no episódio de hoje eu trouxe dois grandes amigos para bater um papo difícil, porém super importante e necessário sobre ansiedade, depressão e síndrome do pânico.

há algumas semanas eu passei por uma experiência estranha em que tive uma espécie de pico de ansiedade, que eu descrevo com mais detalhes no início do episódio. logo depois desse evento, comecei a conversar com alguns amigos e conhecidos sobre o assunto e todos eles se identificaram com o que passei, alguns relatando inclusive terem tido exatamente a mesma experiência. isso me trouxe dois sentimentos:de não ser um estranho! ou seja, isso não acontece só comigo. o que, em alguma grau, traz uma certa paz de espírito.  comecei a me perguntar por que diabos nenhuma dessas pessoas falou comigo sobre isso antes? por que ninguém dividiu, sabe? e esse ponto aqui, que eu acho super relevante, foi o principal motivador pra eu resolver colocar esse episódio de pé. ou seja, dividir essa experiência com outras pessoas e, quem sabe, trazer essa sensação de acolhimento que tive pra mais gente.

não poderia deixar de agradecer profundamente ao Hugo Moutinho e Leandro Bronze por toparem dividir momentos tão delicados de suas vidas comigo e com os ouvintes desse podcast. sei que não foi fácil e eu admiro ambos ainda mais pela coragem e generosidade!

e pra fechar, alguns avisos importantes: eu comecei a fazer terapia na semana passada, depois de receber algumas boas recomendações de amigos. isso aqui é apenas um bate-papo e, portanto, nada aqui é recomendação médica ou coisa parecida. não somos especialistas em nada, apenas sentamos e trocamos experiências. diferente dos episódios que faço em que tenho uma super pauta, esse episódio foi mais livre. simplesmente fechei os olhos e deixei a conversa fluir. então, como em qualquer conversa existem silêncios e momentos constrangedores que foram mantidos para não perder a originalidade e espontaneidade do bate-papo.

no mais, espero que ajude! =)

LIVROS CITADOS
PESSOAS CITADAS
LINKS IMPORTANTES
FRASES E CITAÇÕES
  • “Não perguntamos mais pelo sentido da vida, mas nos experimentamos a nós mesmos como os indagados, como aqueles aos quais a vida dirige perguntas diariamente e a cada hora, perguntas que precisamos responder dando uma resposta adequada, não através de elucubrações ou discursos mas apenas através da ação, através da conduta correta. Em uma última análise, viver não significa outra coisa que arcar com a responsabilidade de responder adequadamente às perguntas da vida pelo cumprimento das tarefas colocadas pela vida à cada indivíduo, pela exigência do momento” – trecho do livro “Em Busca de Sentido”
  • Desejo é um contrato que você faz com você mesmo para ser infeliz até conseguir o que você quer” – Naval Ravikant
  • “Não se preocupa muito com equilíbrio, se preocupa mais em manter a balança funcionando” – Hugo Moutinho

se você curtir o podcast vai lá no Apple Podcasts / Spotify e deixa uma avaliação, pleaaaase? leva menos de 60 segundos e realmente faz a diferença na hora trazer convidados mais difíceis.

Henrique de Moraes – Fala aí pessoal, sejam muito bem-vindos ao calma!, queria dar as boas-vindas com muito carinho para meus dois queridos amigos que estão aqui participando comigo hoje, é um prazer ter vocês aqui e antes da gente entrar na pauta eu queria só pedir para vocês se apresentarem rapidinho até para quem estiver ouvindo não só já ir conhecendo vocês um pouquinho mas também reconhecendo as vozes, que eu acho que é importante nesse início e começar a marcar, “Quem é o Hugo?”, “Quem é o Leandro?”, esse tipo de coisa. A gente tinha 3 convidados hoje né, acabou que o Saulo, que é o convidado número 1 do calma! inclusive, ele não pode participar mas eu já tinha colocado em ordem alfabética aqui, então vamos começar pelo Hugo Moutinho. Fala Hugo, quem é você?

Hugo Moutinho – Fala aí. Pô cara eu não sei, eu não me preparei para responder isso não mas vamos lá, eu sou Hugo Moutinho, tô adotando o apelido Hugo Mouto, que você achava que era meu nome real, eu percebo que todo mundo acha que Moutinho é apelido, tenho 29 anos, sou pai do Cael e do Guto, um de 2 anos e o outro de 2 meses, e sou designer de gráfico, de interface, já fui de várias coisas e ainda tô buscando minha nomenclatura profissional

Henrique de Moraes – Maravilha, e Leandro Bronze, que é editor do podcast aqui gente, se tiver alguma coisa errada reclamem com ele. Fala aí Lelê, se apresenta

Leandro Bronze – Olá a todos, tudo bom? Meu nome é Leandro Bronze, sou produtor musical, músico, tenho 35 anos e sou um grande amigo desse apresentador aí que vos fala.

Henrique de Moraes – Isso aí, muito bem. Então, dois amigos aqui hoje para falar sobre um assunto que de vez em quando, de vez em quando não, normalmente ele é meio que um tabu e eu queria trazer isso pra mesa aqui pra gente conversar um pouco mais, se abrir um pouco mais, e para isso eu queria fazer uma introdução que eu espero que seja breve mas me conhecendo talvez não seja tão breve assim, só para contextualizar. Então umas duas semanas atrás eu passei por um evento meio esquisito eu diria assim, eu vinha me sentindo meio sem vontade de fazer as coisas, meio sem energia, sentindo mal comigo mesmo e eu fui entrando num círculo vicioso ali né, que era quanto mais eu procrastinava tudo que eu tinha pra fazer pior eu me sentia, quanto pior eu me sentia, menos coisas eu fazia e fui chegando num momento que eu tava fazendo tipo o mínimo ali do meu trabalho que precisava ser feito, e o mínimo em quase tudo, ou em alguns casos fazendo nada na verdade, de tudo que eu tinha me comprometido a fazer, e depois de um tempo nesse ritmo eu acordei um dia e tinha dado uma porrada de pepino no trabalho né, sabe quando parece que o mundo desabou? E aí eu comecei a perceber que vários desses problemas tinham acontecido por causa dessa minha baixa produtividade né e eu comecei a me sentir um bosta, falei “Caralho não tô conseguindo fazer nada, não consigo sair dessa zona aqui”, não é nem zona de conforto porque você não se sente confortável ali, só fica remoendo, se sentindo mal de não estar fazendo nada e ao mesmo tempo não consegue fazer nada, e enfim, teve uma hora que eu acordei né, eu fui tomar café com a minha esposa e minha filha e teve uma hora que a Gabi minha esposa falou alguma coisa, eu nem lembro o que ela falou, só falou alguma coisa que eu tava estranho, e eu comecei a chorar, e não entendia porque tava chorando, só tava chorando e me sentindo mal, e não era exatamente por causa do trabalho, não era por nada específico, depois de um tempo eu fui percebendo que era um acúmulo de pequenas derrotas assim, pequenas coisas e mudanças que vinham acontecendo na minha vida, que isoladamente talvez não tivessem um impacto muito grande, então não olhava para elas pensando “Isso aqui vai me atrapalhar”, ou “Isso aqui tá me causando mal”, mas tudo somado, essas pequenas coisas e outras não tão pequenas assim mas elas somadas me fizeram chegar naquele lugar onde eu tava. Enfim, rolou esse episódio, me senti muito mal, não sabia muito bem o que fazer e comecei a me forçar a fazer algumas coisas para melhorar, fazer exercício, eliminar as tarefas que estavam pendentes no trabalho, comecei a me sentir um pouco melhor e comecei a conversar com algumas pessoas sobre o que tinha acontecido, e nisso de conversar com alguns amigos né, todos eles, todos que eu conversava falavam assim “Caraca eu passei pela mesma coisa” e descreviam exatamente o passo a passo, a escalada que eu fiz, se é que pode chamar de escalada, foi uma descida pro poço do inferno

Hugo Moutinho – É uma espiral de merda, um ciclo sem fim, só descendo

Henrique de Moraes – Exatamente, e aí conforme eu ia conversando com esses meus amigos eles falavam que estavam passando pela mesma coisa, aí eu falei, comecei a me perguntar “Será que se eu não tivesse falado com essas pessoas elas teriam falado comigo?”, e o fato de eu me perguntar isso me fez ter a vontade de fazer esse episódio, e aí calhou de nesse meio tempo eu estar falando com algumas pessoas sobre, eu ter conversado com o Hugo e o Hugo ter falado comigo “Ah cara cuidado, isso pode ser um princípio de depressão, eu já passei por isso, comigo foi assim, aconteceu desse jeito”, e aí passou algumas recomendações e isso me fez tomar uma decisão assim, “Vou gravar esse podcast, vou falar o que aconteceu comigo, vou trazer pessoas que eu sei que já passaram por isso e conversaram comigo sobre o assunto”, pra gente dividir um pouco, tirar um pouco dessa coisa de tabu, de que não pode falar, que vai se sentir fraco ou qualquer coisa nesse sentido, e até para ver assim, acho que tenho 3 objetivos né ou talvez mais aqui, mas de cara eu queria que pelo menos essa conversa fizesse com que mais pessoas se sentissem à vontade para conversar com seus próprios amigos também e dividir mais se estiverem passando por isso, o que eu acho que é muito importante, fez muita diferença para mim dividir isso com os amigos porque eu percebi que mais gente passava por isso e porque eu recebi várias recomendações de como melhorar, então tentar mostrar, tentar fazer as pessoas falarem mais, esse é o objetivo 1, e 2, tava envolvido ali no 1 que é mostrar pras pessoas que mais gente tá passando por isso né, então deixar claro que não é só você que passa, que você não está sozinho, quem tem muita gente passando por momentos muito difíceis, especialmente com esse cenário de pandemia, e 3, trazer algumas recomendações ou pelo menos as experiências de cada um de vocês, o que fez pra melhorar, enfim, qualquer coisa que de repente ajude as pessoas a saírem um pouco desse buraco ou desse círculo vicioso. Então para começar eu queria entender assim de cada um de vocês o que levou né assim, o que vocês sentiram pelo menos no início quando vocês estavam passando, se quiserem contextualizar, contar um pouquinho como é que foi a experiência de vocês, mas a princípio falar mais sobre como é que foi o início, quais foram os sintomas, o que vocês sentiram antes de cairem ali na parte da crise principal, aí vocês podem decidir aí quem começa

Leandro Bronze – Vamos nessa. É muito difícil você perceber que você tá com algum problema né, foi como o Henrique disse, eu acho você virar essa chave de que tem alguma coisa errada acontecendo é o primeiro passo assim, comigo mais na adolescência assim, eu comecei a desenvolver uns ataques de pânico e eu não sabia o que era, apenas eu sentia um mal estar tremendo, eu não conseguia entrar em ônibus, eu passei, eu comecei a estudar numa escola que não tinha presença então eu acabei passando o ano inteiro, era no centro aqui de Niterói, mais ou menos 2h30 andando, 1h e pouco assim, então eu passava, eu ia pra escola andando e voltava andando, que era o tempo da aula em si, porque eu não conseguia ficar dentro da sala de aula assim, eu sentava e começava a suar, vontade de vomitar e isso eu não falava com ninguém assim eu acabei tendo que lidar muito sozinho assim até porque eu não entendia o que que acontecia, sabe.

Hugo Moutinho – Como é que você se via nesse período? Hoje olhando para trás você consegue falar “Não beleza, eu entendo que era uma crise de pânico”, já tem uma sofisticação do conteúdo que aconteceu ao longo desse tempo, mas como é que você se via quando isso acontecia?

Leandro Bronze – Eu me via meio indefeso e sem saber o que fazer assim sabe, porque ninguém sabia, nem meus amigos mais próximos porque eu sentia um pouco de vergonha por não saber o que era assim sabe, a síndrome do pânico é um transtorno muito desagradável, o corpo entra no modo de alerta, de descontrole. O pânico é até necessário para você por exemplo, fugir de uma situação perigosa sei lá, um cachorro vai te atacar, é importante liberar adrenalina para você sair correndo, fugir de um tiroteio sei lá, mas é um instinto de sobrevivência assim o pânico em si, o problema é quando esse descontrole não tem o porquê específico, começa a acontecer de modo frequente e isso acaba virando uma bola de neve e só vai piorando cada vez mais e à medida que essas vezes vão se repetindo você vai ficando mais suscetível nesse redemoinho de descontrole, por isso que é muito importante se abrir sabe e isso foi um erro meu assim, talvez por não saber o que era eu não conversava, eu tinha vergonha e tipo eu sempre era aquele cara que nas festas sumia do nada, voltava andando pra casa distância gigantes assim e todo mundo me via “Ah, Leandro é maluco pô, tranquilão, engraçadão” porque eu me sentia bem em voltar andando que era o único lugar em que eu não me sentia acuado sabe, então basicamente isso assim as coisas que eu sentia, e eu tenho várias histórias assim de fugas e é muito louco assim como eu lidava sabe porque eu acho que a síndrome do pânico te força a ter uma, é uma discussão com você mesmo assim, tem uma vozinha sempre falando assim “Cara você vai passar mal, você vai desmaiar, olha só como é que você tá, tá pagando mico” e tipo tem outra voz que fala “Cara você acabou de chegar, o que você vai fazer?” sabe eu fico nesse conflito de uma vozinha assim “Foge” e outra assim “Não seu idiota, fica aí” então isso cara, tem uma hora que essa voz acaba sendo predominante, tipo assim “Cara você precisa ir embora porque você tá começando a pagar mico”, e às vezes nem tava, era coisa da cabeça mesmo mas aí que tá, o problema é esse, eu sempre fugia, teve um momento de minha vida que eu fiquei sei lá, 2 anos praticamente isolado em casa assim sabe, eu era até mais novinho assim tinha uns 15 anos e tal, dos 15 aos 17 eu fiquei bem isolado, e as pessoas me chamavam para sair e eu não ia, e isso acabava fazendo com que as pessoas não me chamassem mais assim, eu acho que a virada foi quando meu irmão me viu andando assim, eu indo para escola no meio da praia de Icaraí aqui que é tipo metade do caminho para escola e ele falou para minha mãe, falou “Mãe o Leandro ele não tá indo para escola, todo mundo perguntou “Cara cadê seu irmão? Seu irmão não tá vindo”, aí minha mãe começou a me seguir, eu saía de casa, ela saía e foi vendo que tipo eu não tava indo para escola, aí ela sentou comigo e falou assim “Cara você não tá indo pra escola”, aí foi a primeira vez que eu desabafei, falei assim “Mãe não tô conseguindo, eu entro no ônibus e desço tipo no ponto seguinte, me sinto sufocado, começo a suar, meu coração começa a bater forte” e aí ela começou ir na escola comigo assim, eu lembro eu já burro velho assim indo com minha mãe para escola, ela esperava e mesmo assim quando eu percebia que ela ia embora eu fugia assim sabe, mas basicamente isso assim, mas aí vamos desenvolver o que vocês acham aí.

Hugo Moutinho – Vou ficar fazendo perguntas até pra entender mais cara, porque algumas coisas que você falou foram muito parecidas para mim, apesar de ter começado de forma diferente né. E engraçado, na hora que tá gravando muda, não sei se eu paro e deixo o host falar, não sei se eu continuo falando.

Leandro Bronze – Não pô, fala aí

Henrique de Moraes – Fala aí cara, fica à vontade.

Hugo Moutinho – Puxando o bonde então, porque para mim não começou com nervosismo, começou muito mais como uma apatia de, eu não tinha problema de ir para o colégio ou alguma coisa assim, eu só ficava distante completamente das pessoas e não começava a falar, e depois de velho cara eu comecei a pensar, começou muito cedo pra mim, eu lembro que eu tava na quarta série e já me distanciava bastante das pessoas por um comportamento normal meu, só que ao longo do tempo eu acho que você vai talvez aí criando alguma zona de conforto de não ter que se, fora outras coisas que vão acontecer na vida, mas de talvez não ter que se engajar tanto com as pessoas e foi se tornando parte da minha personalidade, assim como talvez essa questão que você falou de sair ou de receber esse rótulo de “malucão, tá assim de boa, é assim que ele é”, as pessoas passam a te reconhecer dessa forma e aquilo se torna quem você é, o cara que tá sempre distante

Leandro Bronze – Zona de conforto, exatamente.

Hugo Moutinho – E é difícil saber o que criou o que, se você começou com esse comportamento e o ambiente reagiu ou se o ambiente forçou esse comportamento em cima de você.

Leandro Bronze – Sim, é muito louco falar sobre isso, eu nunca falei sobre isso abertamente sabe.

Hugo Moutinho – Também não, tá sendo difícil agora chegar nesse ponto.

Leandro Bronze – É, quando o Henrique me chamou para ter essa conversa eu falei “Caramba pode crer, o que eu vou falar?”, e agora eu relembrando essas histórias, eu comecei a perceber o quão vulnerável eu estava assim sabe, muito por não conseguir me abrir, e foi o que o Hugo falou assim, você acaba criando uma casca de introspecção que você fica confortável ali, eu sou o maluco que anda na chuva, eu sou maluco que tipo desaparece do nada, para mim é confortável tá aí porque não tem uma pressão sabe social assim de eu ter que ser como as outras pessoas e ao meu ver a síndrome do pânico você não cura, você aprende a controlar mais sabe, então até hoje eu tenho mas a forma que eu lido quando eu começo a me descontrolar eu tenho frequentemente, é assim cara você vai ter que enfrentar porque quanto mais você enfrenta, sei lá eu tô começando a ter uma crise e a vontade de fugir é a mesma coisa né mas quando eu consigo ultrapassar essa barreira de conseguir, você se fortalece cada vez mais sabe, mas é muito difícil você conseguir enfrentar pelas primeiras vezes assim sabe?

Henrique de Moraes – Essa era uma pergunta que eu queria fazer. Pelo que eu já ouvi de pessoas que passaram por situações parecidas ou mais difíceis, menos difíceis enfim, não que isso faça diferença, mas elas falam que depois que você passa, isso nunca vai embora né, você na verdade se mantém no controle da situação, é assim para vocês?

Leandro Bronze – É, para mim é completamente assim, eu aprendi depois quando comecei a enfrentar foi muito difícil porque eu já tava num círculo vicioso de fugir sabe, era fuga na minha cabeça sempre, só que depois você começa a perceber que sua vida tem alguma coisa muito errada sabe, você tá completamente isolado e eu comecei meio a enfrentar, e foi muito difícil as primeiras vezes mas depois que você começa a enfrentar eu acho que você aprende meio a controlar um pouco essa vontade de fugir, você continua suando, continua ficando meio desesperado, vontade de fugir toda hora mas você fica assim “Cara se eu desmaiar dane-se, se eu vomitar vou vomitar, dane-se” sabe, tipo “Se eu morrer agora na frente todo mundo não é culpa minha”, então eu acho que esse pensamento me ajuda a enfrentar.

Henrique de Moraes – E você Hugo, como é que foi no início, pode contar um pouquinho?

Hugo Moutinho – É engraçado assim perguntar do início porque é o que eu tava falando antes, eu não sei o que fui eu que comecei e o que foi o ambiente que criou, então cada vez mais assim, recentemente sei lá, nas últimas semanas eu pensei num evento muito antigo meu e falei “Caraca, já era isso e eu não tava não tava percebendo”, mas teve um ponto que o Leandro falou que acho que é importante que é isso, que não passa, é meio que uma porta que se abre na sua cabeça e você não fecha, ela vira parte daquilo que você é, tanto que quando eu comecei o tratamento com remédio, isso em 2016 depois de ter ficado com uma depressão bem forte mesmo, no tratamento eu perguntei pra médica “Tá mas quanto tempo que eu vou ter que tomar?”, aí ela falou “Então, isso é um tratamento e provavelmente vai ser a vida inteira, é contínuo”, e me incomodou um pouco ter percebido aquilo, do tipo “Caralho, vou ter que tomar isso pra sempre? Vou ter sempre que gastar dinheiro com isso?”, e hoje eu já nem tomo porque enfim, ela acabou se mudando, eu fiquei um tempo sem remédio que aliás já abre um parêntesis aqui para uma grande recomendação, nunca pare de tomar o remédio abruptamente, um antidepressivo, porque tem um período de abstinência que é bem rigoroso, então já fica aí essa recomendação

Henrique de Moraes – Acho que a recomendação seria não fazer isso sem um médico né?

Hugo Moutinho – Pois é, porque ela se mudou e aí eu fiquei com preguiça de procurar, porque é muito íntimo né, não é que nem sei lá, você ir num cardiologista, você não se expõe tanto, não precisa ter uma relação, uma conexão de saber “Ok, esse profissional está entendendo de fato da minha dor”, você vai no cardiologista até meio leviano, tudo bem sentiu um pouco de aceleração o cara vai te passar meia dúzia de remédio e exercício e você acha que tá tudo bem, mas psiquiatra, e eu fiquei meio traumatizado, porque o primeiro que eu fui me receitou um remédio horrível assim, eu fiquei muito dormente, tava acordado executando as coisas mas parecia que eu tava dormindo né mas enfim, respondendo sua pergunta de como isso começou, eu não sei exatamente como mas eu lembro, eu enxergo o padrão de estar em algum ambiente conversando com as pessoas, uma festa, aniversário de amigo que seja, querer muito estar ali, estar disposto realmente, minha intenção não era sair ou me isolar, mas eu não conseguia interagir, quando eu ficava consciente da minha dificuldade de interagir, é até estranho falar isso, mas quando eu ficava consciente da minha dificuldade de interagir eu meio que paralisava e eu não conseguia processar informação, e para mim era meio que um processo de hipersensibilidade, de começar a prestar atenção na minha respiração, em tudo que eu tava pensando, no que a pessoa tava pensando, nos gestos que ela fazia, de tentar interpretar aquilo que tá acontecendo, e aí juntando com a questão da psiquiatra que se mudou eu gostei muito da forma como a gente trabalhou porque o diagnóstico que ela tinha me dado era de transtorno de ansiedade social, e aí quando ela me explicou o que era, que era justamente essa dificuldade de você, que é o meu caso, eu tenho muita facilidade de sei lá subir no palco e falar para muitas pessoas, mas às vezes é muito difícil para mim, muito mesmo conversar com uma pessoa, de uns tempos para cá eu tenho conseguido controlar, acho que com o tempo você vai vai se familiarizando com a forma como seu corpo reage mas você percebe que você tá sempre à beira de cair num ciclo seu, então você precisa se manter sempre alerta porque aquela armadilha tá ali.

Leandro Bronze – É engraçado, só uma colocação aqui que eu me identifiquei, isso que você falou de você estar conversando com a pessoa e ser muito difícil, isso acontece muito comigo até hoje assim, de às vezes eu tô tendo que forçar sabe uma cara de paisagem mas por dentro eu tô tentando controlar minha respiração, tô tentando controlar para não parecer uma pessoa esquisita,e isso acontece direto.

Henrique de Moraes – Isso acontece em que tipo de situação? Com pessoas desconhecidas, como é que é?

Leandro Bronze – Geralmente são com pessoas desconhecidas assim, porque com amigos eu tenho mais liberdade para chegar e falar “Vou embora” sabe tipo, não tem muito isso mas geralmente pessoas sei lá, amigo do amigo, acontece muito comigo assim, eu tô na casa de um amigo e falam “Cara, vamos lá na casa de fulano sei lá, fazer alguma coisa” eu acabo entrando fora da minha zona de conforto sabe, de ter que interagir com uma pessoa que eu não conheço e às vezes eu fico inventando desculpas na minha cabeça para fugir mas tipo, cara não faz sentido eu fugir sabe, então eu fico assim “Cara pode crer” e fico tentando ser simpático o máximo possível mas muitas das vezes eu não estou nem prestando atenção no que o cara tá falando sabe, eu tô sendo simpático só, eu vesti uma roupa aqui de uma pessoa simpática para não parecer um imbecil.

Henrique de Moraes – Cara isso é muito louco, e como é que, você Leandro falou que passou por isso sozinho né, no final de contas você não chegou a fazer tratamento ou alguma coisa assim, fez?

Leandro Bronze – Não então, aí depois que eu falei com minha mãe eu percebi sabe e internalizei que tinha alguma coisa de errado entendeu e eu acho que a terapia foram essas conversas que eu tive com minha mãe, que eu comecei a enfrentar e quando eu percebi que eu tinha problema, por isso que eu acho muito importante isso de se abrir sabe, tentar conversar com algum amigo, falar “Cara tem alguma coisa errada acontecendo sabe, eu não tô conseguindo fazer uma coisa banal assim que é sei lá, entrar no ônibus”, isso é um problema sabe, quando você percebe que você tem algum problema, eu pelo menos virei uma chave assim “Caralho, beleza, tá acontecendo isso, como é que eu vou lidar com isso?” e eu acho que minha mãe foi muito importante assim nessa fase, de falar “Cara você tem que enfrentar, porque você não consegue ficar no ônibus?”, falei “Mãe não consigo, eu sento e começo a suar, eu me sinto sufocado, eu acho que tipo meu coração começa a bater muito rápido e eu acho que eu vou infartar assim”, ela falou “Então Leandro se você for desmaiar, desmaia, se for vomitar, vomita, não sai, tenta fazer isso” e eu comecei, que foi a parte mais bizarra, mas tem vários casos em que eu fiquei preocupado e foi meio que de repente também assim, aí tem a ver com o emocional de uma forma geral assim, eu tava gravando um dia e minha perna começou a ficar dormente assim, tinha acabado de sair um cliente aqui no meu estúdio e eu tava normal, nem tava preocupado nem nada, eu falei “Caramba que doideira devo estar sentado há muito tempo né”, aí eu levantei, passou pra mais ou menos aqui a parte da barriga, eu falei “Caralho tem alguma coisa errada”, aí eu desci pra casa dos meus pais, e falei “Pai,tô começando a ficar dormente aqui pra baixo”, quando falei pra ele foi pro meu braço, eu comecei, meu corpo ficou todo formigando, aí eu falei “Pai, eu tô todo formigando, não sei o que tá acontecendo”, e eu não consegui falar, eu comecei a enrolar a língua, eu falava assim, comecei a chorar, aí eles me deitaram na cama e me acalmaram falando “Calma tá tudo bem, você tá em casa”, e eu nem sabia o porquê daquilo sabe, eu acho que o meu emocional estava abalado de alguma forma assim, mas isso foi muito intenso, depois no dia seguinte eu fui pro hospital e fiz tudo, todos os exames e tava normal tipo, não tinha nada assim sabe, então às vezes vem do nada mas geralmente essas minhas crises vem quando eu preciso principalmente passar por uma situação desconfortável, e isso é muito louco, como eu sou músico eu preciso enfrentar essas situações toda hora sabe mas eu hoje em dia eu tô no modo tipo, cara tô começando a ter uma crise e é isso, vambora, você vai passar veneno mas eu não fujo mais, por mais que eu desmaie, que eu vomite, que eu faça o que for sabe, eu tento me colocar sempre nessa postura de enfrentar.

Henrique de Moraes – Cara tem várias coisas interessantes nisso que você falou né, primeiro o fato da sua mãe ter te ajudado né, eu acho que nunca tinha escutado um depoimento assim, que a pessoa passou por isso conversando com a família né, nunca tinha ouvido isso, geralmente as pessoas vão procurar alguma ajuda externa ou alguma coisa nesse sentido e que bem, que legal que sua mãe também conseguiu te ajudar a passar por isso, é impressionante, parabéns pra ela, inclusive. Mas teve uma coisa que vocês dois falaram que eu fiquei pensando né, parece que isso começa sempre na cabeça né assim, tipo de vocês começarem a se fazer várias perguntas, a cabeça de vocês começa a matutar várias coisas da situação e até o Leandro falou no início né, que tem uma voz que fala uma coisa, uma voz que fala outra enfim, eu tô lendo um livro, “Awake”, “Despertar”, do Sam Harris e ele é um pesquisador e enfim, ele é muito adepto de meditação, esse tipo de coisa e no livro ele traz várias pesquisas científicas falando sobre a nossa consciência né, de onde vem a consciência, de onde vem essa nossa sensação de “eu” né que a gente tem, tipo quem é o “eu” que tem dentro de mim, dentro de você, dentro do outro, que a gente não sabe de onde vem exatamente, a gente não sabe como se constrói enfim, ele vai trazendo todas essas pesquisas e esses questionamentos, e ele fala, ele deixa bem claro, afirma isso, que quanto mais a gente se perde nos pensamentos mais infeliz a gente fica, então quanto mais a gente tá ali tipo pensando e conversando com a gente mesmo, maior é a chance da gente estar infeliz ou passando por uma crise, e parece estar alinhado com isso que vocês falaram, como é que começa, qual é a primeira coisa que vocês sentem ou que vocês pensam na cabeça de vocês?

Hugo Moutinho – Hoje pra mim já está bem mais ameno, e talvez essa seja uma diferença bem fundamental de você fazer um tratamento com remédio e você fazer sem remédio, porque eu acho que são alguns estágios de percepção que você passa em relação ao que você sente consigo mesmo. O primeiro estágio é quando você percebe que está mal e você não tem ideia do porque, aquilo só vai te consumindo, que você fala “Caralho eu sou uma aberração, tem alguma coisa muito errada” e é inexplicável, e isso é tudo e você não vê nada além daquilo, esse é o primeiro estágio. O segundo estágio acho que é quando você enxerga o limite, você vai conseguindo se aproximar do limite, “Caraca tá, é isso que é, dá pra parar” mas você não consegue mudar, você não consegue virar a chave, você consegue chegar nesse limiar e nisso eu me identifico pra caralho também com o Bronze também de, estar ali só a carcaça, você tá só como uma carcaça ouvindo uma pessoa, reagindo, mas por dentro você tá só concentrado para ficar vivo sabe porque é uma espiral de raciocínio que não para e você não sabe sair daquilo. E o terceiro estágio é quando você consegue perceber, se perceber no meio do caos, caminhar até o limite e passar, pular a cerca e chegar do outro lado com um pouco mais de clareza só que assim, eu acredito que eu nunca teria conseguido fazer isso se eu não estivesse tomando o medicamento na época, porque eu lembro de algumas situações depois que eu comecei a tomar, e na época eu voltei pra faculdade também depois de ficar um ano parado, onde eu percebi uma certa predisposição a conversar mais, e eu comecei a conversar mais, ciente de que a qualquer momento teria um episódio assim, e toda vez que eu começava a perceber algum possível receio de querer conversar com alguém, era exatamente o que eu fazia, eu conversava com a pessoa. Eu lembro de uma situação muito clara onde eu estava no centro acadêmico da faculdade, onde eu saí do centro acadêmico era uma sala, e aí saindo da sala você tem um corredor que pra direita você desce e vai embora e pra esquerda é uma parte que fica aberta e ficam várias pessoas conversando, eu lembro que nesse dia eu não tava muito bem, eu saí da sala e senti isso e falei “Vou embora”, aí eu olhei para o lado do corredor, gente para caralho, olhei para o outro, ir embora, aí eu falei “Pô eu vou conversar” e assim, é uma questão de estalo, de falar “Não, eu vou conversar com os outros”, e eu fui para lá me sentindo extremamente desconfortável mas eu peguei a sensação tão no início que eu consegui atravessar ela, eu falei “Ah então é isso que tem do outro lado” e ficou mais fácil entender como perceber no estágio inicial e atravessar, sair do outro lado e começar a agir independente do que fosse, o que não anula o fato de que eventualmente às vezes eu me sinto mal fora de controle, não que eu saia batendo nas pessoas e sacudindo no chão mas assim, eu sinto que eu não tô conseguindo prever meu raciocínio ou dialogar comigo mesmo de alguma forma, não sei se fez sentido.

Leandro Bronze – Sim, eu também me identifico com isso e esse paralelo de você ter que enfrentar e é muito pessoal sabe, é muito de cada um, cada ser humano tem uma forma de agir, de sofrer e de lidar com a situação né, esse seu enfrentamento de “Cara não, vou conversar com alguém aqui” essa é a virada de chave principal sabe, uma das últimas crises que eu tive que foi um pouquinho mais séria também, eu tinha que fazer uma apresentação numa rádio no Rio e era tipo um auditório assim, eu cheguei sozinho lá e tinham vários artistas, eu me lembro que eu sentei e me falaram “Você vai ser o terceiro”, aí beleza, só que começou a me dar uma crise tão grande que fui no banheiro, aí taquei água no rosto e falei “Leandro, você não vai embora”, porque eu já tava com esse modo de enfrentar, eu falei “Cara como é que você vai embora? O programa é ao vivo, você já foi anunciado, você vai fugir do nada?”, aí eu fui no banheiro, passei água no rosto e voltei, só que não deu, eu falei “Leandro não dá, você está completamente fora de controle”, aí eu me lembro de sair do auditório, entrar no elevador só que quando a porta do elevador abriu eu olhei minha cara no espelho, aí falei “Não, você não vai embora, você vai desmaiar na frente de todo mundo mas você não vai embora”, aí eu voltei mas eu me lembro que voltei tão anestesiado e foi tão difícil que eu toquei duas músicas do meu disco, dei uma entrevista pequena, e eu não lembro de um segundo disso assim, eu estava num modo muito automático e foi muito louco assim porque eu terminei, falei com todo mundo e recobrei um pouco a consciência quando já tinha terminado tudo sabe, e isso daí dá uma sensação de vitória sabe, eu acho que o Hugo deve ter sentido isso também quando conversou com a pessoa, você fala “Que bom que eu enfrentei” e isso te deixa mais forte, só que é muito difícil assim, esse enfrentamento é muito pessoal, é muito difícil você conseguir enfrentar isso mesmo.

Henrique de Moraes – É engraçado porque acho que quando você descreve ou quando vocês dois descrevem o que vocês sentem, o que sentiram, provavelmente muita gente vai se identificar, só que eu acho que muita gente tem episódios disso em momentos separados e não juntou uma coisa com a outra e então assim por exemplo, no meu caso né que quando tive essa crise eu tinha vários indícios de que eu não tava me sentindo bem, eu sabia que eu não tava me sentindo bem mas eu achava que era uma fase ou que era só uma coisinha que ia passar e tudo mais, porque a gente já passou por situações em que a gente de fato teve alguma coisa assim, você tem só uma sensação ruim e depois isso passou né, mas acho que o mais difícil é como que você identifica a hora que isso na verdade é um problema né, que você vai precisar de ajuda por exemplo, como você sabe a hora que é para você compartilhar com alguém, você pedir ajuda de certa forma porque eu acho que você não precisa esperar chegar numa crise sabe, não precisa esperar acontecer que nem aconteceu comigo que eu comecei a chorar do nada e não tava entendendo porque, e aí só depois eu fui conversar com as pessoas, porque eu não conversei com as pessoas antes sabe, quando eu já tava nesse ciclo vicioso sem saber como sair dele, entende? Vocês tem alguma recomendação de quando a pessoa deve buscar ajuda ou como fazer, não sei recomendar isso pras pessoas.

Leandro Bronze – Como eu disse, é uma coisa muito pessoal de cada um, eu acho que quando começa a atrapalhar a sua vida você tem que tomar alguma atitude assim sabe, eu também não sei muito o que eu poderia aconselhar mas eu acho terapia um bom começo porque só de você se abrir com outra pessoa você já começa a esmiuçar alguns problemas internos que estão te levando a ter talvez essas possíveis crises assim, eu acho que o conselho basilar é você tentar se abrir com outra pessoa, isso que você fez agora de querer conversar sobre isso, de você buscar seus amigos para conversar eu acho que é um ponto inicial entendeu, e eu acho que na maioria das vezes você já consegue tipo amenizar muito desse peso que você começou a sentir, sabe?

Henrique de Moraes – É engraçado né, porque tem uma vantagem de você buscar terapia, é que assim para quem se sente mal, quem tem vergonha, é conversar só com uma pessoa né, você não vai se abrir com as pessoas que você tem de repente vergonha de conversar, mas ao mesmo tempo você precisa admitir né que você precisa de ajuda, acho que esse é o ponto mais difícil porque eu por exemplo mesmo tendo sido recomendado e eu tava querendo buscar por exemplo, eu ainda não comecei a fazer terapia e sei lá, fico com uma sensação de que acho que eu vou conseguir passar por isso sozinho sabe, acho que eu vou conseguir lidar e só que talvez o fato de eu não buscar uma ajuda profissional pra até me fazer entender porque que eu cheguei de fato nesse ponto talvez seja o motivo pelo qual eu cheguei nisso de novo sabe então é meio delicado, você tem que admitir tanto para conversar com um amigo quanto pra buscar ajuda profissional né, e esse ponto que em que você fala assim “Beleza, preciso de ajuda” sabe, esse reconhecimento assim de que você precisa de ajuda, isso é muito complicado. Hugo fala aí, você tá muito quieto.

Hugo Moutinho – Na semana passada, no domingo à noite sobrou um pouco de tempo, consegui adiantar as coisas e eu fui pra praia com a Carol, com o Cael e com o Guto e senti que foi um momento muito bom assim para mim, foi uma experiência que eu acho que nunca tive, de um dia simples que se provou muito suficiente e só que isso foi um momento do dia de um mês que tem sido muito cansativo né, e aí na terça-feira pela manhã eu comecei a perceber como se assim, você fica consciente de que aquilo tá acontecendo, você se coordena para mudar o comportamento e aí você pisca e tá fazendo aquilo de novo, e aí você fala “Cara tô fazendo de novo”, aí você tem que mudar, e aí você pisca e tá fazendo aquilo de novo, você fala “Tá fora do meu controle” e era isso que estava acontecendo naquela manhã, eu começava a fazer e eu olhava “Caralho tô fazendo isso de novo, eu tô pensando isso de novo, eu tô agindo dessa maneira de novo, tô respirando dessa maneira de novo” enfim, são pequenos sinais físicos e cognitivos que vão te mostrando que você não tá conseguindo manter o controle, e aí talvez até fazendo um paralelo com o que eu tinha falado antes, porque é algo que você vai fazendo há tanto tempo, talvez o caso do Leandro e do meu sejam mais similares nesse sentido, você vai fazendo isso há tanto tempo de vida que isso vai se tornando parte da sua personalidade, pequenas sensações e reações e é nesse ponto que é bem particular também porque é você quem tem que aprender a identificar o que é o que para entender “Cara, eu não tô conseguindo passar desse limite, eu estou percebendo que é isso que tá acontecendo e isso está se repetindo”, você percebe que isso vai se repetindo e você não tá conseguindo interromper o ciclo, a um ponto que tá te incomodando, você tá ficando ansioso, você tá ficando apático, você tá ficando triste, tá ficando irritadiço, e é aí que você conversa com alguém, foi o que eu fiz na terça-feira, eu falei “Carol, se a gente parar o dia agora…” porque a gente tem uma rotina hiper regrada apesar da gente não conseguir terminar tudo mas tenta ser o mais regrado possível em relação à almoço e tudo mais justamente por conta disso, porque para mim fica mais tranquilo controlar o meu emocional quando o meu ambiente está mais controlado, e aí falei para ela “Se a gente parar agora e for só dar um passeio na praia vai prejudicar muito sua rotina, como é que vai ser pra você?”, ela olhou para mim e já falou “Não, tá tudo bem?” e eu percebi que ela perguntou diferente, então apesar de não ter ciência disso mas eu tenho certeza que minha feição tava diferente, meu ar tava diferente, talvez que nem o caso que o Henrique falou no café da manhã né, as pessoas reconhecem sabe, pra você, você ainda tá na dúvida “Será que tá dando merda?” mas cara, alguém que passa, “Ih, esse maluco tá dando merda” principalmente quem te conhece, quem conhece mais os seus padrões, principalmente de forma de se expressar e tudo mais, e aí a gente saiu, deu uma volta e isso me ajudou muito, só fazer isso sabe, eu tenho certeza que isso interrompeu um ciclo maior caso eu tivesse continuado sentado aqui pensando “Não, foda-se é frescura, tenho que continuar trabalhando, não importa” então é muito do que o Leandro falou assim, é bem particular a maneira como é para cada um porque enfim, depende do ambiente que você cresceu, da criação que você teve, das pessoas com quem você conviveu, das referências que você teve, das músicas enfim, de todo o seu vocabulário pra se expressar, pra você ter essa capacidade de se comunicar consigo mesmo né, então mas num senso geral eu acho que talvez seja isso, essa percepção de momentos em que você se dá conta de que tá fazendo que não quer, sabe que precisa mudar, começa a mudança e depois você vê que voltou praquilo, como se tivesse piscado o olho e voltou praquilo.

Leandro Bronze – Verdade, e rola uma vergonha e um orgulho também

Hugo Moutinho – Demais

Leandro Bronze – Eu acho que isso é um dos pontos principais assim para você começar a ter uma melhora, porque é muito difícil você chegar pra outra pessoa e falar assim “Oi tudo bom olha só, estou tendo uma crise de pânico” sabe, você se sente meio com vergonha, rola um tipo “Cara eu vou aguentar o máximo possível, quando tiver estourando aí sim, quando estiver deitado no chão estrebuchando eu vou falar que eu tô tendo uma crise”, mas como eu comecei a enfrentar mais eu tenho conseguido mais assim, por mais que eu enfrente vez ou outra assim é um pouco mais difícil mas na maioria das vezes eu consigo de boa assim sabe, o que acontece quando eu começo a passar um pouco do tipo, essa vozinha de “Leandro vai pra casa, foge” sabe eu tento falar pra pessoa mesmo, tipo  “Cara tô passando mal, tô meio enjoado” e um dos sintomas que não sei se isso é uma coisa minha, não sei se outras pessoas com síndrome do pânico acontece, eu começo a bocejar direto assim, eu acho que é o corpo já dando um sinal assim tipo “Você já tá começando a pensar demais aí”, pra mim é sempre lidar com esse duelo comigo mesmo, é sempre uma vozinha assim “Cara vai embora, vai embora, foge” e você aprender a controlar isso é o primeiro passo eu acho, tentar controlar isso.

Henrique de Moraes – Tem uma coisa que o Hugo falou que eu achei interessante que é essa coisa de você quebrar o ciclo também né, então no seu caso Hugo de ir pra praia por exemplo, num dia aleatório porque o que eu percebo é que às vezes a gente fica vivendo uma rotina não querendo quebrar mesmo percebendo que aquela rotina tá fazendo mal pra a gente, e às vezes a gente tem noção do que a gente precisa fazer sabe pra melhorar, muitas vezes a gente tem essa noção, vocês já percebem melhor isso sabe, tipo “Ah beleza tô passando por isso, preciso enfrentar”, no caso do Hugo “Vou dar uma volta na praia pra tentar quebrar um pouco isso que tá começando agora”, no meu caso desse meu evento por exemplo, eu comecei a não fazer nada do que eu tinha me proposto a fazer sabe, do tipo correr, ler, tinham várias coisas que eu tava fazendo com frequência, que eu tava conseguindo manter uma rotina boa, que me faziam bem, que eu sei que me fazem bem e que eu comecei a tipo “Ah não, vou ver televisão” e começava a ver televisão, falava “Vou ver um episódio de uma série”, aí assistia um episódio e falava “Ah vou ver mais um, vou ver mais dois”, chegava no final eu falava assim “Caralho não fiz nada do que eu tinha falado que ia fazer”, aí isso me fazia sentir pior sabe, e aí o que eu fazia pra compensar eu estar me sentindo pior? Vou assistir mais série

Hugo Moutinho – É espiral

Henrique de Moraes – É cara, e é muito louco porque você ter a força para quebrar isso eu acho que é o mais difícil, que é o que vocês falaram né, esses depoimentos tipo assim “Não, eu tenho que enfrentar, eu tenho que fazer, vou conversar com pessoas, eu vou conversar com essa pessoa, me forçar a passar por isso”, quebrar um ciclo que você já reconhece, que vocês sabem que tá fazendo mal, como é que a gente para esse ciclo no meio né assim, acho que esse é um ponto difícil e importante de se fazer.

Leandro Bronze – Sim, e hoje mais do que nunca rola uma pressão de você ser extremamente produtivo né, tudo ao seu redor são pessoas extremamente produtivas, só que é isso que você tem que começar a dosar assim sabe, tipo o que que é real e o que que não é sabe, você tem que procurar fugas para você mesmo, isso que o Hugo falou de ir pra praia dar uma volta, cara isso certamente ajuda muito, você estar em contato com a natureza é uma coisa certa de que ajuda só que é difícil você ter essa atitude de levantar e tentar dar um passeio, dar um mergulho no rio, no mar seja o que for sabe, isso eu acho que ajuda muito assim.

Henrique de Moraes – Eu tava lendo um livro esses dias, recomendação do Hugo também, que é aquele “Em Busca De Sentido”, do Viktor Frankl, e tem uma hora que ele vai contando, pra quem não conhece o livro, só pra contextualizar é um livro de um cara que foi mandado para um campo de concentração, passou anos migrando de campos de concentração em campos de concentração, e depois ele escreveu um livro que é meio que um relato do que aconteceu, e ele é psicólogo, ele meio que faz uma análise geral de como foi, das pessoas, dos comportamentos e que é muito legal, eu recomendo, não terminei ainda mas de qualquer jeito eu recomendo porque a primeira parte, só o depoimento dele cara já faz a gente parar de reclamar de tanta coisa, eu falo “Meu irmão, do que eu tô reclamando na minha vida? Não tem porra nenhuma pra reclamar, tô reclamando de tudo”, eu chorei inclusive em vários pedaços mas depois vai chegando na parte da análise e tem uma hora que ele começa a falar do sentido da vida, nessa pergunta do sentido da vida e até foi um capítulo que me fez sair um pouco, quebrar um pouco o ciclo né, que ele fala assim “Não perguntamos mais pelo sentido da vida, mas nos experimentamos a nós mesmos como os indagados, como aqueles aos quais a vida dirige perguntas diariamente e a cada hora, perguntas que precisamos responder dando uma resposta adequada, não através de elucubrações ou discursos mas apenas através da ação, através da conduta correta. Em uma última análise, viver não significa outra coisa que arcar com a responsabilidade de responder adequadamente às perguntas da vida pelo cumprimento das tarefas colocadas pela vida à cada indivíduo, pela exigência do momento” e acho que é um pouco disso também assim tipo, parece que a gente quando entra nesse espiral a gente começa a ficar elocubrando um monte de coisa na cabeça, começa a se fazer um monte de pergunta e fazer esse espiral dentro da nossa cabeça né e que às vezes a gente só precisa pegar e resolver uma coisa, tipo aquela coisa que só pega e faz sabe, tipo no meu caso por exemplo eu comecei a correr e tirar minhas tarefas da frente assim, coisas que estavam acumuladas e que eu tava procrastinando vendo série, eu comecei a parar e “Não, vou sentar aqui e vou me forçar e vou fazer as coisa que eu tenho que fazer” e aí conforme eu ia fazendo, cada tarefa que eu terminava me fazia sentir um pouco melhor, aí quando eu conseguia correr me sentia um pouco melhor porque eu tava tipo realizando as coisas que eu tinha me comprometido a fazer, vocês acham que isso faz sentido de alguma forma, essa colocação de que às vezes o sentido da vida ou tipo você quebrar o ciclo você precisa simplesmente pegar e fazer as coisas que você tem que fazer?

Hugo Moutinho – Faz total sentido cara, e até porque se você parar para pensar na origem da palavra vocação, é de fato um chamado né, você tá sendo o tempo inteiro chamado a executar alguma coisa só que a gente, não sei se é da nossa geração, se é um mal que existe há muito tempo, a gente é meio que educado a ver uma vocação gigantesca de ou criar uma grande empresa ou ser um grande executivo e na real as vocações são bem mais simples. Um amigo meu falou outro dia isso numa postagem, ele falou “Cara quando meu filho tá chorando minha vocação é trocar fralda”, tem que ser feito, é o que tá ali, tem que ser executado e outro dia até vi uma passagem da Bíblia apesar de não ser católico ou cristão de uma forma mais tradicional mas enfim, que falava sobre sobre isso, cada chamado de Deus, cada vez que você recebe um chamado para fazer alguma coisa, que você faça aquilo de bom grado, faça aquilo alegre, entregue por mais essa pesarosa que seja a demanda né, porque isso te deixa presente.

Henrique de Moraes – Mas como que a gente identifica porque assim, a gente vive num mundo de comparação constante em que a gente se coloca metas impossíveis quase de serem alcançadas né, inclusive esse é o discurso dos coaches né tipo assim, várias frases que falam sobre isso né, se sua cabeça tá nas estrelas então ela está no lugar certo porque tem que mirar nas estrelas para você conseguir chegar em qualquer lugar, essas coisas assim, essas frases de coach. Durante a crise eu comecei a reassistir Mad Men né, e agora tô assistindo moderadamente mas ontem eu vi um episódio que a esposa de um dos caras, ele chega ansioso em casa achando que ia ser demitido e ela fala assim “A insatisfação é o motor que te faz chegar aonde você quer chegar”, e eu fiquei assim “Cara, é isso mesmo?”, a gente precisa estar se sentindo o tempo inteiro devendo para conseguir chegar em algum lugar? Esse é o certo? Será que não é isso que deixa a gente mais ansioso na real?

Hugo Moutinho – Total

Leandro Bronze – Eu acho que o desconforto, numa certa medida ajuda você a dar uma evoluída assim na sua qualidade de vida sabe, eu acho que a gente tá muito mal acostumado assim de uma forma geral sabe, tá tudo muito fácil hoje em dia, você quer comer um salmão defumado da Malásia e em 15 minutos tem um cara aqui embaixo te entregando sabe, então eu acho que essa facilidade exagerada acaba sendo um pouco nociva pra gente se entender como ser humano mesmo, tá tudo muito fácil. Eu acredito um pouco nisso sim de que você sair um pouco desse conforto vai te ajudar na qualidade de vida de alguma forma. O exercício é uma dessas coisas assim né, não é confortável correr, quando você corre mesmo você tem que aprender a lidar com desconforto, você tem que achar confortável estar desconfortável sabe e essa sensação é muito gratificante assim quando você consegue passar por um desconforto que você causou, você buscou aquele desconforto mas eu acho que você acaba dando uma evoluída nisso assim, aprender a lidar um pouco desconforto.

Henrique de Moraes – É difícil você conseguir encontrar o tal do equilíbrio né, acho que esse é o principal porque por exemplo, na própria corrida você tem que de fato ficar ali confortável com o desconforto, isso é um fato. É chato, ninguém levanta para correr feliz da vida, tem um vídeo do Dráuzio Varella que ele fala sobre isso que é até engraçado que ele fala assim “Nem um leão corre por correr, ele só corre quando ele tem que caçar” então não é normal um ser humano sair correndo por prazer né mas depois você tira o prazer de toda a coisa hormonal né também que libera ali mas tem essa parte de você ter a tarefa cumprida. Mas em compensação se você se você botas por exemplo muito inatingíveis e você não consegue nunca bater aquelas metas que você colocou, você também começa a ficar frustrado e essa frustração te leva a ficar ansioso e te leva também para esse círculo vicioso aí né, então como é que encontra esse equilíbrio eu acho um ponto importante, especialmente no momento, na época que a gente vive sabe, de comparação constante, da gente estar vendo todo mundo teoricamente feliz nas redes sociais, como é que a gente encontra o nosso ponto de equilíbrio sabe, onde a gente fala “Beleza, eu tô bem onde eu tô, eu tenho minhas metas mas eu tô bem aqui, eu tô tranquilo, tô satisfeito e tenho uma meta para alcançar”, parecem coisas quase contraditórias.

Leandro Bronze – A gente tem a tendência também de querer uma mudança muito brusca né e eu acho que o importante é você ter a noção da realidade de que você não vai mudar da noite pro dia, você não vai virar um corredor, você não vai correr 10km sabe de um dia para o outro assim, é você respeitar os seus limites também para você não se frustrar sabe, não adianta você querer fazer um ritmo além do que você aguenta naquele momento, eu acho que tudo gradativamente é mais benéfico

Hugo Moutinho – É, quanto mais longo prazo você conseguir pensar, pelo menos eu tenho percebido isso muito recentemente cara, a quanto mais longo prazo você conseguir pensar, mas fácil é você encaixar as coisas importantes da vida porque você aprende a distribuir elas num período maior e não só em ciclos de explosão ali onde você dá um gás absurdo e depois fica totalmente sem energia, várias áreas da vida dão uma desandada e aí você para, você fica mal e aí porque você parou tudo você consegue recuperar ainda mais depois de um ciclo de explosões, isso vai só se repetindo. Eu tava até falando disso outro dia com a Carol, olha só cara eu nem tinha me ligado nisso, um amigo meu também me chamou essa semana para trocar ideia sobre um projeto megalomaníaco, e aí quando ele chamou eu já falei “Cara, tem alguma coisa aí” porque a gente vai aprendendo a enxergar alguns padrões, toda vez que alguém acha que tem uma ideia que vai mudar tudo, pelo menos eu percebo isso, que vai ser uma grande ruptura, e comigo também porque eu percebi isso comigo né, geralmente é porque você tá um pouco desconectado da realidade e você não tá conseguindo resolver problemas imediatos né, e aí esse amigo meu chamou, a gente começou a trocar ideia, fiz meia dúzia de perguntas e entendi que era mais a fundo e fui conversando e ele falou “Cara tô ansioso pra caralho, tô insatisfeito com o trabalho”, pediu um tempo de férias porque não tava dando e enfim, você percebe que isso vai, percebe esse ciclo se repetindo, de você querer mirar muito em coisas à curto prazo, ele tinha falado isso de “Pô, eu queria estar na Forbes antes dos 30”, de ser capa, e ele era hiper dedicado, cresceu muito na carreira mas quando você não entende qual é o longo prazo, pra que serve essa porra, sabe?

Henrique de Moraes – Tem o maior clichê da história da humanidade né que é aquela coisa do se apaixonar pela jornada né e assim, de tudo que eu percebo dessa busca por equilíbrio sabe, de você ter metas ambiciosas mas ao mesmo tempo ser agradecido pelo que você tem sabe, que parecem coisas contraditórias, eu acho que o equilíbrio tá um pouco nisso mesmo no final das contas só que é muito difícil. Você pega o caso do seu amigo por exemplo, ele queria estar na lista da Forbes under 30 e esse objetivo fez ele chegar muito longe na carreira, o cara tá super bem. Um monte de gente provavelmente em volta dele inveja o lugar onde ele chegou tão rápido sabe, mas ele tá insatisfeito porque ele tinha uma meta muito ambiciosa, então ao mesmo tempo se ele fosse muito grato por tudo que ele conseguiu desde o início talvez ele também não tivesse se mexido para conseguir chegar onde ele chegou sabe, então quando eu fico nessa disputa quando eu fico tentando encaixar essas duas coisas sabe, de você ter uma meta que faça você se mexer, faça você buscar coisas grandes porque mesmo que você não alcance você pelo menos vai ter se movimentado mais mas também ser grato, o meio termo no final das contas é sempre isso, tipo “Ah beleza então eu tenho essa meta aqui mas eu sou feliz com que eu tenho e o que eu vou fazer é aproveitar esse caminho daqui até lá da melhor forma”, não sei se faz sentido isso que eu falei mas parece que o meio termo é esse entendeu, é o famoso aproveitar a jornada.

Leandro Bronze – Eu acho que é você ter a noção, dar o valor no momento né, que também é aquele meio clichê mas isso eu acho muito precioso assim, quando você começa a entender o valor de você, você entender que o momento só que o de agora que importa assim sabe, eu acho quando você começa a pensar muito a longo prazo, muito lá na frente, ter sonhos muito ambiciosos assim sei lá, eu acho que você acaba ficando frustrado muito tempo sei lá, nós três aqui temos muitos privilégios de levarmos a vida assim sabe, tem muita coisa boa apesar de a gente estar lidando, falando sobre um tema bem profundo assim que é depressão e tal, a gente também tem muita coisa boa assim sabe então eu acho que a gente tem que se apegar um pouco às coisas maravilhosas que a gente tem na nossa vida sabe, eu acho que é isso que eu começo a pensar assim quando também você fica um pouco sem perspectiva de vida sabe, aí você fala assim “Tá beleza, mas o que importa sabe? Cara eu tô bem, tô com saúde, tenho amigos maravilhosos, família”, então eu sei que parece muito clichê mas isso me serve muito.

Henrique de Moraes – Eu diria que assim, eu conheço vocês dois eu diria que bem, Leandro especialmente mas Hugo também, a gente vem desenvolvendo amizade grande, se fala sempre e tudo mais e eu diria que nós três, a gente tem muito, mas muito, mas muito motivo para agradecer e ser feliz do que para reclamar. Tudo que a gente reclama, sua maioria né salvo raras exceções aí, algumas coisas que realmente acontecem de fato mas o que a gente reclama é basicamente do que a gente não alcançou sabe, é do desejo, da falta das coisas que a gente não tem, só que assim ao mesmo tempo se a gente não tiver incomodado a gente não consegue, não tem motivo para caminhar, não tem motivo para andar sabe, é aí que eu fico meio perdido sabe, tem um cara que eu gosto muito chamado Naval Ravikant, já falei dele várias vezes enfim, e ele fala que o desejo é um contrato que a gente faz com a gente mesmo para sentir mal até conseguir o que a gente quer e cara, eu acho essa frase perfeita, e o que ele fala é, na vida dele o que ele aprendeu a fazer é desejar uma coisa de cada vez e eu acho isso interessante sabe porque a partir do momento que você limita a quantidade de desejos que você tem você não fica tão frustrado o tempo inteiro com tanta coisa, você tem uma meta ali e é lógico que não pode ser também tipo “Ah eu tenho um desejo, ser o cara mais rico do mundo” se fode aí meu amigo, mas desejos alcançáveis. A partir do momento que você tem um desejo só talvez isso ajude a você não ficar frustrado o tempo inteiro tipo olhando para todos os lados e querendo todas as coisas ao mesmo tempo e que às vezes você consegue uma coisa e você não consegue nem comemorar, e eu tenho esse problema, a minha esposa Gabi fala direto comigo, ela fala assim “Cara, às vezes acontecem coisas, a gente tem alguma coisa, um motivo pra comemorar e você já tá reclamando que sei lá, que o próximo passo está devagar demais” então não sei, talvez esse seja um um bom caminho, você desejar uma coisa de cada vez não sei, o que vocês acham?

Hugo Moutinho – Tem uma frase num podcast que escutava de ilustração, que o cara falava sobre essa questão de equilíbrio né, ele falava “Cara não se preocupa muito com equilíbrio, se preocupa mais em manter a balança funcionando”, depois que ele falou isso eu passei a assumir

Henrique de Moraes – O que significa isso? Me explica, não entendi

Hugo Moutinho – Ao invés de você falar “Caraca eu tenho que ser dessa forma, isso tem que acontecer dessa maneira” e me prender a um estado, é assim que tem que ser, é dessa maneira que deve permanecer, eu me preocupo mais em desenvolver os critérios para entender quando alguma coisa tá saindo do lugar ou não tá. Por exemplo o que eu falei da terça-feira onde eu me dei conta de que eu tava tendo um padrão de raciocínio pejorativo e/ou ansioso de querer projetar alguma coisa para resolver meu problema em excesso, a ponto de não conseguir executar o que tava na lista para ser feito, e eu vi aquilo acontecendo, acontecendo, acontecendo de novo ao ponto que eu falei “Ok, esse é um sinal que a balança não está funcionando, eu preciso de ajuda, preciso conversar, mudar os ares” então se eu tivesse só me mantido com o estado de “Não, eu tenho que sentar aqui, trabalhar e vai ser sorrindo”, eu acho que eu não ia tá conversando com vocês hoje porque a semana teria sido horrível e eu estaria com uma penca de coisa acumulada e provavelmente ia dar uma desculpa qualquer pra não participar porque eu não estaria afim de conversar, mas ter entendido que se eu tentasse propagar esse estado ia ser mais nocivo e mudar a rota me permita estar agora trocando essa ideia com vocês entendeu?

Henrique de Moraes – Ainda fiquei confuso com a questão da balança

Hugo Moutinho – É porque é um ponto assim: ou eu ficava neurótico de “Cara, eu não tô produzindo e eu tenho que entrar nesse estado de equilíbrio onde eu vou produzir sorrindo”, isso seria o ponto de equilíbrio e o outro ponto é manter a balança funcionando que é ficar o tempo inteiro atento para “Ok, isso não está dando certo, meu comportamento tá começando a desequilibrar demais”

Henrique de Moraes – Entendi

Hugo Moutinho – Eu não vou pular e falar “Ah não tô produzindo, vou começar a encher a cara”, eu não vou jogar o peso do outro lado. Quando eu vejo isso acontecendo é porque o problema é anterior, hoje tenho um pouco mais de clareza de que quando algum problema tá acontecendo é porque eu não me preparei de alguma forma, eu não preparei a balança pras coisas que estão acontecendo, então pra mim é mais importante e gera mais resultado, eu digo pra mim porque é na minha experiência, não tem como dizer pra todo mundo, mas traz mais resultado prestar mais atenção no que gera o equilíbrio do que no equilíbrio em si.

Leandro Bronze – Como o Hugo disse, isso foi uma coisa que eu até aprendi até com o Henrique mesmo, de você aprender a administrar melhor as suas tarefas assim né porque quando você tem muita tarefa você acaba brecando mais assim, você acaba tendo a tendência de procrastinar mais, então esse lance de você tentar fazer sei lá, três tarefas no dia no máximo assim sabe, você vai ter muito mais chance de conseguir finalizar e ter uma sensação de dever cumprido, você pode até explicar melhor isso aí.

Henrique de Moraes – Isso na verdade eu vi de uma outra pessoa né, do meu ídolo master que todo mundo já sabe que é o Tim Ferriss

Leandro Bronze – Mas funciona, funciona mesmo que eu tô aplicando no meu dia a dia e tá funcionando.

Henrique de Moraes – Pois é, em que ele fala isso né, que listas de tarefas tendem a ser infinitas né, porque a gente vai só acrescentando ali e a gente olha para elas e não sabe muito bem como priorizar, não sabe muito bem que fazer e ele propõe que você liste todo dia as tarefas que você vai fazer e que seja de uma à três importantes né, tarefas importantes que você precisa resolver aquele dia e que você bloqueie o horário já para fazer essas tarefas né, que horas você vai resolver aquilo e sente para resolver porque se você bota muito item na sua lista você tende a não cumprir, conforme você vai não cumprindo você vai se sentindo ansioso e se sentindo frustrado e você começa a não querer mais atacar aquela lista né. Isso acontece com qualquer coisa, na verdade ele fala muito sobre isso para qualquer área da vida assim, então por exemplo tem um episódio do podcast dele que ele fala sobre promessas de fim de ano né, resoluções de fim de ano e ele fala isso, que o erro da maioria das pessoas é que elas fazem resoluções megalomaníacas, tipo “Esse ano eu vou entrar na academia e eu vou malhar 3 vezes por semana durante uma hora”, cara porque você não começa com 1 vez por semana 7 minutos? E aí depois você aumenta

Leandro Bronze – Gradativo né

Henrique de Moraes – Vai aumentando aos poucos, e a própria lista de tarefas tem um pouco a ver com isso né, a gente acaba colocando objetivos muito megalomaníacos que a gente não consegue cumprir, a gente se frustra e perde a vontade de continuar fazendo as coisas né, isso é um problema bem comum que eu vejo e eu sentia muito, então eu comecei a fazer essa coisa de limitar a quantidade de tarefas que eu colocava no dia, sempre colocar menos, às vezes se eu percebo que eu matei as tarefas que eu coloquei muito fácil eu vou lá e faço mais e dependendo do dia não, o ideal na verdade é que você não faça mais, você matou suas tarefas, se aquelas eram as tarefas importantes para aquele dia, vai fazer outra coisa porque você tem a sensação de dever cumprido né, aquela sensação depois da corrida, depois de malhar, qualquer coisa que a gente faça que a gente tenha se proposto a fazer e resolve a gente se sente tão bem depois né que parece que o cérebro joga aquela dose de dopamina, parece fazer sentido.

Leandro Bronze – Total

Hugo Moutinho – Ou até, você fez tudo que tinha que fazer porque assim, pelo menos em alguns momentos eu acho que a gente tá hiper no gás de trabalhar e cumpre umas tarefas e também precisa ter o contrário que é a obrigação de descansar, você “Não, tenho que descansar” e não trabalha quando você queria trabalhar também sabe, então é legal você conseguir enxergar o trabalho também em alguns momentos quando você tem predisposição para isso para fazer aquilo porque te diverte também, porque você entende que é aquilo que você deveria estar fazendo, você deveria estar crescendo fazendo ou estudando pra melhorar alguma coisa, vendo um curso, não necessariamente é obrigado a ficar sorrindo e rolando no tapete todos os dias

Henrique de Moraes – Sim, é tudo uma questão de você entender né, de você se entender e ver o que faz bem, o que não faz e ir testando, acho que cada pessoa vai operar num modo completamente diferente, não existe uma regra né como a gente já falou aqui desde o início. E como é que vocês acham que a internet influencia, especialmente vocês dois assim que lidam com isso já há muitos anos, como vocês acham que a internet influencia esse estado de entrar ou não em crise, ou se é que influencia pra vocês, no caso vocês como é que funciona isso?

Leandro Bronze – Eu acho que a internet influencia de uma forma muito nociva nesse lance da comparação né, a gente se compara muito inconscientemente né, a gente acaba tendo uma dose de dopamina tão grande assim subindo e descendo as timelines e tal, só que a parte boa da internet é que tem informações né, você pode aprender muito, você pode assimilar bons hábitos e você acrescentar na sua vida sabe, eu acho que a internet tem essas duas vias assim, se você conseguir aproveitar bem você vai ter bons resultados assim sim mas eu acho que a internet é feita para meio pra te prender e te viciar, eu acho que esse é o grande problema, é o outro lado da moeda. Eu agora tenho tentado ficar o máximo afastado de celular assim porque eu acho que, tem até aquele documentário O Dilema das Redes que é sensacional, aconselho muito todo mundo ver, cara você termina esse documentário querendo tacar seu celular pela janela porque é assustador mesmo, então eu acho que é isso assim, a internet é muito boa porque tem informação do mundo inteiro, pessoas do mundo inteiro e tem esse lado nocivo tipo, à medida que você vai vendo coisa interessante vai pipocando coisas para tentar te prender e tirar sua atenção sabe, te fazer comprar determinada coisa, é a famosa manipulação mesmo.

Henrique de Moraes – E você Hugo?

Hugo Moutinho – Para mim talvez esse lance da comparação não seja nem o pior, mas a facilidade de entretenimento rápido, de abrir, rolar e ver sei lá, principalmente a parte gráfica que para mim é mais chamativa né, tô fazendo um trabalho e aí cara é assim, é a mesma coisa, é uma questão de estalo, de sei lá estar sentindo que a composição não tá fluindo do jeito que eu queria, é instantâneo, meu celular vibra, pega o Instagram e abre e começo a procurar alguma coisa porque é muito rápido você ser estimulado por pequenas soluções pros seus problemas, ou que vão anestesiando

Leandro Bronze – Doses de dopamina né

Hugo Moutinho – É e assim, nesse documentário inclusive ele fala uma parte que é meio que programado para ser que nem aquelas máquina de caça-níquel que tu puxa aí tu espera um resultado, uma surpresa, alguma coisa que te agrada né, e é bem assim você não sabe o que que vai vir mas você sabe o que você quer ver sabe, que a máquina entende isso. Então para mim tem gerado uma ansiedade que foi até o que aconteceu na semana passada de eu ver “Caracal tô mexendo demais aqui, tô procurando qualquer coisa, vou resolver esse problema aqui” aí eu resolvia, passava de um estágio e chegava em outro onde eu tinha que resolver alguma outra coisa e começava algum desconforto pela tarefa, o que é normal nesse caso como em qualquer exercício físico, em que você passa por um desconforto até perder o peso né, precisa fazer o trabalho, e nesse primeiro sinal de desconforto pegava o celular e já tava olhando de novo, então a facilidade de boas informações até acaba te sugando para dentro da plataforma se você não conseguir manter um controle consciente de entender que tudo tem o seu tempo, as pessoas não andavam lendo o jornal a cada esquina quando não tinha celular, ninguém na fila do banco quando tava conversando com alguém puxava o jornal, a gente tem esse hábito pela facilidade de acesso, então ter essas informações de tão fácil acesso e tão pouco controle e preparo para isso é o que às vezes eu sinto que vai crescendo um pouco da ansiedade.

Leandro Bronze – É, porque eu acho que a parte de comparação que eu me referi é tipo assim, falando do exemplo da corrida também vamos supor, você começa a correr e antigamente quando não tinha internet você sei lá, se baseava no tempo dos seus amigos da rua sei lá, no máximo, hoje em dia você abre a internet e um garotinho de 3 anos está correndo mais rápido que você então você fica “Caraca”, você tava todo feliz ali achando que tava fazendo um bom tempo, e isso daí que eu acho que a gente precisa ter um pouco de cuidado, parar de se comparar e eu falo de uma forma geral, não numa forma pessoal sabe, que eu tô cada vez mais cagando mesmo assim para mídia social, só que eu sou músico e eu dependo disso também para divulgar o que eu faço então é muito conflitante na minha cabeça o quanto que eu posso usar essa ferramenta sem que seja nocivo para mim.

Henrique de Moraes – Eu tenho muitos problemas, muitos conflitos. Tenho isso que o Leandro falou, de até que ponto ela me ajuda na parte profissional e até que ponto ela me atrapalha né então, porque no final das contas por exemplo eu quando eu comecei a postar né eu comecei a postar depois que comecei podcast porque eu queria enfim fazer um público lá e queria comunicar o que eu tava fazendo e acabou que eu entrei numa rotina de escrever, comecei a publicar as coisas que eu tava escrevendo e eu comecei a me perceber ficando viciado em abrir o Instagram para ver os resultados sabe, e isso me causou uma sensação muito ruim que eu não sabia muito bem como lidar, fiquei um tempo sem postar até que eu resolvi começar a postar sem ter um Instagram no meu celular, eu apaguei todas as redes sociais do meu celular e comecei a usar o celular da Gabi para publicar as coisas que eu escrevia. Só que eu fiquei pensando, “Cara eu tô sendo hipócrita né, e meio babaca inclusive, porque eu vou lá, uso as redes sociais para divulgar as coisas e para falar sobre o que eu quero falar e saio sabe? Tipo “Beleza, tá aqui o que eu acho, valeu galera tchau tchau” sabe, “Lidem com isso aí e depois eu vejo o que aconteceu sabe”, mas em compensação toda vez que eu instalo o aplicativo no meu celular de novo, agora eu tô com ele instalado de novo, eu me sinto muito mal porque eu não consigo me controlar sabe, eu preciso entrar para ver o que tá acontecendo, eu preciso entrar, qualquer minuto que eu paro eu abro a porra do aplicativo e às vezes eu me vejo em situações em que por exemplo eu estou ouvindo um podcast que eu tô interessado, eu tô amarradão, e aí eu abro o aplicativo e quando eu vejo eu perdi 5 minutos do podcast porque eu comecei a prestar atenção em nada, porque você não vê nada né no Instagram, e quando você vê passaram 5 minutos e esses lapsos que você tem de “Vou abrir aqui rapidinho”, ou então de “Vou abrir para olhar tal coisa e sair” e de repente você não olhou a coisa que você queria e você tá há 10 minutos zapeando, então essas paradas me dão uma ansiedade absurda assim, e isso é um ponto né, então tenho o ponto de quanto ele me ajuda profissionalmente versus o quanto ele me atrapalha pessoalmente. E aí tem um outro ponto que é a parte da comparação que assim, para mim é um problema sabe, eu não consigo ainda lidar bem vendo pessoas que estão no lugar onde eu teoricamente, porque eu nem sei se eu gostaria de estar de fato naquele lugar mas que teoricamente chegaram num lugar onde eu gostaria de estar e aí e eu fico me comparando, me sentindo mal sabe, tipo fico olhando e falando “Caralho olha essa pessoa, olha o que ele fez, olha o que aconteceu, olha essa campanha que deu certo, essa agência tal, olha essa pessoa foi premiada, olha essa agência foi premiada”, eu começo a me comparar e falo “Caralho”, e eu entro num ciclo ali que é insuportável sabe, que eu começo a me sentir um merda, falo “Caralho não tô conseguindo fazer nada do que me propus a fazer” e acontece aquilo que a gente falou né, que eu falei pelo menos de “Ah, eu tô me sentindo um merda, eu não consigo fazer nada do que me propus a fazer, então não vou fazer mais nada do que eu me propus a fazer porque eu tô me sentindo um merda, em vez de falar “Não agora que esse filho da puta conseguiu eu também vou conseguir” só porque a minha raiva naquele momento bate e eu penso assim, mas ninguém é filho da puta, amo todos vocês, vocês são inspirações para mim, mas naquele momento isso vai me alimentando também uma outra semente que não me faz bem, não me motiva, eu acho que em outras situações pré rede social, ver pessoas que estavam numa situação melhor que eu, como era limitado, eu tinha um número limitado de pessoas que eu conhecia então por exemplo, vou falar do lado musical né, pra quem não sabe eu tocava bateria né, eu tocava inclusive na banda do Leandro e na época que a gente começou a tocar não tinha YouTube, não tinha nada disso, a gente comprava CD e nossa grana era limitada então inclusive, tudo era limitado né, e a gente comprava CD e tipo, a quantidade de bateristas que eu tinha possibilidade de conhecer era limitada, então tinham sempre bateristas que tocavam melhor que eu mas eu entrava, mergulhava no universo daquele cara até eu tirar o máximo que eu podia sabe, depois eu lembro quando entrou o YouTube na minha vida que assim, foram duas semanas de êxtase e depois assim só depressão, porque começou a entrar isso, o chinês e o japonês que tocavam pra caralho e tinham 3 anos, eu falava assim “Cara o que tá acontecendo, eu nunca vou conseguir chegar nesse nível”, você começa a ficar em vez de se estimular, em vez daquilo te motivar a estudar mais e enfim, fazer mais coisa, tudo começa a te desestimular, começa a fazer você não querer mais buscar aquele seu sonho porque você fala assim “Nossa, eu nunca vou conseguir chegar no nível dessa pessoa porque olha onde ela já chegou com tal idade?” sabe, então eu acho que são esses dois pontos né, são os pontos que me fazem ter uma relação bem conflituosa com as redes sociais sabe, o ponto da comparação e o ponto do eu não consegui controlar a relação que eu tenho com ela quando eu tô publicando sabe, de ficar nesse vício de querer entender, tipo eu postei um negócio aí não deu resultado e eu começo a me sentir frustrado, falo “Caraca porque as pessoas não gostaram disso?”, “Caraca eu não consegui fazer uma parada boa”

Leandro Bronze – E ainda tem um ponto a mais nisso que hoje em dia acontece muito, uma coisa é você se comparar sei lá, você é baterista se comparar ao garoto de 3 anos tocando mais que você, pô mas pelo menos tem um mérito do garotinho estar tocando para caralho assim sabe, outra coisa hoje em dia falando da parte musical, rola muito essa comparação de números, que aí eu acho uma comparação nociva, porque? Porque hoje em dia a gente fala assim “Não, fulano tem tantas visualizações no vídeo, tem tantos seguidores”, mas a partir do momento que isso é comprado sabe, explicitamente comprado começa a ser uma comparação meio burra sabe, você vai ficar mal porque a pessoa tem tantas visualizações mas não é orgânico

Henrique de Moraes – E acho que não só pelo fato de ser comprado ou não, acho que nem é só isso, eu acho que tem a questão também de você se comparar com números sem também se colocar na posição do tipo “Será que eu queria, será que eu tô disposto a fazer tudo que essa pessoa fez para conseguir chegar lá?”, será que isso é relevante?

Hugo Moutinho – Exatamente, será que eu quero isso, de verdade?

Henrique de Moraes – Exatamente, porque acho que a gente não percebe isso, a gente fica tão, são valores que a gente não para pra pensar se eles fazem sentido pra gente e a gente só compara porque é o padrão sabe, “Olha tal pessoa se deu bem na internet, conseguiu milhões de seguidores” mas assim, fez ela tocar melhor? A música dela ficou melhor porque ela tem várias visualizações? Não, ela de repente conseguiu mais sucesso financeiro talvez, às vezes nem isso, mas às vezes consegue. Às vezes conseguiu só mais visibilidade, mas a gente não pensa em todos os outros, primeiro a gente não pensa se isso de fato é a comparação que a gente deveria estar fazendo, se ela tá tocando melhor, se a música dela tá melhor ou não e tem outra coisa também que eu tava conversando inclusive hoje isso com a Gabi que é, a gente tem algumas medidas que são as medidas do sucesso que a gente conhece, hoje em dia tem muito essa coisa redes sociais, mas assim a medida clássica de sucesso é o sucesso financeiro, a maioria das pessoas que têm sucesso financeiro, esse sucesso veio em detrimento de outras áreas da vida dela, então por exemplo a pessoa se dedicou muito e não deu atenção pra família, ela ficou doente, não se tratou, não praticou esporte, isso é muito comum sabe das pessoas se dedicarem tanto a ter o sucesso financeiro que elas começam a decair em várias outras áreas, e a gente tem esse problema que assim, essas medidas são tão padronizadas que a gente segue elas de modo automático sem se perguntar se elas fazem sentido ou não pra gente, então por exemplo no meu caso, todo mundo se perguntar “Você quer ter sucesso financeiro?” todo mundo vai falar que quer, todo mundo quer ter dinheiro né porque a teoria é que o dinheiro vai dar liberdade pra gente, mas se me perguntar assim se eu tô disposto a passar 6 meses da minha vida longe da minha família pra ganhar um milhão de dólares, como é que você faz, sabe? Você para e pensa? Se falar assim “Henrique você vai ganhar um milhão de dólares se ficar 6 meses afastado de todo mundo que você ama”, eu paro pra pensar “Tá beleza, posso ter um milhão, de repente depois eu vou conseguir curtir melhor a vida sabe, quando eu voltar desses seis meses aí tudo vai fazer sentido pra mim”, o que a gente não percebe é que muitas vezes as escolhas que a gente faz hoje, já fazem a gente ficar muito mais do que seis meses afastados das pessoas que a gente ama sabe, só que em pequenos momentos né e não só isso, e assim às vezes esses seis meses vão só fazer a gente alimentar uma coisa na gente, que tipo assim seu eu te falar “Beleza, vou ficar 6 meses” usando esse exemplo super fictício aqui da minha cabeça que inventei para mim agora mas assim, vamos supor que fiquei seis meses, ganhei um milhão de dólares, maravilha voltei para minha família, agora a gente vai curtir e tudo mais. Aí chega uma pessoa e fala assim “Olha só, se você ficar um ano agora, você ganha dois”, e aí? O que você escolhe? Se a medida que todo mundo valida e todo mundo acha que é a medida do sucesso é a medida financeira sabe, o sucesso financeiro? Então acho que são pontos que a gente a gente tem que refletir mais sabe, se perguntar e sair um pouco do modo automático, do tipo “Ah beleza eu preciso de dinheiro, preciso de dinheiro, preciso de mais dinheiro, mais dinheiro, mais sucesso, mais sucesso” e se perguntar o que de fato faz sentido pra sempre sabe, o que vai fazer, no caso da música, o que te vai fazer tocar melhor, fazer ficar satisfeito com a música que tô colocando no mundo ao invés de me perguntar porque é que não tô tendo tanta curtida ou sei lá, porque é que não tô tão rico

Leandro Bronze – É, o valor do que tá sendo criado de uma forma geral né é muito mais importante do que números e dinheiro mesmo assim né, se a gente for analisar a obra em si sabe, eu acho cara e torço para que a tendência seja essa, o Instagram até mudou agora, você não consegue ver a quantidade de pessoas que curtiram né, tem um lance desse assim, eu acho que uma boa reviravolta vai ser quando parar de mostrar mesmo a quantidade de visualizações e curtidas que as pessoas tem, porque a pessoa vai ver só a arte da pessoa, eu fico imaginando sei lá o Instagram, imagina você abre o Instagram e cara só tem o conteúdo daquela pessoa, já diminuiria um pouco essa forma de comparação que você acaba meio sendo levado sabe, mas eu acho que dá para gente aprimorar muita coisa assim  mas isso não é interessante para as empresas né porque as empresas se baseiam justamente nesses números, e a partir do momento que nós somos apenas números isso é muito louco assim, nós viramos o produto né que aquele documentário fala, a internet não nos serve, a gente serve a internet e as empresas sabe, nós somos o produto agora.

Henrique de Moraes – É, tem toda essa jogada que é quase uma gameficação né assim na nossa vida, onde a gente publica e a gente quer saber onde deu mais resultado onde que não deu, mas eu acho que além disso, acho que além da mudança das empresas que a gente não pode esperar, eu acho que tem uma mudança interna das pessoas, que é uma coisa que eu tenho me perguntado muito, que deveria começar antes sabe, então vou dar um exemplo bem idiota mas que eu tenho pensado de fato muito fundamente sobre isso que são os filtros que a gente coloca nas imagens, o tratamento que a gente faz nas imagens sabe, a gente sabe que todo mundo que coloca alguma coisa ou joga um conteúdo na rede social quer ser bem sucedido, quer parecer feliz e aí outro dia eu comecei a pensar sobre isso, a reflexão surgiu de eu tirar uma foto de um um grafite na parede assim, eu ia postar no stories do Instagram e eu comecei a colocar um monte de filtro, fazndo o maior tratamento na imagem e aí eu falei “Cara eu olhei para essa porra e achei maneiro, porque eu tô disfarçando uma parada que eu já achei maneira sabe?” Aí eu comecei a pensar sobre isso, a gente fica mudando até os momentos que a gente acha perfeitos, até os momentos que a gente tá teoricamente feliz né, a gente vai lá e mascara eles, a gente coloca um filtro sabe, porque a gente coloca um filtro num momento em que a gente está feliz? Enfim, não sei se tô sendo muito radical, fala aí Hugo, você tá há muito tempo quieto

Hugo Moutinho – Acho que acabou ficando específico demais, acho que já alongou o tempo, não querendo dirigir também teu podcast, mas eu acho que foi uma pauta interessante porque a gente começou falando sobre como começou para gente né e cobrimos toda essa parte de ansiedade, que é a uma das portas de entrada para depressão eu acho, e eu tava pensando aqui na minha cabeça como é que a gente poderia abordar esse tema, e talvez faça mais sentido em algum outro episódio mesmo que é o, pra ti né Henrique foi o início agora mas não sei como foi pro Leandro, mas pra mim foi uma parte de convívio mais extensa até na minha vida pra gente poder aprofundar mais, que eu sei que é um quadro bem comum pra bastante criativos né mas enfim, porque essa última parte achei que foi ficando específica demais que aí eu já não tinha mais tantos pontos a comentar.

Henrique de Moraes – Tá, então já que eu recebi uma chamada diretor aqui, vou fazer uma pergunta aqui para gente tentar finalizar que é assim, de que vocês conhecem, de tudo que vocês passaram, o que vocês diriam que são as coisas que as pessoas tem que evitar especialmente quando elas estão se sentindo assim sabe, tem coisas que vocês veem como muito importante para se evitar quando você tá sentindo que você tá entrando numa crise?

Hugo Moutinho – Qualquer psicoativo cara, principalmente álcool por ser o mais acessível eu acho, cigarro também porque não que vá alterar muito o seu estado emocional mas ele te ajuda a aliviar um pouco a ansiedade, então se você aliviar muito a ansiedade fumando você meio que fica dormente pelo motivo que tá te deixando ansioso enquanto destrói seu pulmão, mas álcool principalmente e qualquer outra droga né, eu tô falando essas duas por serem mais acessíveis, mas qualquer coisa que mexa um pouco com seu estado de percepção pode mexer com seu estado de humor e qualquer alteraçãozinha no humor pode ser muito brusca quando você tá passando por um momento difícil ou quando você tá instável qualquer um pequeno peteleco te transforma num meteoro, então é legal você ter o controle e percepção do que tá acontecendo na sua cabeça e evitar qualquer psicoativo, álcool, cigarro ou qualquer coisa que possa ser minimamente influenciar sua fisiologia de maneira negativa não vale a pena consumir, isso é um ponto.

Leandro Bronze – Eu concordo com o Hugo e eu colocaria aí também a comida, acho que as pessoas acabam tentando preencher um vazio interno com comida sabe e isso é uma das coisas que mais te deixa para baixo assim sabe, quando você tá com meio vazio existencial você come um monte de merda e tal e na hora é super prazeroso e porra depois é também aquele ciclo vicioso sabe, você acaba ficando pior do que você estava assim, eu acho que uma alimentação não tão junk assim é primordial para você conseguir sair um pouco dessa assim, álcool também é muito muito pesado assim mas eu colocaria nessa lista alimentação também.

Hugo Moutinho – E sono também, são as coisas mais básicas e fáceis de controlar inclusive, alimentação e sono. Não que você vai virar a Pugliesi e começar a comer super bem agora, ter uma rotina sensacional porque é difícil mas é o que o Leo falou, cortar junk food e tentar nem que seja comer arroz com feijão e ovo, se for só isso que conseguir preparar, come só isso um mês, tenta ter um sono minimamente regulado porque sono influencia muito, óbvio que varia de pessoa para pessoa mas porra para mim cara, ainda mais quando eu não tô bem, ter noite de sono ruim meu humor vai embora, meu psicológico fica completamente destruído, fico muito instável e a mudança é clara quando eu tô tendo alguma rotina regrada de sono, então acho que para quem tá começando a achar que não tá legal, que precisa fazer alguma coisa e talvez ainda não se sinta muito disposto a conversar com alguém, pelo menos rotina de alimentação e sono porque é que só depende de você, e aí vai ficando um pouco mais de clareza para você aprender como lidar e reagir às coisas que estão acontecendo.

Henrique de Moraes – Última pergunta aqui. Hoje o que mais causa ansiedade em vocês dois e assim, como é que vocês lidam com essa ansiedade? Tem alguma coisa clara pra vocês que gera muita ansiedade?

Hugo Moutinho – Tudo relacionado aos meus filhos, de olhar e falar “Como é que eu vou pagar um curso maneiro, uma escola maneira” que tem que dar uma base cognitiva legal pra que ele saiba discernir as pessoas com quem vale a pena conversar, com quem vai ser perda de tempo, a segurança para eles crescerem então toda vez que o vejo qualquer pequeno indício de que alguma coisa pode dar errado eu desdobro para “Meu Deus eu vou impactar a vidas desse ser humano pra sempre”, então isso me deixa muito ansioso, muito ansioso às vezes, foi um dos motivos da semana passada, inclusive, de sentir que eu não tô conseguindo ter controle sobre todas as preocupações que eu acredito que eu deveria ter, acho que hoje pra mim é o principal.

Henrique de Moraes – Boa, e você Lelê?

Leandro Bronze – Eu não sou uma pessoa que pensa muito a longo prazo futuro assim, eu acabei vivendo muito o agora assim sabe, e as coisas que despertam mais minha ansiedade são coisas que acontecem no momento assim sabe, isso que eu te falei a gente tá aqui conversando, isso foi um motivo de eu ficar hiper ansioso sabe, parece besteira mas rola aquela ansiedade, claro não se comparando à ter uma crise sabe mas eu não sei tipo colocar numa lista exatamente o que me faz ansioso hoje em dia, eu acho que as coisas vão acontecendo e determinadas situações tipo aumentam muito assim sabe. Esse lance de sei lá, de você ir na casa de alguém que você não conhece, ter que interagir com pessoas que você não conhece é uma coisa que gera muita ansiedade em mim. Eu tenho esse meu grupo de amigos pequenos já desde muito tempo e é a minha zona de conforto, então sair um pouco disso, conversar com uma pessoa que eu não conheço tanto assim isso gera um pouco de ansiedade em mim assim. Às vezes depois de três palavras já rola bonito sabe, mas tem vezes que é difícil eu continuar concentrado e de boa assim.

Henrique de Moraes – Então é isso galera, amiguinhos, vamos deixar aberto então para um bate-papo número dois né, pra gente continuar esse assunto e de repente falar sobre redes sociais, já que nosso diretor não deixou a gente se aprofundar muito

Hugo Moutinho – Corta!

Henrique de Moraes – A gente deixa marcado aí um bate-papo número 2 e de repente da próxima a gente traz o Saulo né que não pode participar hoje com a gente

Leandro Bronze – Pode crer

Hugo Moutinho – Eu acho que vale a pena trocar uma ideia de repente sobre depressão específico, seria como se desdobra toda essa questão de ansiedade né se não for acompanhada, se não for tratada eventualmente pode se desdobrar nisso.

Henrique de Moraes – Boa, vamos fazer uma pauta então e gente faz um episódio número dois,a gente faz disso uma série, o que vocês acham?

Leandro Bronze – Pô, sensacional

Hugo Moutinho – Pode ser

Henrique de Moraes – Então beleza, maravilha, fechado. Obrigado amiguinhos, adorei ter participado aqui, ter gravado com vocês

Hugo Moutinho – Pô eu que agradeço cara

Leandro Bronze – Pô muito bom cara, e queria dizer que eu aprendo muito com esse podcast, de verdade, eu acho que é o único que eu escuto também

Henrique de Moraes – Porque é obrigado

Leandro Bronzer – Mas eu como tenho que editar eu realmente cara eu aprendo muito assim, tem muita coisa que eu já introduzi na minha vida que melhoraram muito minha qualidade de vida sabe, então eu acho que você faz um trabalho fenomenal assim e dá orgulho. Não tô falando isso porque eu sou seu amigo mas realmente eu acho que você faz um trabalho sensacional.

Henrique de Moraes – Fiquei até emocionado agora, obrigado pelo depoimento. Depois dessa gente né, eu vou parar aqui antes que alguém fale mal de mim. Obrigado gente, até a próxima

Leandro Bronze – Valeu, um abraço!

Hugo Moutinho – Valeu

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