não fez falta

Henrique de Moraes – Sim, eu acho que tem uma coisa que eu aprendi e que eu uso muito pouco, como tantas coisas que a gente aprende e mal usa mas que é de fazer aquela famosa análise 80/20 né, que normalmente 20% das suas ações gera 80% do resultado e 80% das ações geram 20% do resultado, lógico que é uma fórmula bem fechadinha, não é muito bem assim a conta mas em geral funciona muito bem né e as pessoas continuam. Uma coisa que eu acho engraçado e tô aqui jogando contra o meu próprio trabalho nesse momento, mas eu falo isso com os clientes que é o seguinte, a gente começou a agência fazendo conteúdo e a gente ainda faz muito conteúdo e às vezes os clientes chegam pra gente e falam assim “Ah não, eu queria contratar vocês para fazer nossas redes sociais” e eu falo “Beleza, qual o budget que você tem?”, “Ah a gente tem tanto”, eu falo assim “Mas se você gastasse isso com outras coisas?”, aí a pessoa “Não mas eu tenho que fazer porque todo mundo está fazendo” e eu falo assim “Tá mas talvez porque todo mundo tá fazendo seja o motivo de você não fazer porque você vai ter menos concorrência onde eles não estiverem atuando”

Thais Fabris – E já dizia a senhora minha mãe, “Você não é todo mundo”. E uma outra coisa que eu fiz esse ano também que eu tenho gostado de contar, que eu diminui muito minha carga de trabalho, minha carga horária de trabalho então às segundas de manhã e às sextas à tarde eu tenho tentado reservar, no começo do ano eu fiz assim, uma semana por mês não vou trabalhar, ninguém morreu, aí depois eu vi que não tava dando uma semana por mês porque tinham muitas coisas acontecendo e falei “Tá bom, mas um dia da semana dividido entre a manhã de segunda e a tarde de sexta”, show tudo certo ainda, eu tô esticando essa corda, tô vendo o que eu consigo fazer menos, delegar mais também né, também envolve confiar na minha equipe, eu consegui tirar 10 dias de férias praticamente sem ver nada da empresa, só recebi dois status pra eu ficar tranquila, não ficar noiada de que as coisas estavam bem e tudo rodou e isso pra mim, “Caramba, não tenho sócia mais então preciso confiar muito nessa equipe” e saber que eu tenho uma equipe de gente incrível fazendo é uma paz sabe.

Henrique de Moraes – Sim e é curioso né, o delegar ele é um ato muito difícil né, especialmente pra quem é muito mão na massa, você confiar que a pessoa vai entregar alguma coisa né tipo que está à sua suposta altura, todas essas coisas que a gente coloca e que a gente no final das contas o que está fazendo é se dando mais trabalho e tirando a oportunidade da pessoa de apreender, lógico né gente, delegar pra pessoas que você confie pelo menos, faz um teste antes, testes são ótimos, vendo aqui o depoimento da Thais, tenta ficar esses dias off e vê o que acontece, vamos ver, vai testando, vai colocando e vai descobrindo onde dá pra esticar um pouco mais, onde dá pra esticar um pouco menos e o que precisa fazer inclusive pra esticar um pouco mais porque às vezes é só mudar uma chavinha, virar alguma coisinha né enfim, e fazer outro teste. Deixa eu te fazer uma pergunta assim, que é uma pergunta também sempre né, todas as perguntas aqui são muito pessoais e egoístas, eu perguntei isso para Passa, que foi uma pessoa que passou por aqui, inclusive ela acho que ficou incomodada também com o termo “liderança humanizada” e ela falava “liderança compassiva”, eu gostei vou adotar e eu fiz essa pergunta para ela e queria fazer para você porque eu percebo que você faz muitos desses testes assim de mudar mesmo né, de mudar um pouco do que é esperado da sociedade enfim, que é a parte mais difícil no final das contas né de você decepcionar uma audiência invisível que você acha que vai ficar super decepcionada e às vezes tá cagando né, talvez você se sinta mal porque você não mudou nada na verdade, “Pô ninguém sentiu minha falta, eu achava que era super necessário aqui” mas o que que acontece, eu fico num questionamento né que eu fico me fazendo bastante, como que a gente concilia né uma postura mas vulnerável assim e de se aceitar e aceitar essas diferenças, aceitar sair um pouco do que é esperado da gente, a gente tava falando por exemplo de dormir sabe, dormiraté tarde e aceitar isso mas também não entrar num lugar ali de condescendência sabe com a gente mesmo, do tipo “Ah não beleza, você não fez isso aqui mas tá tudo bem” e de repente começar a se dar tapinha nas costas e achar que tá tudo bem tudo e de repente quando você vê na verdade não tá nada bem, você só está sendo legal com você mesmo como você poderia estar fazendo com a sua equipe por exemplo né, tipo “Ah tá tudo bem” tipo dourar a pílular ali, como é que faz pra equilibrar isso porque eu vejo acontecendo extremos pra todos os lados, tipo a pessoa que tá tudo bem e tudo bem, tudo bem e vai pra um lugar onde ela não tá conseguindo fazer nada do que ela planejou e isso leva pra um lugar ruim inclusive porque você começa a se sentir mal de não estar conseguindo fazer o que você planejou, as pessoas que estão ali o tempo inteiro no chicote né ali tipo sendo seus próprios, dando a sentença, se castigando enfim, fazendo tudo isso. Como é que se encontra, se é que se encontra um equilíbrio mas como é que você faz para não cair em um lado e nem no outro né, como é que você faz para colocar radar?

Thais Fabris – Você não acha que a gente é tão educado na base de uma cobrança tão grande que vem da sociedade, dos nossos pais, de um monte de caixinhas que a gente tem que se encaixar, que a gente nunca vai conseguir cumprir com tudo isso, eu acho que nem se a gente tentar ser muito complacente com a gente mesmo a gente vai conseguir. Eu mesma nem que eu tente ser muito complacente, eu tento ser muito complacente, na verdade minha busca é dar muitos tapinhas nas minhas costas, tadinha de mim, tô me esforçando tanto, tô fazendo o meu melhor. Eu acho que talvez esse seja o ponto pra mim da pergunta que eu me faço, “Eu fiz o melhor possível?”, sabendo que o seu melhor possível hoje às vezes é só levantar da cama e amanhã é dominar o mundo e depois de amanhã é só entregar o projeto, muda mas eu saber que todos os dias eu fiz o melhor possível, eu não faço nada de má vontade, não faço nada, mentira eu preencho sistema Ariba de má vontade, muito chato preencher cadastro e se eu tiver que fazer isso vai ser com a pior vontade do mundo mas assim, em geral eu faço as coisas com carinho então eu tenho a minha consciência muito tranquila quando eu erro ou quando acho que não ficou do jeito que eu queria que tivesse ficado ou não cheguei onde queria chegar, que é “Meu Deus olha os tempos que a gente tá vivendo”, bota um pouquinho de perspectiva, mesmo quem tem todos os privilégios está inserido num mundo que tá derretendo, tenho todos os motivos pra largar tudo e viver da natureza e da minha arte sabe, que a natureza me dá e tô aqui tentando fazer publicidade de um jeito menos ruim. A gente pode ser mais complacente com a gente e tá tudo bem, o mundo tá derretendo e a gente tá derretendo junto.

Henrique de Moraes – Sim, de várias maneiras diferentes inclusive. Eu queria te perguntar o que te causa ansiedade além do trabalho

Thais Fabris – O mundo estar derretendo, o que me causa ansiedade além do trabalho, eu tenho um senso de urgência com o fato de que se a gente não fizer nada não tem futuro, isso é uma coisa, infelizmente eu estudo demais e eu vejo por exemplo que as pessoas estão muito focadas em olhar, pensar no futuro, sonhar com futuro que é metaverso, internet das coisas, criptomoeda, e esse é o futuro dos homens brancos riquíssimos que vão construir um foguete para sair desse planeta enquanto a gente tá ferrado, a gente tá ferrado e aí eu olho assim, para mim tem três vetores que definem o futuro, as crianças, as mães e as pessoas indígenas, sem esses três vetores não tem futuro. Então as crianças hoje, uma em cada quatro crianças brasileiras estão com sintomas de ansiedade e depressão clínicas, as mães estão negligenciadas sendo demitidas depois que voltam da licença maternidade e sobrecarregadas com as tarefas do cuidado. Essas são as mães que estão criando essas crianças que são o futuro, então é nesse cenário que tá sendo criado o nosso futuro, olha para isso, que futuro a gente tem, quem que vai programar o metaverso se 80% das crianças brasileiras saem da escola, completam o ensino médio sem saber matemática básica? Como a gente vai ter programador a partir de 80% de crianças que não sabem matemática básica? E sem as comunidades indígenas, sem os povos indígenas não tem floresta e os povos indígenas estão sendo genocidiados né, até aqui foi assim que foi, a partir de primeiro de Janeiro e espero que melhore tudo isso mas assim, o que a gente tem é muito ruim em termos de futuro e isso me deixa ansiosa para caramba, me deixa ansiosa e com senso de urgência e com desespero de achar que nada tá sendo feito e se nada for feito não tem futuro bom, não adianta querer viver no metaverso porque você vai estar derretendo de calor aqui fora.

Henrique de Moraes – Sim, e quando você tá se sentindo assim, nesse caso deve ser a maior parte do tempo né, o que você busca, o que você faz para lidar com essa ansiedade? Leio mais

Thais Fabris – Eu

Henrique de Moraes – Leio mais, mais ferrado, ignorância é uma bênção mesmo né

Thais Fabris – Fui viajar de férias, fui pro Pará tudo lindo e maravilhoso até que eu tava voltando de férias, olho pela janela do avião e vejo durante uma hora a Amazônia queimando, uma hora, até onde a vista alcança, incêndio. E chorando chorando chorando, então sou uma pessoa que tá sempre em estado de ansiedade. O que eu faço? Quando eu não tô fritando porque o mundo vai acabar, eu tenho uma amiga, a Carol Delgado que outro dia ela falou que é importante sonhar com as mãos e eu acho que isso é minha grande válvula de escape, é sonhar com as mãos. Eu lembro o dia que minha ex sócia me comunicou que ela ia sair da empresa, eu abri a geladeira e cozinhei tudo que tinha na geladeira, eu tava no telefone com uma outra amiga e cortando coisas e cozinhando porque, e agora durante o período eleitoral que eu estava completamente desgraçada da minha cabeça eu peguei para fazer crochê, que foi uma coisa que eu fiz durante essa pandemia também e eu fiquei pensando nesse processo como um processo de lembrar da nossa capacidade de materializar coisas, o crochê pra mim é muito isso assim, de um fio eu fiz uma bolsa com a mão, de uma cenoura eu fiz uma sopa com a mão, então eu acho que esse é o processo, do pandeiro eu faço música, tirar algo da onde não tinha nada, é um processo que me lembra da nossa capacidade de transformação e de realização, quando eu tô muito desesperada achando que nada vai mudar e tudo vai dar errado, lembro que a gente consegue materializar coisas incríveis com a mão e corpo sabe fazer.

Henrique de Moraes – Gostei, muito bom. A gente tá já aqui, passou do tempo planejado, eu posso te fazer mais duas perguntinhas?

Thais Fabris – Pode, claro

Henrique de Moraes – Boa. Na verdade são três

Thais Fabris – Ah pronto, três eu já não hahaha, só que o problema é que eu falo pra caramba né

Henrique de Moraes – Eu também então vamos nessa, se você tá tranquila eu tô tranquilo. Eu queria entender um pouco de como você lida hoje com redes sociais, a gente tocou ali no assunto mas bem na superfície e é um assunto que tem me interessado muito assim, ver a relação das outras pessoas e eu queria até falar mais sobre isso aqui no podcast, acaba que eu falo pouco

Thais Fabris – Para falar de redes sociais preciso falar da minha relação com a internet. A internet é a melhor coisa que aconteceu na minha vida, então eu era uma menina de uma cidade do interior que não me encaixava naquele lugar de jeito nenhum, sofria bullying, que se sentia muito deslocada e apareceu a internet e a internet me abriu o mundo e na internet eu descobri que eu não era tão deslocada, eu só tava no lugar errado e a partir desse fascínio inicial com a internet, com o mundo dos blogs eu comecei a minha carreira com o começo da revolução digital, começo do marketing digital, então eu fiz parte desse início né trabalhando em agências digitais e sou até hoje fascinada por tudo que a internet e a tecnologia produzem, trabalhei no Twitter, foi também uma experiência incrível, tenho Facebook, Google e Twitter como meus clientes então eu sou fascinada, internet me trouxe pessoas maravilhosas, tudo que eu tenho hoje eu devo à internet e às redes sociais, as redes sociais a gente analisa na 65 | 10 como grande vetor de transformação para o bem e para o mal né porque na internet os grupos minorizados se encontraram e ser organizaram e infelizmente a extrema direita também se encontrou e se organizou neste mesmo ambiente, mas é fascinante né olhando por esse aspecto macro é fascinante. No micro eu tenho também assim desde que existe blog eu tenho blog, eu sou uma mulher que fala na internet com o ônus e o bônus de ser uma mulher que fala na internet, então já sofri muito ataque, já tive que fechar perfil, já passei uma tarde inteira sendo chamada de louca, de feia, de hipócrita, assim cancelamento eu já tive e faz parte do jogo, faz parte do ambiente mas eu gosto de estar na internet. Eu moro no lugar mais tóxico da internet que é o Twitter então eu falo que o twitter é meu cigarro, não fumo mas eu acabo com minha saúde mental frequentando esse site, não consigo sair dele, já tentei apagar o aplicativo, Instagram não me faz mal, LinkedIn não me faz mal, o Twitter é péssimo, eu amo, é horrível, eu não saio dali, destrói minha reputação, eu não consigo sair dele mas tudo bem, eu construo minha reputação em outros lugares, não sei.

Henrique de Moraes – Eu tenho essa sensação também, o meu principal eu acho que é o Instagram assim, acho que foi a rede social ali que eu mais utilizei, o Twitter eu nunca consegui entender e sou muito julgado por causa disso inclusive

Thais Fabris – Sorte a sua, não tenta, tá acabando

Henrique de Moraes – É, tá acabando, agora então né mas sei lá nunca consegui, desde o início assim, eu namorei uma menina que era viciada e ela ficava “Não é possível, você tem que entrar, tudo acontece lá” e eu “Tá mas não sei, não vai”, o Facebook também usei um pouquinho mas no Instagram acabei me envolvendo mais e acho que por isso, esses que a gente entra com mais vontade talvez sejam os que causam mais problema né não sei, enfim. Mas até que você tem um bom relacionamento então

Thais Fabris – Eu tenho um bom relacionamento, eu acho que os ganhos são maiores do que as perdas nesse relacionamento com as redes sociais pra mim porque eu conheço muita gente legal e eu tenho trocas muito valiosas nas redes sociais desde sempre então acho que tem óbvio a comparação, tem a pressão por postar, por estar presente, falar, tem hora que eu falo coisas que não devo, pensei pouco e fiz um tweet e saí andando e quando volto no fim do dia o negócio tomou uma outra proporção e eu falo “Nossa gente, errei” e quem fala muito eventualmente vai falar merda, é normal.

Henrique de Moraes – Esse é um ponto curioso da internet hoje, que parece que você não pode errar nunca mais, não pode falar merda porque tá ali registrado

Thais Fabris – Vou te dar uma notícia, ninguém se importa

Henrique de Moraes – Ninguém se né mais

Thais Fabris – As pessoas esquecem. O importante é o conjunto da obra, se na média você tá falando coisas interessantes e de vez em quando você fala, até os, não vou mencionar nomes enfim, o meu jurídico já começa a apitar aqui.

Henrique de Moraes – Tem um conhecido meu que ele falava isso, ele era diretor de marketing de uma empresa conhecida, grande e ele falava que no início ele ficava com muito receio e tudo mais de fazer coisas mais ousadas e tal, até que uma hora ele falou assim “Cara ninguém se importa, se me cancelarem hoje amanhã tão cancelando outra pessoa do Big Brother e depois disso cancelando um influenciador e de repente tá todo mundo comprando na minha marca de novo sabe” então é melhor arriscar porque a chance de alguma coisa também dar um pico de relevância e de audiência, de awareness é muito maior, eu preciso colocar o máximo de ideia pra fora pra ter os resultados e ver o que acontece, faz sentido. Boa, por último eu queria, uma pergunta clássica aqui do podcast que é, se você pudesse falar com seu eu de 10, 15 anos atrás, você pode escolher o momento pra botar esse pin na sua linha do tempo, no que você diria pra Thais ter mais calma?

Thais Fabris – Cara pra Thais não de 10 anos atrás porque 10 anos atrás eu comecei essa jornada de me acalmar bastante mas pra Thais de uns 15 anos atrás eu diria realmente “Calma, a vida é longa, você não precisa fazer tudo antes dos 30”, eu caí na pressão dos 30, sabe 30 antes dos 30 que é uma lista da qual nunca entrei, já não entrarei nem antes dos 40 então talvez antes dos 50 eu entre em algum lugar mas eu diria “Calma, não precisa fazer tudo agora, a vida é longa, dá para esperar, dá para esperar”, “Dá pra ir mais devagar, não se atropele”

Henrique de Moraes – Maravilha e onde as pessoas podem te encontrar, aonde você prefere que as pessoas te encontrem, acho que essa é uma pergunta melhor

Thais Fabris – Não tenho Twitter, falei que tenho Twitter, não tenho

Henrique de Moraes – É mentira

Thais Fabris – É mentira, ninguém mais tem Twitter, Elon Musk comprou meu Twitter também. Thais Fabris em todas as redes que existem, Instagram, Twitter, hoje em dia tô bem ativa no LinkedIn, eu gosto do LinkedIn ao contrário do Twitter é uma rede social de adulto, Instagram só conteúdo de carnaval, sou influenciadora de carnaval no Instagram então se quiser ver alguma coisa do meu trabalho @meiacincodez e no site meiacincodez.com.br, tô por aí nessa internet. Busca aí no Spotify se você gostou dessa conversa, eu não tenho um podcast mas participo bastante de podcast, acho que dava uma temporada

Henrique de Moraes – Você tem que disponibilizar playlist

Thais Fabris – É eu esqueço sempre de fazer isso, outro dia um menino do Twitter até fez uma playlist com várias e eu perdi

Henrique de Moraes – Boa. Thais muito muito muito muito obrigado mesmo pelo bate-papo, foi sensacional, dava pra ficar aqui horas, tava quase pegando um vinho ali, abrindo uma cerveja, então obrigado pelo seu tempo e pela generosidade, aprendi bastante e espero que seja útil para todo mundo aqui que ouvir a gente depois

Thais Fabris – Obrigada mesmo pelo convite, foi ótimo o papo, também poderia, quando estiver aqui por São Paulo vamos tomar uma cerveja, tá combinado e pro pessoal que tá ouvindo, quem chegou até aqui muito obrigada também pelo seu tempo, como o Henrique começou quando eu entrei, tempo é a coisa mais preciosa que a gente tem então se você escolheu usar seu tempo pra ouvir essa conversa é uma honra.

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