Marcelo Lourenço foi um dos fundadores e diretores criativos da Fuel Lisboa, a agência mais premiada de Portugal.

sob sua liderança criativa, a Fuel Lisboa cresceu de uma startup com apenas 4 pessoas para a maior agência do país, recebendo prêmios importantes como a Agência Portuguesa nº1 no Relatório Gunn e três vezes Agência do Ano nos prestigiados Prémios Eficácia (Prémios Effie Portugueses).

a agência recebeu também prêmios em Cannes Lions, Eurobest, The One Show, D&AD, El Ojo de Iberoamérica, Clio, Fiap, Golden Awards de Montreux e todas as grandes premiações do mundo.

após uma onda de vitórias a Fuel Lisboa conquistou os maiores clientes em Portugal: Caixa Geral de Depósitos (banco nacional português), Jogos Santa Casa (lotaria portuguesa), Worten (a maior cadeia de lojas de electrónica em Portugal e Espanha) e Continente (a maior rede de supermercados do país).

Marcelo também já atuou no júri dos mais importantes festivais de criatividade do mundo: Eurobest, El Ojo de Iberoamérica, New York Festivals, Fiap, Golden Awards de Montreux e Prémios Lusófonos e em 2015 foi convidado para ser o Presidente do Júri no ACDE – Art Directors Club of Europe na categoria Film & Radio.

em 2018, ele e seu dupla, Pedro Bexiga resolveram sair da Fuel e montar uma nova agência, onde tivessem mais liberdade criativa. foi daí surgiu a Coming Soon, sua agência atual e primeira experiência empreendendo.

além disso, Marcelo (que é um orgulhoso pai de duas meninas, Julia e Gabriela) publicou um livro infantil chamado “O Livro dos Grandes Direitos das Crianças”, com ilustrações de Hiro Kawahara.

o Marcelo conta toda essa e muitas outras histórias em nosso bate-papo. além de dar algumas dicas pra quem pensa em vir trabalhar com criatividade em Lisboa.

saiba mais sobre o Marcelo em:

LIVROS CITADOS

PESSOAS CITADAS

  • Rodrigo Fabocci
  • Edson Athayde
  • Pedro Bexiga
  • Fernando Sabino
  • Loius C.K.
  • Woody Allen
  • Jim Morrison
  • Claudio Carillo
  • Anselmo Ramos
  • Leandro Alvarez
  • Spike Lee
  • David Fincher
  • Dalton Pastore
  • Miguel Barros
  • Jacques Séguéla
  • Nuno Jerónimo
  • Hermana Noronha
  • Rui Aragão
  • Ernest Hemingway
  • Luis Fernando Verissimo
  • Gabriel García Márquez
  • Frank Miller
  • Adam West
  • Steve Jobs
  • Pablo Picasso
  • Steven Spielberg
  • Toninho Neto
  • Hiro Kawahara
  • Luís Corte Real
  • Bernard Cornwell
  • Jair Bolsonaro
  • Donald Trump
  • Kate McKinnon
  • Hillary Clinton
LINKS IMPORTANTES
FRASES E CITAÇÕES
  • “ver todas as coisas pela primeira vez” – Marcelo
  • “Quando você é uma martelo, qualquer problema que aparece é um prego” – Marcelo
  • “Se tá tudo dando errado é porque ainda não é o final, porque no final tudo dá certo” – Fernando Sabino
  • “As pessoas são loucas o suficiente pra acharem que podem mudar o mundo, são as que normalmente fazem” – Steve Jobs

se você curtir o podcast vai lá no Apple Podcasts / Spotify e deixa uma avaliação, pleaaaase? leva menos de 60 segundos e realmente faz a diferença na hora trazer convidados mais difíceis.

Henrique de Moraes – Fala Marcelo, seja muito muito bem vindo aqui ao calma!, é um prazerzaço ter você aqui cara, o primeiro convidado português né, agora que eu tô nessa fase

Marcelo Lourenço – Muito obrigado pelo convite, Henrique.

Henrique de Moraes – Acho que vai ser uma conversa muito boa, a gente tem bastante coisa em comum, bastante coisa para trocar, pra aprender um com o outro mas a minha primeira pergunta cara vai parecer meio aleatória mas eu fiquei muito curioso, eu queria entender se na sua casa você só tem sopa quando você vai na televisão ou se suas filhas já estão mais flexíveis e comem sopa quando você tá em home office também?

Marcelo Lourenço – Isso já foi há tanto tempo, antes cara muito obrigado pelo convite, eu espero não decepcionar as pessoas que vão ouvir seu podcast porque o Rodrigo Fabocci que é um exagerado, um generoso, deve ter inventado muitas mentiras sobre mim pra você me convidar. Pois é, eu dou algumas cadeiras na Flag que é uma escola de publicidade, comunicação, e eles me convidaram para dar um curso sobre ativação, que na minha opinião é a mídia mais cara de todas né porque ativação você não tem mídia, a mídia são as pessoas e eu usei os exemplos das minhas filhas como a melhor campanha de ativação que eu já fiz porque, explicando um pouco a pergunta do Henrique, em 2010 eu fui convidado para um programa que era o “Económico TV”, um canal que já não existe, eles falavam sobre publicidade, negócios e eles me convidavam recorrentemente na época da altura de Cannes, pra falar sobre as campanhas, eu fui um ano e quando cheguei em casa as minhas filhas que tinham sei lá, 8 e 6 anos, que não ligam nada pro que eu faço, estão sempre cuidando da cabeça, agora que elas são adolescentes então, aí a minha filha mais velha disse “Pai, tu foste a TV e não disseste o nosso nome?”, e falei pra Juju a minha mais velha “Se eu falar seu nome você come a sopa toda?”, que é uma luta, não sei se você tem filhos Henrique, as crianças em Portugal todas comem sopa, aliás os adultos também comem sopa sempre, que é um hábito ótimo mas convencer as crianças a comerem sopa é sempre uma luta né, e eu falei “Então vamos fazer assim, se eu falar o seu nome ao vivo na TV você come a sopa?”, acho que ela achou que eu tava brincando né, e aí fui e engraçado, era um programa sobre o Festival de Canne e a apresentadora, eu fui a primeira pessoa a falar, ela falou assim “O que você acha da publicidade, da criatividade?”, eu falei “Já agora, já que a gente tá falando de criatividade eu queria fazer uma campanha de ativação do seu programa e eu fiz esse acordo com as minhas filhas, se eu falasse o nome delas elas iam comer a sopa toda, então Ju e Gabi o pai cumpriu a sua promessa, vocês comam a sopa toda”, e logo depois ela passou, o que foi a parte mais engraçada, ela passou a palavra pro Edson Athayde que é o grande publicitário de Portugal, aliás você deveria estar entrevistando o Edson e não a mim, e o Edson logo disse “Eu concordo com o Marcelo, Júlia e Gabriela comam a sopa toda”, então foi mesmo uma campanha de ativação. Se funcionou, cara eu deveria fazer um videocase sobre isso pra disfarçar os resultados porque elas não ligaram muito, ficaram surpresas, ficaram chateadas mas continuaram a não comer a sopa toda, o que é muito chato.

Henrique de Moraes – Muito bom, fazer um videocase pra disfarçar

Marcelo Lourenço – É a única maneira né

Henrique de Moraes – Sensacional, elas tem quantos anos hoje em dia, as suas filhas?

Marcelo Lourenço – Então, 14 e 12. Ter filhos é espetacular, eu especialmente adoro ser pai de meninas porque o meu dupla, meu dupla há 21 anos e agora meu sócio na nova agência, Pedro Bexiga tem um filho, e eu tô sempre falando para ele primeiro, ter rapaz, ter filho é para amador, profissional mesmo tem menina, porque você tem que aprender outra linguagem, você tem que aprender como funciona outro tipo de aparelho, é um desafio diário, e ao mesmo tempo não existe pessoa mais mimada na face da terra do que um fulano que o único homem numa casa com mulheres. Agora, é um desafio eterno e elas são provavelmente a minha maior fonte de inspiração, eu tô sempre olhando pras duas, eu acabei de fazer agora uma campanha pra Wook em que o tema é um pai, que a filha traz o namorado que é um tatuadaço, e a cada coisa que ela conta o cara vai ficando com o cabelo cada vez mais branco, quem puder ver esse filme tá na internet, o nome do namorado é Caveira, eu tô na fase no meio, meu cabelo tá meio branco, 50% grisalho já.

Henrique de Moraes – Eu ia falar isso, eu tenho uma filha de 12, tenho duas meninas também, uma de 12 e uma de 13 meses

Marcelo Lourenço – Bem vindo ao clube, cara

Henrique de Moraes – Exatamente, e eu acho que agora que tá chegando a fase onde ser pai de menina começa a ser mais preocupante né.

Marcelo Lourenço – Ter filho te faz pensar tanta coisa cara, é impressionante como as pessoas elas nascem sem fazer o upload de tudo que tá ao redor, isso é uma coisa que vai aumentando aos poucos né, eu me lembro de estar vendo na TV uma série com as minhas filhas que aqui em Portugal se chamava Shake It Up, que eram duas meninas que gostavam de dançar, uma delas é a Zendaya, que agora é super famosa e tal, era na Disney né, a Zendaya que é uma negra e a outra rapariga que é branca, e as duas eram os dois personagens principais, e eu tava vendo aquilo com a minha filha, ela tinha uns 6 anos na época e ela falou “Ah eu acho aquela menina tão bonita”, e eu falei “Qual das duas?”, e ela falou “Aquela de casaco vermelho”, porque pra ela não tinha diferença, que uma era negra e outra era branca, eu falei “Pois é”, e aquilo me impressionou muito, me fez pensar muito sobre como é maravilhoso ter 6 anos e não fazer distinção se uma pessoa é branca, se uma pessoa é negra, se uma pessoa é pobre, se uma pessoa é rica, se é homem, se é mulher, e essas coisas eu aprendo todos os dias com as minhas filhas, todos todos os dias.

Henrique de Moraes – Sim, tem uma coisa desse olhar né, de não estar talvez tão exposto ou ainda não ter passado por situações em que a sociedade vem colocando os moldes, instalando uns programas na gente pra gente depois replicar isso de alguma forma, então é realmente impressionante você enxergar numa criança todo esse potencial de estar ali 100%, tudo que faz é 100%, é 100% honesta, 100% feliz, 100% triste também, é impressionante, a gente já não faz mais isso, depois de um tempo você já fica meio assim, você tá triste mas você está disfarçando fingindo estar feliz, ainda mais com rede social então, isso piorou ainda mais eu acho, está um nível acima.

Marcelo Lourenço – Você tem sempre um posicionamento muito pensado né, e isso acontece, nossa nas redes sociais então, desde que, acho que a grande invenção que facilitou a vida de todos, lembra quando apareceu o Facebook? Você não podia editar o seu post, reeditar o seu post, o que você escreveu tá escrito, se você tinha esquecido o nome de alguém ou se você cometeu um erro estúpido e colocou um ç onde não tinha, agora não, agora é tudo um reedit da coisa, agora se alguém faz live para uma coisa que depois percebe que não tinha, não era exatamente, vai lá e refaz, eu acho que isso mudou a nossa própria maneira de se comportar né, e o que eu vejo nas minhas filhas é um livro do Fernando Sabino, que já foi um grande escritor no Brasil, as pessoas não ligam muito pro Fernando Sabino hoje, escreveu “O Encontro Marcado” e é até hoje um dos meus escritores favoritos, tem um livro sobre a infância dele que se chama “O Menino no Espelho”, e logo no primeiro conto, no prefácio ele explica porque ele escreveu aquilo, quando eu era criança as pessoas me perguntavam o que eu queria ser quando crescer, agora que sou um puta de um velho ninguém mais me pergunta isso, porque se perguntassem, eu queria ser criança de novo, porque eu queria, e que eu acho uma frase espetacular, ver todas as coisas pela primeira vez, que é um mega exercício, você olhar e falar assim “Pois é”. Acho que isso acontece na nossa profissão da publicidade então, as melhores coisas que eu fiz foi quando eu consegui fazer esse exercício de falar assim “Ok, o cliente quer o filme assim, vamos esquecer o que o cliente quer e vamos pensar se nós tivéssemos toda oportunidade do mundo, o que que a gente faria?” e essa automotivação, que é uma coisa que o dia vai botando a gente pra baixo, acho que é um exercício na publicidade, na criatividade, de falar assim “A primeira pessoa que eu preciso satisfazer sou eu”, se eu estiver me divertindo a gente logo vê se o cliente gosta ou não, e depois a gente vai adaptando, a gente olha pro budget, essas coisas.

Henrique de Moraes – Essa frase cara é realmente maravilhosa, porque a melhor e pior sensação que você pode ter é a de querer ver alguma coisa pela primeira vez de novo né, porque a pior é porque você sabe que nunca vai conseguir ter esse olhar para aquele ponto específico né, então por exemplo, eu tenho muito isso com viagem, às vezes eu vou para algum lugar de novo né e falo “Foi tão maravilhoso, vou voltar naquele lugar”, e nunca é a mesma coisa, e eu fico sempre pensando nisso “Cara eu queria ter de novo, queria ter o olhar zerado aqui para chegar e ter aquela mesma sensação” e a gente tem isso com várias coisas né, realmente acho que o segredo é você buscar novas experiências, não tem jeito, não ficar tentando repetir, e pra publicidade isso funciona muito bem inclusive né, se você ficar tentando repetir uma fórmula, ela perde o impacto né.

Marcelo Lourenço – Acho que a maravilha da publicidade, outro dia o meu sobrinho me perguntou o que eu achava que alguém precisaria ter para se dar bem em publicidade, acho que não é talento, não é criatividade, acho que você precisa gostar das pessoas, você precisa se interessar pelas pessoas, porque você precisa ser meio Forrest Gump, estar num lugar e ouvir uma história e alguém te contar uma história, e aquela história é espetacular, isso quando você se interessa tem histórias espetaculares todos os dias em todos os lugares, a senhora do café começa a te contar uma história e aquilo é impressionante, e chega alguém e fala “Não sabe o que aconteceu comigo hoje”, a gente só precisa prestar atenção, como o Fernando Sabino, olhar para aquilo como se a gente nunca tivesse visto aquilo. Agora tem razão, quando a gente vai para uma cidade que a gente gosta muito e voltar para cidade é espetacular mas a maravilha das viagens e de outras coisas é você ver coisas que você nunca tinha visto, você não fazia a menor ideia que aquilo era assim né, é impressionante.

Henrique de Moraes – Eu tenho alguns lugares assim que eu lembro muito vividamente, mas a principal que é a cidade inclusive onde eu me casei que é Amsterdã, que eu lembro da sensação quando eu tava namorando né com a minha atual esposa, e foi a primeira vez que eu fui pra Amsterdã, ela já tinha ido, estava lá e fui encontrar com ela, e eu lembro de descendo ali na Central Station né, e dando de cara com aquela arquitetura completamente diferente, aquelas bicicletas para tudo quanto é lado, e tendo um choque e ao mesmo tempo uma sensação maravilhosa de tipo “Cara, o que tá acontecendo?”

Marcelo Lourenço – E depois entrou num daqueles cafés, comeu um space cake e falou “Vamos casar”, é ou não é? Tem muita gente que vai pra Amsterdã e volta de lá casado por causa do space cake, dizem que é o padrinho número 1 dos casamentos de Amsterdã.

Henrique de Moraes – Faz sentido. O mais impressionante é que eu nunca fumei e nem comi nada diferente lá em Amsterdã, eu gosto da cidade e assim, não por ser contra, nada disso, totalmente o contrário, não ligo e já fumei, acaba que pra falar a verdade maconha não é a minha droga, eu gosto de cerveja, álcool, enfim, acho que é a minha parada mesmo. Mas já fui pra lá várias vezes, umas 3 ou 4 pra Amsterdã e eu nunca fumei, e todo mundo quando eu falo “Ah porque eu fui pra Amsterdã” falam assim “Caraca, você fumou aonde? Qual você fumou?Qual você experimentou?”, e eu falo “Não fumei nada”, “Eu não acredito, você desperdiçou uma viagem”

Marcelo Lourenço – cara, eu tô aqui falando e parece que eu sou o maior maconheiro mas eu experimentei maconha duas vezes e, Juju e Gabi se vocês estiverem ouvindo isso, maconha não é bom, mentira eu já falei pra elas, falei “É espetacular” mas uma delas foi em Amsterdã, eu entrei num café com uma namorada na altura e com um casal de amigos, e tinha experimentado uma vez na faculdade e entrei lá e eles tem um menu, um cardápio aí vi lá um “white spider” falei “Putz vamos lá, se é pra fumar que seja um white spider”, e aquilo me deu uma bad trip horrível, a primeira meia hora foi rir sem parar, depois caiu naquela coisa que eu já não conseguia falar, e falei “Bom, um vinhozinho, uma cerveja”,acho que tô com você cara, tá de bom tamanho.

Henrique de Moraes – Eu também só tenho bad trip, por isso que eu desisti, por isso que lá especialmente que as maconhas são mais fortes né, eu evitei mas tem um humorista que apesar de eu ser muito fã dele ele tá num momento meio complexo né e assim, com razão, ele realmente foi meio, as coisas que aconteceram com ele foram meio esquisitas, não vou entrar em detalhes, mas é o Louis C.K.

Marcelo Lourenço – Eu ia adivinhar, Louis C.K., eu também gosto bastante dele mas ele se meteu numa confusão

Henrique de Moraes – Foi complexo, mas tem um espetáculo dele que ele fala assim “Eu não tenho como falar pras minhas filhas que droga é ruim, o que eu falo para elas é que droga é tão bom que vai estragar sua vida”

Marcelo Lourenço – O Louis C.K., é engraçado, eu acho que o que aconteceu com o Louis C.K., ele fez merda da grossa, ninguém questiona isso, mas até que ponto alguém que fez merda da grossa tem que ser cancelado pra sempre? Eu acredito na justiça, se fulano fez isso que seja processado e que perca os patrocínios mas eu não consigo não deixar, eu não consigo entender como é que a autobiografia do Woody Allen tem que ir pra lata do lixo cara, porque ele foi acusado de coisas que ninguém ainda provou, eu acho que a gente tá vivendo um tempo muito maluco né, em que a justiça das redes sociais é feita antes da justiça, mas é uma coisa muito difícil né, eu também não sei o que pensar porque eu tenho duas filhas, se o Woody Allen realmente o que dizem que ele fez for verdade é uma coisa horrível né, mas você nunca sabé né, você não sabe.

Henrique de Moraes – Vamos mudar um pouquinho de assunto aqui, porque pra gente não ficar triste aqui com essas histórias. Primeiro eu queria corrigir só uma coisa que eu falei no início, que eu falei que você é o primeiro convidado português, mas você não é português, você é brasileiro né

Marcelo Lourenço – Então, eu sou brasileiro mas sou português também.

Henrique de Moraes – Então posso te pedir para falar um pouquinho sobre, vamos voltar no início da sua história, queria entender porque que você veio morar em Portugal, o que te motivou né lá em 99, e me fala um pouquinho desse seu lado português aí.

Marcelo Lourenço – Então Henrique, eu vim pra cá pelo motivo que faz as pessoas, alguém mudar de país. O que que faz alguém mudar de país? Eu sempre faço essa pergunta, 99% das pessoas dizem a mesma coisa, adivinho logo.

Henrique de Moraes – Vou chutar aqui, foi mulher?

Marcelo Lourenço – Isso mesmo, isso mesmo. Eu era um jovem criativo promissor na Carillo Pastore, e tinha uma namorada na época que conseguiu um emprego com o Edson, e ela veio e a gente terminou, a gente terminou não, ela veio e depois me deu um puta de um pé na bunda, e eu fiquei super deprê, só que, cara minha banda favorita são os Doors, e naquele ano eu tinha visitado Paris sozinho e tinha ido no cemitério onde o Jim Morrison tá enterrado, e aí vi a lápide e vi que ele tinha morrido com 27 anos, aí eu falei “Cara, eu tenho 27, vou fazer 28 e eu fui um bosta, eu não fiz nada” e aquilo tava mexendo comigo né, dizem que a vida muda de 7 em 7 anos né, então tava ali com 28 sabe, naquela coisa assim “Ou eu saio agora ou não saio”, aí tive uma mega discussão com o meu diretor de criação que era o Claudio Carillo na época, mas uma discussão besta, se eu ia ter um computador novo, se ele ia me mandar pra Cannes ou não, aí juntou meu orgulho ferido de ter tomado um pé na bunda e se junta a outra coisa que parece banal mas é muito importante, eu adoro cinema eu sempre comprava a revista Premiere,eu sou da época em que as pessoas compravam revistas ainda, e a revista Premiere de cinema, a revista americana, na última capa tinha sempre um anúncio da New York Film Academy, e tinha um fulano, com blusão de couro, cabeludo, sentado naquela cadeira, sabe quando tem aquela grua que levanta, o diretor? E ele tava com a mão no ar como se ele estivesse dirigindo, eu sempre via aquele anúncio, e depois tem gente que fala que publicidade não funciona né cara, eu falava “Eu quero ser esse cara”. E aí eu juntei tudo que eu tinha, pedi demissão, vendi meu carro e falei “Vou fazer o New York Film Academy” e eu tinha, meu primeiro emprego foi também o primeiro emprego do Anselmo Ramos, da DAVID, da GUT, e ele na época tava morando em Miami, então eu liguei pra ele e pra mulher dele, os dois são grandes amigos meus, a Camila e eles fizeram essas coisas que só os amigos fazem, ele falou “Cara você tá aí com dor de chifre, fica aqui na nossa casa” e eu fui e fiz um curso de inglês em Miami e depois ia pra New York Film Academy. E aí um dia o Anselmo me liga e diz “Olha, tem um amigo meu em Portugal querendo contratar um redator, e cara acho que é você, acho que tem tudo a ver, vocês vão se dar bem, você tem que ir para Portugal”, olha só o que ele disse, “Você vai adorar Lisboa e você nunca mais vai querer sair de lá, tenho certeza”, aí eu pensei, essa minha namorada na época tava aqui, falei “Bom, porque não né?”, aí eu cancelei minha viagem pra Nova York, nunca cheguei a fazer o New York Film Academy ou seja, nunca cheguei a ser o cara do blusão de couro que tava sentado na cadeira, troquei minha passagem e vim para cá, cheguei aqui, fui pra uma agência que nem existe mais, a Lintas, que foi toda construída com os produtos da Unilever, aí cheguei, adorei a cidade, voltei pra essa minha namorada e depois terminei com ela, aliás ela terminou comigo de novo, mas é que não dava certo mesmo, mas depois de 6 meses, o Leandro Alvarez que é brasileiro, ele falou “Olha, eu vou pra Leo Burnett e vou te indicar pra ficar no meu lugar”, então eu fui o caso mais rápido de ascensão da história luso-brasileira da publicidade, porque eu cheguei e seis meses depois era diretor de criação. E resolvi aceitar o desafio de ser diretor de criação na agência, em dupla com diretor de arte da época, Pedro Bexiga, e agora tô preso com esse cara pro resto da vida.

Henrique de Moraes – Já são quantos anos de parceria? Bastante tempo né?

Marcelo Lourenço – A gente já está desde 99, eu estou a mais tempo com esse sujeito do que com a minha mulher e às vezes, isso já acontece menos, mas às vezes eu estou falando com a minha mulher e digo assim “Nossa, aquilo que eu te disse ontem”, ela escuta e fala assim “Tem certeza que disse isso para mim e não pro Pedro?”, então é muito triste essa história, muito triste. E aí cara é isso, Portugal foi muito generoso comigo porque eu fiz tudo que eu podia e que eu queria e só posso agradecer.

Henrique de Moraes – Realmente é uma história fora da curva né, foi uma escolha abençoada

Marcelo Lourenço – Pois é, e o Anselmo tinha razão, porque eu já recebi propostas para ir para os Estados Unidos, pra voltar para o Brasil sempre, dona Jana que é minha mãe, se você escutou esse podcast por algum azar, não me leve a mal não ter querido voltar para o Brasil, se minha mãe sabe que eu tive proposta para voltar para o Brasil e não voltei ela me mata, então fica já aqui feito o aviso

Henrique de Moraes – Beleza, vamos tentar bloquear ela na divulgação. Deixa eu te fazer minha próxima pergunta aqui, talvez ela seja um pouco egoísta porque tá alinhada com meu momento de vida né, mas como que foi essa mudança para cá na lente profissional né, digo, que dificuldades você teve apesar de você ter tido essa ascensão rápida, provavelmente você deve ter tido que lidar com alguma diferença, especialmente culturais, e muito particularmente no mercado de propaganda e marketing, publicidade, enfim, acho que é mais difícil porque você tá lidando com desejos, você vai ter que contar histórias e isso tem que estar muito alinhado com a narrativa cultural do lugar onde você está inserido né, então queria entender que desafios você teve nessa vinda, você lembra de alguma coisa particular?

Marcelo Lourenço – Sabe aquela frase do Fernando Sabino de ver todas as coisas pela primeira vez? Mudar de país é te forçar, porque você tá mesmo vendo todas as coisas pela primeira vez. Eu, 21 anos em Portugal, todos os dias aprendo uma palavra nova

Henrique de Moraes – Caraca, ainda?

Marcelo Lourenço – Ainda, dia desses eu tava indo com as minhas filhas para o Algarve, e eu tava dirigindo e elas estavam comendo umas bolachas, aí elas me deram uma bolacha e eu falei assim pra elas “Olha o que seu pai vai fazer”, peguei e engoli a bolacha inteira, e aí minha mulher virou e falou assim, minha mulher é portuguesa né, ela disse “Você fica fazendo essas coisas, e depois aparece um labrego em casa e você se pergunta porque”, e eu falei “Labrego? O que significa?”, aí ela falou “É alguém que come a bolacha inteira como você”, eu falei “Mas isso quer dizer o que, labrego?” e eu adorei a palavra e nossa, desde então tenho gastado essa palavra absurdamente assim. Eu adorei trabalhar em Portugal, sempre, porque eu descobri expressões, maneiras de se comportar, uma das campanhas que eu fiz logo no meu terceiro ano que fez muito sucesso, era uma campanha pro Fiat Punto, pro carro, porque eu me lembro que alguém chegou para mim e disse assim “Fulano tem um granda carrão”, eu falei “Mas o que isso quer dizer, um granda carrão?”, e fulano quando tem um granda carrão é assim “Olha, eu tenho aqui um BMW e não sei o que”, e eu e o Bexiga fizemos uma campanha, que eram pessoas que chegavam nos lugares e diziam “Sou um idiota, não sei nada, sou um picareta mas em compensação tenho um granda carrão”, a assinatura depois era “Quem pensa tem um”, eu escolhi um carro de uma maneira racional e não porque você quer ter um granda carrão pra impressionar as pessoas e eu acho que essa expressão era uma expressão que tanta gente usava, mas talvez foi um pouco de sorte, por curiosidade foi preciso um estrangeiro olhar para aquilo e falar, isso acontece comigo sempre, essa maneira de achar engraçado essas coisas porque eu vi pela primeira vez. Agora, a mudança pra Portugal, e falando como quem está nessa experiência agora, acho que não há grandes barreiras, acho que você precisa, até hoje eu escrevo como se diz em Portugal, “com traços de brasileiro”, que é usar muito gerúndio, usar você muito, que ninguém usa muito no texto escrito, então mas sempre tem alguém que te ajuda a corrigir essa parte da locução, e quando eu trabalhava, quando eu era diretor criativo da FUEL, que tinha um departamento criativo de sei lá, 20 pessoas né, muitas vezes o cliente dizia “Esse texto tá em brasileiro, vê-se mesmo que o diretor de criação é brasileiro” e não tinha sido eu quem tinha escrito, tinha sido outra pessoa, eu falava “Não calma, nem tudo que é gerúndio é brasileiro e foi escrito por um brasileiro”. Agora, eu noto muito nas pessoas que chegam aqui em Portugal, que primeiro tem que fazer um ajuste né porque o mercado brasileiro é muito muito grande, é um mercado onde a publicidade é de primeiro mundo porque tem muitos consumidores né, por isso que há campanha de carro no Brasil e já não há mais em Portugal, porque os caras olham e falam “Vou adaptar a campanha da Espanha, ou uma internacional”, mas no Brasil precisa ser feito mesmo para aquele público-alvo, ou seja, quando você vem para cá você precisa logo aprender que os budgets aqui não são a mesma coisa, que quando você consegue fazer uma produção em dois dias de filmagens, vai lá três dias, é uma vez por ano porque os salários são muito menores cara, o Brasil tem, mas isso não só em relação a Portugal, o salário da publicidade no Brasil são muito inflacionados em relação à todos os outros países, mesmo na Argentina onde a publicidade é supervalorizada e ser publicitário na Argentina é uma profissão super bacana, os caras não são milionários, não são os caras que compram iates, você fala com os publicitários ingleses, e são pessoas que o sonho deles é ter uma casa de praia, uma casa na montanha, não é ter um iate, aparecer na Globo, isso é uma coisa muito brasileira, e quando você vem pra Portugal você tem que ter logo isso na sua cabeça, que o salário que você tinha no Brasil se você tivesse uma agência grande, não vai ter aqui. Também o que eu vou dizer agora mudou um pouco porque também o nível de vida não era o mesmo nível de São Paulo, nunca foi e nunca vai ser mas Lisboa tá tão na moda, que o nível de vida em Lisboa tá subindo muito, ter uma casa em Lisboa, comprar um apartamento em Lisboa era uma coisa super acessível e super tranquila, já não é assim né porque a cidade agora, as pessoas chegam aqui e acham que Lisboa sempre foi assim, sempre foi essa cidade que parece Barcelona, cheia de gente, não era assim, era uma cidade super tranquila, parecia uma cidade do interior, tinha turista mas, tanto que eu ia pras reuniões internacionais e as pessoas falavam “Onde é que você trabalha?”, isso há 10 anos, “Ah, Lisboa”, “Lisboa? Isso é Espanha, não é?”, e agora a coisa mudou, que é “Lisboa, nossa adoro Lisboa, quero tanto morar lá”, virou assim o lugar de sonho de todo mundo.

Henrique de Moraes – E você provavelmente viu essa transformação, especialmente a chegada de brasileiros que vieram em debandada para cá né? Brasileiro e chinês também né?

Marcelo Lourenço – Chinês, francês pra cacete. Quando quando eu cheguei em 99, isso não aconteceu comigo, aconteceu com um amigo meu, ele pegou um taxista no aeroporto e quando ele começou a falar no telefone ou falar com um amigo que tava no táxi, e o taxista percebeu que ele era brasileiro, ele virou pra trás e falou assim “O senhor é dentista ou publicitário?”, porque era assim, os brasileiros eram dentistas ou publicitários, e aí veio o Edson Athayde, o Edson é um grande marco na publicidade portuguesa porque ele trouxe uma modernidade no sentido de que a publicidade portuguesa tirou o terno e gravata e começou a falar com as pessoas na rua, e era uma coisa muito filosófica sabe, uma coisa muito Eça de Queiroz, e ele fez talvez o filme português mais famoso de sempre que é a campanha da Telecel, do pastor, não sei se você conhece essa campanha Henrique, Telecel é uma marca de celulares em que o grande diferencial era dizer “Não importa onde você estiver em Portugal, tem rede” e nisso Portugal, eles são muito bons, os publicitários portugueses são muito bons em assinaturas, e eles tinham essa assinatura que era “Onde você estiver, está lá”, porque é uma maneira de atender o telefone em Portugal, “está lá?”, então tinha esse duplo sentido, “Onde você estiver, está lá”, e eles fizeram o filme que é do Edson e do Anselmo Ramos também em que toca o telefone, tá um pastor que é uma coisa típica do interior de Portugal, do Alentejo, e quando toca o telefone todas as ovelhas param de falar, aí ele atende o telefone e fala “está lá”, aí vira pras ovelhas e fala “É pra mim”, e elas voltam a balir. É uma ideia boba até, mas é super engraçado e fez um sucesso com as pessoas, e como ele atendeu com sotaque das Beiras, acho que é isso não tô sendo incorreto, em vez de falar “Estou sim” ele fala “Tou Xim”, então o filme é conhecido como “Tou Xim”. O Edson depois fez muitas outras coisas engraçadas, bacanas, mas este filme lançou o Edson no estrelato absoluto, então o Edson criou esse patamar de que brasileiro em Portugal é igual jogador de futebol, o cara é bom. Então como o Edson fez esse sucesso, esse filme que eu te contei ganhou o Leão de Prata, conseguiu ser o filme mais popular do mundo e ainda ganhou o Leão de Prata, isso é super difícil de fazer e aí Portugal entrou no radar dos publicitários, e aí começou a atrair aquele tipo de gente que era mesmo aventureira, que pensava assim “Cara eu vou morar fora um ano e vamos ver, se eu ganhar um Leão ou não isso vem depois”, então vinha muita gente que falava “Eu quero ter uma experiência fora” logo depois do Edson, mesmo porque o edson começou a trazer muitos brasileiros, ele ia até São Paulo, o Edson era o VP da Young daqui, ele ficava na Young & Rubicam, eu fui mostrar a pasta uma vez pra ele, ele não me escolheu, escolheu o Anselmo Ramos e muita gente vinha pra cá e ele tentava não escolher só o padrão da DM9, Almap, F/Nazca, então ele trouxe muita gente e essas pessoas foram virando diretores de criação das agências e aí o mercado português ficou mesmo na moda, aí havia gente só da DM9, Almap, e contrariando o que eu disse há algum tempo atrás, era uma época que tinha muita grana na publicidade, que era anos 95, 96, então as pessoas vinham para cá, ficavam um ano, um ano e meio, trocavam de agência 3 vezes, aumentavam salário três vezes e depois voltavam para o Brasil ou iam pra Espanha, e aí começou a vir muita gente, pessoas de agências que não eram as agências mais premiadas, tipo eu da Carillo Pastore, e começou a vir muita gente e começaram a ter mais diretores de criação e tal, e aí veio a crise mundial que começou em 2005, 2006 e em 2008 bateu com uma força aqui, e o Brasil só subindo né, lembra aquele primeiro governo do Lula quando o Brasil, a capa da The Economist era o Cristo Redentor decolando, lembra disso?

Henrique de Moraes – Depois era “O Gigante Acordou”

Marcelo Lourenço – Exatamente, e aí todo mundo que tava aqui, e Portugal passou por uma crise barra pesadíssima, porque aconteceu aqui a mesma coisa que aconteceu nos Estados Unidos, ninguém alugava casa, todo mundo comprava porque as prestações eram muito estáveis e aí de repente o que você pagava pelo seu empréstimo triplicou, e aí muita gente começou a não pagar, as pessoas começaram a perder o emprego, foi um momento muito triste da publicidade portuguesa, da publicidade não, do país. E aí Henrique nessa altura, nessa época era uma festa de despedida por semana, porque as agências estavam bombando no Brasil, ia ter a Copa do Mundo, as Olimpíadas ou seja, tudo quanto era agência do Brasil abriu uma filial no Rio de Janeiro, e todo mundo falando “Nossa, eu vou fazer filme com Spike Lee, com David Fincher”, e aí voltou todo mundo mas sobraram tipo eu e o Edson, e aí eu nessa época 2008, a FUEL eu tinha começado em 2006, e ela tinha o background, o apoio de uma multinacional, a havas mas como a gente começou meio na crise, foi sempre uma agência super enxuta, e foi uma agência que já nasceu com departamento digital, então ela meio passou pela crise e foi um crescimento bem sustentável, o CEO  da FUEL é um fulano que tem uma abertura muito grande no grupo Sonae, que é um grupo, o maior grupo econômico de Portugal então isso não queria dizer que nós ganhássemos mas conseguimos apresentar e entrar em todos os concursos, as concorrências, então a agência cresceu muito. E nessa época já não vinha mais ninguém, agora quando a crise começou de novo no Brasil aí acho que tem muita gente vindo para Portugal, por duas coisas, além da crise, a violência no Brasil tá disparando de uma maneira absurda, eu falo com pessoas todas as semanas e o que mudou na maneira como os brasileiros vem agora é que nesses anos antes da crise alguém te mandava um email e dizia assim “Tô pensando em ir pra Portugal, como é que é?”, eu explicava, falava tudo isso que falei e a pessoa decidia ou não, e dizia uma coisa importante que era “Se você quer mesmo vir, se você tá decidido, pega umas férias, vem pra cá, fica duas semanas, vai à festa no Clube dos Criativos, vai mostrando sua pasta, deixa as pessoas verem sua cara”, contratar um criativo sem ver a cara da pessoa é muito estranho, e tinha gente que fazia isso, ganhava bem, ficava aqui mas agora não são só imigrantes, são quase refugiados né, eu tenho visto muita gente que diz assim “Chega não quero mais Brasil, não quero mais, obrigado”

Henrique de Moraes – É o meu caso né

Marcelo Lourenço – Então, e provavelmente o que te trouxe para cá foi essa saturação do que é o Brasil né, agora.

Henrique de Moraes – Sim, eu e a minha esposa a gente já tinha essa vontade de mudar há muitos anos, desde que a gente se conheceu a gente já falava sobre isso, sobre morar fora e acabou que quando ela engravidou a gente já tinha o plano de 2 anos, quando a gente mudou de apartamento a gente foi fazer um contrato de dois anos que daqui a dois anos a gente vai mudar, e acabou que ela engravidou nesse período assim de quando a gente estava pra alugar o apartamento a gente descobriu que ela tava grávida, e acabou sendo ótimo, caiu muito bem porque o apartamento era maior e tudo mais e quando ela engravidou ela falou assim “Cara não quero esperar 2 anos, com essa violência aqui do Brasil não quero ficar mais dois anos esperando, a gente vai ter a filhinha, tenho medo de como vai ser, não vou me sentir segura” e a gente acabou adiantando os planos e vindo antes, e aí foi a maior confusão né porque também a gente teve se definir vir em agosto, e aí entrou pandemia então a gente veio no meio do caos. Mas eu queria fazer uma pergunta que é, você ficou bastante tempo na FUEL, foram 13 anos se não me engano, é isso?

Marcelo Lourenço – 12

Henrique de Moraes – 12 anos, e como você falou agora quando vocês começaram eram 4 pessoas e chegou à número 1 do país então assim, você lembra se nesse tempo todo que você ficou, nos 12 anos, de algum momento em que você percebeu que as coisas estavam mudando na agência assim, de ela estar crescendo, tava ganhando mais atenção ou ganhando mais tração, alguma coisa assim ou o crescimento foi muito estável até chegar onde chegou?

Marcelo Lourenço – Quando você olha para trás tudo faz sentido, mas quando você tá no meio do tiroteio é tudo um blur, parece o desembarque na Normandia, parece o soldado Ryan, você não sabe direito o que tá acontecendo. Um dos grandes caras com quem eu trabalhei na minha vida foi o Dalton Pastore, o cara de business da Carillo Pastore, o Cláudio era um cara super criativo, o rei do bordão, rei das coisas que pegavam e o Dalton era o cara do negócio, uma vez ele me disse uma coisa engraçada, ele disse assim “A percepção de uma agência tá sempre 2 anos atrasada”, ele falou assim “Você pode ser a agência mais criativa do ano, do mundo, as pessoas só vão realmente falar “Aquela é a agência mais criativa do mundo” daqui a dois anos”, ele falou que demora para isso acontecer, ele disse também assim “Cara, toda agência precisa fazer 1 boa campanha por ano, não precisa fazer mais. Essa campanha te sustenta aquele ano, no resto você vai fazendo o trabalho do dia a dia” e ele falou que também acontece o seguinte, se você é melhor agência do mundo e as pessoas já te reconhecem como melhor agência do mundo, você pode fazer merda durante 2 anos, porque durante esses 2 anos as pessoa continuam achando que você é aquela agência que eles têm na cabeça, e isso é verdade, a agência FUEL foi uma agência que acho que conseguiu juntar duas coisas que não são muito comuns, ela tinha esse background da multinacional mas ela era meio uma startup assim porque tinham 4 pessoas e a coisa foi crescendo, e nós fomos crescendo à medida que nós fomos precisando ou seja, a gente só foi realmente ter um departamento digital quando a gente precisava de trabalho digital, e só teve um departamento de design quando isso foi necessário, Miguel Barros que é o CEO e dono da agência, é um cara muito esperto, muito business, e a agência foi crescendo muito. Só que outras dores de crescimento são uma tristeza né porque teve um momento que eu percebi que o fulano que fazia todas as campanhas, aprovava todas as coisas já não era mais eu, eu olhava e falavam como a agência foi crescendo, e esse era um dos grandes problemas com a direção da agência, ela passou a ter outras direções criativas e não concordava com a maioria delas e chegou o momento em que eu falei “Isso já não é mais a minha cara”, os incomodados que se mudem né, como eu ajudei a fazer uma agência que era número um de Portugal, foi a número um e era dentro do grupo Havas era a segunda agência mais premiada da Europa e a quarta agência mais premiada do mundo, eu falei “Eu não fazendo mais nada aqui, tá na hora de…” acho que é uma coisa que acontece com todo mundo, você que é um proprietário sabe disso, tem uma hora que você você pensa assim “Eu só quero pagar pelo meus erros, não quero ter que arcar com os erros dos outros, eu quero quero decidir uma coisa e fazer aquilo e levar até o fim porque eu acredito naquilo e se der errado, olha eu não queria mais fazer as coisas porque alguém tinha decidido que era desse jeito, saber que aquilo vai dar errado e foi uma mudança muito grande, isso foi em 2018 né ou seja, aconteceu também uma coisa que a agência cresceu muito e a virada desses dois anos que nós viramos a agência, a FUEL era o lugar onde todo mundo queria trabalhar, eu e o Bexiga fizemos uma campanha em 2011 que ganhou o Leão de Ouro, Portugal, das campanhas que ganham o Leão e ainda mais de Ouro em Portugal são poucas, então aquilo colocou a agência num patamar mesmo internacionalmente e aí de repente ela virou uma agência que ganhava muitas contas e fazia muitas campanhas grandes, mas passou a ser uma agência cool assim e aquilo foi crescendo muito, mas como quem faz sabe exatamente o que tá acontecendo eu já achava que não era a mulher dos meus sonhos assim, achei que era hora de pedir o divórcio.

Henrique de Moraes – Eu vi uma fala sua que dizia que as estruturas das multinacionais te obrigavam a ter ideias que não eram exatamente as ideias que queria ter né, e você sentiu, como é que era nesse sentido, você falou aí que você não concordava com as outras lideranças criativas né mas você também sentia que você tava perdendo sua liberdade criativa de alguma forma?

Marcelo Lourenço – Não, pra mim talvez o grande dilema era assim, primeiro numa agência grande, os clientes médios vão sempre pro final da fila, é sempre o estagiário que vai fazer, quando acho que as agências de publicidade elas em algum momento tentaram competir com as consultoras, e tentaram competir com as produtoras ou seja, isso tem a ver com a mudança do digital e as agências estão sempre tentando apresentar uma solução adequada pro que está acontecendo agora que é assim, olha eu tenho certeza que as agências não estivessem com a pandemia, estariam todas pensando assim “Nós precisamos criar um departamento de Tik Tok, vamos chamar os jovenzinhos todos que sabem fazer Tik Tok”, depois você criava aquele departamento de Tik Tok, e como você já criou o departamento porque um cliente seu disse “Vocês fazem campanha no Tik Tok?”, “Ah faço, e não só, tá vendo essa sala aqui só com millennials de 20 anos? Eles são especialistas em Tik Tok”, e aí depois a agência se sente na obrigação de pra todos os clientes falar assim “Não, você precisa fazer uma campanha no Tik Tok”, não porque é o correto ou porque é o melhor pra sua marca, mas porque você precisa render o departamento de Tik Tok que você tem, e isso acontecia muito com o departamento de conteúdo, e eu senti que eu não tinha liberdade de falar pra um cliente “Olha, o que você precisa mesmo é mudar o seu rótulo”, ou “O que você precisa mesmo é fazer uma campanha de rádio”, ou “O que você precisa mesmo é fazer um novo site”, porque você tinha sempre essa obrigação de sustentar a máquina ao qual você trabalhava. É por isso que, duas coisas, é por isso que a nossa agência agora se chama Coming Soon, porque eu não sei se o Tik Tok vai viver o ano que vem, eu realmente não sei, ninguém sabe e mais, eu sei de uma coisa, seja o Tik Tok, seja a TV, seja o raio que o parta da rede social que aparecer, o que vai contar é uma boa ideia, um bom conceito, uma maneira de chegar até as pessoas. Ou seja, a gente tem que pensar no que vem aí, não no que está acontecendo agora, e daí o nome Coming Soon e aliás, isso nem é mérito meu, é que quando nós pedimos demissão da FUEL, nós saímos, pedimos demissão e queríamos sair o mais rápido possível mas como o Miguel Barros sempre foi um excelente CEO, nós fizemos esse acordo de ficar até ele contratar alguém, ficamos 3 meses lá e nesse meio tempo o Jacques Séguéla que é o líder espiritual da Havas, que é o cara que criou a Euro RSCG, que é um dos caras mais criativos que eu já conheci apesar de ter 85 anos, a secretária dele nos escreveu falando “O Jacques quer falar com vocês em Paris”, aí nós fomos eu e o Bexiga até lá pra almoçar com ele e ele perguntou “Porque vocês vão sair da agência?”, aí eu meio que discursei, falei “Porque é o momento da minha vida, que eu quero”, ele nem perdeu muito tempo e falou assim “Olha, é por isso que todo criativo tem que abrir a sua própria agência, e vocês já sabem o nome da agência?”, não sabia, ele disse “Então, uma agência agora não pode ser uma agência de publicidade, ou de digital, vocês tem que perder essa nomenclatura, vocês tem quer ser uma agência pras coisas que vem aí”, e ele falou que um bom nome era “Next, é o que vem aí”, eu falei “Putz, que puta nome”, e o Jacques Séguéla é uma lenda lá na França, então enquanto a gente tava almoçando com ele no restaurante, três pessoas, gente normal assim do restaurante veio assim “Posso tirar uma selfie com o senhor, senhor Séguéla?”, e ele levantou, tirava foto com eles. E mais, ele disse assim “Não lancem agência antes de ter clientes, isso é coisa de amador. Quando vocês tiverem 3 clientes vocês lançam a agência, e me avisem que vou pra lá pra estar na festa de lançamento só pra dizer ‘A publicidade precisa de bons concorrente, e os senhores são concorrentes da minha agência mas isso é bom pro mercado todo”, olha que elegância. E nós chegamos aqui, “Next” era impossível de usar o nome, e aí chegamos nesse “Coming Soon” que era uma coisa que nós achamos diferente, mas estamos numa batalha legal também pra conseguir o nome finalmente assim mas seguimos o conselho dele, nós ficamos 6 meses que as pessoas falavam assim “Como é que é, como vai ser a agência, o nome?” e só quando nós lançamos nossa terceira campanha é que nós falamos “O nome da agência é Coming Soon”, e aí começou a agência.

Henrique de Moraes – Perfeito. Eu acho que essa sacada de entender que, tem uma frase que já virou clichê né, que a única constante hoje é a mudança né, e acho que essa sacada foi realmente uma escolha de nome muito feliz porque de fato não tem como a gente prever né, há poucos anos atrás o Facebook era a revolução, hoje em dia o Facebook é um peso morto

Marcelo Lourenço – Coisa de velho né

Henrique de Moraes – Exatamente, então não tem como a gente ficar parado realmente

Marcelo Lourenço – É uma questão de biologia cara, Darwin que diz que quem sobrevive não é o mais forte, o mais rápido, é quem se adapta melhor. Agora é engraçado, quando nós começamos a agência, acho que começamos no momento certo porque tá tendo aí um renascimento das agências de criativos, muita agência de criativos de Portugal, “O Escritório”, que é uma das agências mais premiadas em Portugal, fundada pelo Nuno Jerónimo meio que abriu esse caminho né, é uma agência com 10 anos já e os clientes grandes começaram a se sofisticar num sentido de que qualquer marca tem um motion graphics, tem o fulano do digital, tem o fulano que faz as redes sociais, e talvez há 10, 8 anos atrás as marcas começaram a pensar “Eu tenho tudo isso em casa, não preciso de agência, não preciso de criativo”, só o que aconteceu, faltava ideia, faltava interesse, faltava graça, e aí fulano tem aquela estrutura e “Putz, bom mesmo é se a gente conseguisse alguém que nos ajudasse aqui na parte criativa”, é o que tem acontecido, tem muita agência trabalhando por projeto, a gente trabalha também por projeto, e quando nós começamos marcas grandes começaram a nos chamar pras concorrências todas, no começo era “Vamos chamar aqueles aqueles dois caras que fundaram uma agência pra ver só o que esses malucos tem para dizer” foi bacana mas foi horrível ao mesmo tempo porque todas as concorrências que nós participamos nós perdemos, todas, porque eles não nos chamavam para usar na conta, eles nos chamavam pra ver uma campanha diferente que os convenceria a escolher a campanha certinha, e aliás o primeiro Natal da nossa agência, nós começamos a agência em junho, e teve um dia 23 de dezembro, que 3 clientes diferentes nos ligaram pra dizer “Olha, tô ligando pra dizer que vocês não ganharam”, nossa uma dureza assim, mas aí o que aconteceu, saiu a WOOK que é uma livraria online em Portugal, é a maior livraria online de Portugal, apostaram em nós, a Hermana Noronha e Rui Aragão que são as pessoas que estão à frente, nos deram uma oportunidade, nós fizemos uma campanha que deu super certo, uma segunda campanha que deu certo, e isso foi trazendo mais coisas assim porque, sabe quando a discoteca tá vazia e precisa alguém dançar pra todo mundo começar a dançar? Então, a primeira pessoa que dançou na nossa discoteca, o primeiro cliente foi WOOK, porque foi um cliente que apareceu bastante, e agora nós somos contactados assim por cliente grandes, nos chamaram pra esse concurso do ActivoBank que é um banco digital de Portugal, eu falei pra eles quando nos chamaram “Tem certeza que vocês querem trabalhar com uma agência que tem duas pessoas?”, eles disseram “Não”, eu falei “Olha, a gente não tem nem escritório”, eu e o Bexiga passamos 1 ano e meio trabalhando numa praça de alimentação, então eles disseram “Não, é isso” e pra nossa surpresa, eles chamaram 6 agências das maiores agências de Portugal, concorrentes de peso e quando nós ganhamos essa concorrência, que acho que o mercado todo falou assim “Os caras são a sério”. E aí foi que nós tivemos a necessidade de falar “Bom, chega de trabalhar na cozinha da minha casa, vamos ter um escritório”, que é um cowork também e acho que sempre vão existir os clientes que querem uma agência com uma entrada de mármore e com uma sala de reunião com 50 lugares, mas eu não estou interessado nesses clientes, esses clientes podem ficar com as multinacionais e não há mal nenhum nisso. Agora, há muita gente que quer mesmo ver uma boa ideia e ver alguém que esteja realmente preocupado com a sua conta

Henrique de Moraes – Eu tenho a sensação e assim, eu tenho uma relação meio paradoxal com o meu próprio mercado né, que eu tenho a sensação de que as agências que vão sobreviver são as agências que, foi como você falou assim, que são na verdade parceiros de negócios, não são as pessoas que estão querendo te empurrar um tipo de mídia, no Brasil isso é muito pior né, porque acho que aqui as agências não, pelo que eu entendi, a mídia é separada né.

Marcelo Lourenço – A publicidade brasileira tem essa força toda porque a mídia tá dentro das agências

Henrique de Moraes – Exatamente, e que acaba causando uma coisa que é meio antiética porque, é o que a gente tá vendo lá, o motivo das agências grandes estarem morrendo é exatamente esse né porque elas ficaram tentando empurrar filmes, filmes, filmes porque ia pra TV e o budget era maior e esqueceram de olhar para todo o resto, e aí de repente as agências que estavam olhando para todo o resto vieram tomando de assalto né, então é lógico, muitas agências sobreviveram e se adaptaram e se ajustaram mas muitas foram pro saco né, a verdade é essa. Só que o que acontece, o que eu vejo assim e que é minha maior luta eu acho é o seguinte, a gente tem nossos clientes que a gente atende, e a gente normalmente, uma empresa quer crescer né, normalmente, não precisa ser uma regra mas normalmente uma empresa que crescer, e a forma que uma agência cresce normalmente é ou pegando uma conta maior ou pegando mais contas só que quando você pega mais contas, normalmente a tendência é a entrega piorar porque primeiro, você vai ter que colocar mais gente, e aí às vezes você tem que contratar as pessoas correndo, e você não tem tempo de treinar essa pessoa, de ensinar a cultura da agência, ou nem de fazer a pessoa passar por um momento de imersão ali no cliente enfim, todas essas coisas que são muito importantes né pra que uma entrega seja relevante, e eu acho que nesse momento a coisa começa a ficar desconexa e aí as pessoas começam a olhar para conta como um grande paycheck ali né, tipo “Essa conta nos dá esse valor aqui”, mas não tá olhando de fato para quais são os problemas que aquele cliente tem, como você falou, será que ele precisa de um filme, será que precisa de uma campanha ou será que ele precisa refazer a marca, se reposicionar, olhar um pouco pra dentro né e não tanto pra fora de repente, e quando a agência tá muito focada em crescer e talvez esse tenha sido um dos problemas da agência que você passou, da FUEL, que acabou crescendo muito, começa a criar vários departamentos para cada coisinha, né para cada detalhe tem que passar por um processo enorme de aprovação enfim, tudo isso acho vai que de certa forma eliminando, vai minando a sua criatividade né

Marcelo Lourenço – É, a gente passa bastante a te olhar como alguém que tá mais preocupado com a porcentagem que agência vai ter. Os americanos têm uma frase engraçada que dizem assim “Quando você é uma martelo, qualquer problema que aparece é um prego” ou seja, você é um martelo cara, você tá à procura e falando pra todo mundo “Não, um prego resolve isso” ou seja, não é você que tem que decidir porque você tem a ferramenta, às vezes é um parafuso, às vezes não sei o que, às vezes é uma coisa digital, e o digital também, as pessoas diziam “A televisão vai acabar” e acabou de certa maneira, mas o filme não, porque o digital é cada vez mais filme, e era uma coisa que me deixava preocupado porque todos os criativos que eu contratava, eu passava um briefing e vinha “Ah tem aqui essa ativação que vai dar um videocase e não sei o que”, começavam a me contar, a FUEL fazia muita TV porque tem clientes que são de TV, o Continente que é um supermercado, falava “Cara maravilha mas eu preciso de um filme de 30 segundos e um spot de rádio, e depois a gente concentra e faz uma coisa paralela” e essa malta mais nova não conseguia fazer isso porque eles não estavam acostumados, não era o que as agências pediam pra eles fazer né, e acho que a arte de fazer filmes é uma coisa que tá em falta porque as marcas precisam né, as redes sociais, o Instagram, tá tudo minando pra imagem que se mexe e o que acontece é que as agências, é como você falou, no Brasil era isso mesmo, o pessoal pensava assim “Ah, eu vou fazer 10 filmezinhos pra internet que vão custar uma ninharia, ou vou empurrar pra ele e falar “Não, você tem que fazer um lançamento na Rede Globo”, aí chega uma hora que primeiro, quem são os clientes que tem dinheiro pra fazer um lançamento da Rede Globo? Ao mesmo tempo tem aí um universo de novos clientes que precisam de boas ideias e boa comunicação no Instagram, nas redes sociais, e precisam fazer um filme que vai durar uma semana, não aquele lançamento que vai demorar dois anos, que as pessoas vão repetir e repetir. É nessa praia que a gente tem navegado, porque as pessoas percebem que “Ah preciso fazer uma coisa para o dia dos pais, e não tem muito dinheiro”, e é só pro dia dos pais, não vai ser aquela campanha trimestral, mas eu quero fazer uma coisa boa, será que não dá para fazer uma coisa boa com menos dinheiro? É isso que a gente tem tentado, mas esse é um mindset que não é todo mundo que virou a chave para ir porque imagina pra uma produtora é muito mais confortável falar “Não, eu tô aqui, eu só faço filmes de meio milhão de dólares e não me interessa”, eu mesmo tive várias conversas com várias produtoras falando “Olha eu não tenho um milhão, meio milhão mas tem aparecido cada vez mais filmes de 10 mil, 15 mil euros, vamos fazer?”, e algumas disseram “Não muito obrigado”, e isso não me interessa em nada e pronto, tô eu aqui fazendo as coisas.

Henrique de Moraes – Acho que esse mundo tá mudando de fato e no final das contas vai ser isso, vai ser a criatividade que vai salvar junto com essa visão de parceria, pelo menos a forma que eu enxergo é isso, se você é parceiro do seu cliente e no final das contas a entrega que vale é a criativa porque mesmo que você saiba todas as informações para conseguir otimizar uma campanha, nada supera quando ela tem um alcance orgânico maior

Marcelo Lourenço – Exato, nada supera

Henrique de Moraes – Então assim, acaba que toda mídia paga hoje em dia, eu enxergo como mais um reforço, mas o que vale na verdade é o que você conseguiu fazer organicamente. Tem uma agência lá, não dá nem pra considerar agência, no Brasil agência é quem compra mídia né, mas tem uma empresa lá no Brasil que ficou bem popular, não sei se você já ouviu falar, a Soko

Marcelo Lourenço – Já ouvi falar mas não me inteirei profundamente

Henrique de Moraes – Então, a Soko eles focaram, eles criaram uma agência que não tem mídia, o que no Brasil não existe, eles se colocam mais como uma assessoria de imprensa do que de fato como agência, e o que eles fazem é, eles falam que são uma empresa data-driven né ou seja, que estuda os dados ali mas eles não estudam para falar assim “Ah beleza vamos colocar nesse formato”, aquela coisa mecânica né, que normalmente o cara de mídia é assim né especialmente o mídia atual, mas eles estudam para entender qual a narrativa vai funcionar melhor para aquela história ali, para aquela aquela campanha e eles focam no que eles chamam de earned media, que no final das contas é o alcance orgânico, é quanto você vai ter de mídia sem precisar colocar verba de mídia e eles tem uns cases muito legais assim, vale a pena dar uma procurada. Eles são de um grupo que é bem grande, o maior grupo de comunicação do Brasil que é a Flag né, que tem a Cubo, a Mesa, algumas empresas bem legais. A gente vai transitar aqui para uma segunda etapa da conversa onde eu vou fazer algumas perguntas que são um pouco mais diretas assim, não que você precise responder rápido mas elas são perguntas que eu faço pra vários convidados e a galera pede sempre pra manter essas perguntas, que acabam que sempre tem alguma dica interessante. E a primeira delas é, se você pudesse falar pro seu eu de 10, 15 anos atrás, se você conseguisse falar com essa pessoa, seu eu de 10, 15 anos atrás, no que você diria pra ele ter mais calma?

Marcelo Lourenço – Putz, é uma boa pergunta, eu acho que se eu encontrasse comigo de 10 anos atrás primeiro, meu eu de 10 anos atrás tava assim “Puta cara, o que você fez com a gente?”, novamente o Fernando Sabino, e nesse livro dele “O Menino no Espelho”, ele tem lá uma frase, que acho que é do pai dele, essa frase que originalmente foi criada pelo Fernando Sabino. é muito repetida na internet e ela se perdeu um pouco assim, ele dizia que sempre que ele tava preocupado ele falava com o pai dele e o pai dele dizia “Porque que você tá preocupado?”, e ele dizia “Porque tá tudo dando errado”, e o pai dele sempre dizia “Não se preocupa, no final dá certo”, e aí um dia ele encheu o saco e falou assim “Puta que pariu, quando é que é o final? Tá tudo dando errado”, e ele falou assim “Se tá tudo dando errado é porque ainda não é o final, porque no final tudo dá certo”, provavelmente nessa altura eu já, eu de 10 anos atrás já conhecia essa frase, eu só diria pra mim mesmo “Sabe aquela frase do Fernando Sabino? É tão verdade cara, não se preocupa porque no final tudo dá certo, as coisas se ajeitam, não se preocupa”

Henrique de Moraes – Perfeito, muito bom, excelente. Quais foram os livros, e aí até 3 assim, tento manter um limite porque senão até pra mim é difícil falar até 3 mas vamos tentar manter, quais foram os 3 livros que mais impactaram sua vida, acho que esse é um deles né

Marcelo Lourenço – É cara, o Fernando Sabino, é até triste o Fernando Sabino estar fora de moda agora, é engraçado, acho que os livros que eu li que mais explodiram minha cabeça foram os livros que eu li e falei assim “Nossa eu não sabia que se podia fazer assim”, como todo mundo que gosta de escrever adoro Hemingway, adoro Luis Fernando Verissimo, essa maneira de escrever simples como as pessoas falam, talvez o Luis Fernando Verissimo tenha me influenciado nisso porque caramba, é assim que se faz né, as pessoas falam assim, mas acho que o livro que eu li que mais me fez pensar “Eu nunca tinha visto isso antes” foi “O Amor nos Tempos do Cólera”, do Gabriel García Márquez porque o cara inventou um estilo completamente diferente, a maneira como ele escreve, eu me lembro de uma frase desse livro que ele dizia que “a mulher estava ficando velha” e em vez de dizer isso ele dizia assim “Aquela mulher que a pele estava a perder a doçura”, e cara é uma prosa que quase, é uma poesia assim, mas talvez a coisa que eu li que mais mexeu comigo e mexe comigo até hoje, eu sempre leio, eu queria aqui citar o Tolstói e o Dostoiévski mas eu vou ter que citar mesmo o Frank Miller, eu adoro quadrinhos e eu era um adolescente quando saiu “O Cavaleiro das Trevas”, e aquilo explodiu minha cabeça mesmo, eu não sabia que alguém podia pegar uma mídia como os quadrinhos e fazer tudo diferente, o cara fez um Batman velho, a gente “Como assim um Batman velho?”, fez um Batman completamente descontrolado, criou uma narrativa em que a televisão era parte da narrativa ou seja, os comentários eram vistos através da televisão ou seja, sempre que acontecia alguma coisa aparecia a televisão falando “O Cavaleiro das Trevas foi visto” e pegou o Super-Homem e transformou num personagem da extrema-direita, mas tudo isso que o Frank Miller fez, se você falar assim, tem essa frase que é assim “Ser criativo por ser criativo não leva à lugar nenhum”, ele dizia “Pegar uma vaca e cortar as tetas dela é criativo, mas ela vai dar leite depois disso?”, que era pra dizer assim, não adianta ser só criativo, a sua criatividade tem que levar à alguma coisa, e todas as coisas que aconteceram com o personagem Batman nesse “Cavaleiro das Trevas” me inspiraram, ele foi o primeiro que disse assim “Por baixo da roupa do Batman tem uma armadura”, ou “O batmóvel é afinal um tanque de guerra”, não é um carro todo aberto, todo bonito como o Adam West, então eu sempre releio “O Cavaleiro das Trevas” não só porque eu gosto do Batman, não só porque eu gosto de quadrinhos, porque aquilo me relembra que você pode ser um artista de 30 anos, te darem, olha só o briefing cara, te darem o personagem mais valioso da DC, que é o Batman, e falarem assim “Faz o que você quiser com isso”, e você fazer uma coisa que é completamente criativa e que é um sucesso absurdo de negócios, então eu sem exagero, de todos os anos tudo que eu leio, aliás eu tenho várias cópias de “O Cavaleiro das Trevas” porque todas as cidades da Europa que eu visitava, quando eu encontrava uma loja de banda desenhada como se diz em Portugal, eu comprava uma edição do Cavaleiro das Trevas, então eu tenho em norueguês, francês, inglês, espanhol, italiano, dinamarquês, finlandês e a minha mulher tá sempre falando “Você tem tudo isso igual”, depois comprei a versão extendida, comprei a versão de luxo, versão separada porque é uma obsessão que eu tenho, e não sei se alguém que ler “O Cavaleiro das Trevas” hoje vai ter a noção de quanto aquilo foi revolucionário, o quanto aquilo foi “O Álbum Branco” da banda desenhada porque falou pra todo mundo “Vocês podem fazer o que vocês quiserem aqui” e acho que é um bom exemplo pra qualquer criativo porque, aliás eu tô sempre usando esse exemplo com os criativos mais novo que é assim, “Ah não, supermercado a campanha tem que ser assim porque todo mundo faz assim em supermercado”, “Carro tem que ser assim porque todo mundo faz”, mas quem é que disse, onde é que tá escrito que tem que ser assim? E “O Cavaleiro das Trevas” é a minha bíblia que me faz sempre lembrar disso.

Henrique de Moraes – Tem uma entrevista do Steve Jobs, que é uma entrevista perdida, tava na Netflix não sei se ainda tá mas dá pra encontrar no YouTube e essa entrevista toda é uma aula de tudo, de gestão, de negócios, de trabalho em equipe, tem tanta coisa ali que eu fico impressionado até hoje, embora o Steve Jobs tenha tido seus problemas também, eu acho que se você ouvir ele falando você já percebe que é uma pessoa que é diferente porque a forma como ele constrói uma narrativa para explicar uma pergunta simples em uma resposta de 10 minutos e ter início, meio e fim, em que ele construiu aquilo em segundos, eu acho uma coisa incrível, acho que é pra muito poucas pessoas, mas tem uma hora que ele fala sobre isso, ele fala assim que as pessoas depois de um tempo quando você tem um sucesso né, elas acham que o que fez aquele sucesso foi aquilo ali né, e eles criam um processo para tentar replicar aquele sucesso anterior, eles não entendem que na verdade o valor não está em você replicar o sucesso anterior, tá em você criar novas coisas, você renovar seu olhar para aquilo né, e é lógico que ele explica isso de uma maneira muito mais brilhante.

Marcelo Lourenço – Sabe que o Picasso tem uma frase muito parecida, porque o Picasso diz assim “Copiar é feio, copiar a si mesmo é horrível”, pô o Steve Jobs é daquelas pessoas que, tenho certeza que era um tremendo filha da mãe, deve ter sido muito duro trabalhar com ele, mas de vez em quando a revista Archive fazia umas entrevistas com pessoas de determinados países e uma vez pra um entrevistado perguntaram “Qual que é o seu objetivo na publicidade?”, é uma entrevista antiga, o Steve Jobs tava vivo ainda, ele disse “Eu queria um dia fazer uma campanha que fosse aprovada pelo Steve Jobs”, porque quem aprova o “think different”, pra mim é a melhor campanha de sempre, melhor conceito.

Henrique de Moraes – Cara,eu tenho um trecho dessa propaganda tatuado em mim, pra você ter uma noção

Marcelo Lourenço – Então você sabe exatamente o que é bom, porque eu acho essa campanha espetacular cara, e é isso o Steve Jobs, tem aquele famoso discurso dele né pros alunos lá, é espetacular e eu adoro frases, adoro quotations, procura “quotes Steve Jobs” e nossa, uma frase melhor do que a outra

Henrique de Moraes – Ele é sensacional. Cara, eu recomendo muito essa entrevista

Marcelo Lourenço – Tava no Netflix que você disse?

Henrique de Moraes – No Youtube com certeza você encontra,The Lost Interview e que foi exatamente isso, foi uma entrevista que ele deu pra Wired se não me engano e que se perdeu, e um dos diretores sei lá, encontrou um K7 antigo na casa dele e era a entrevista, e eles resolveram pegar, editar, botar um trecho e disponibilizar porque eles achavam que era muito rica para estar perdida, e cara eu juro é uma aula, vale a pena, eu já assisti umas três vezes

Marcelo Lourenço – Você já viu ele apresentando a campanha do “Think different”?

Henrique de Moraes – Já, é sensacional

Marcelo Lourenço – Ele tá numa salinha de reunião, que ele tá falando porque a campanha é boa, você já viu esse vídeo?

Henrique de Moraes – Cara não tenho certeza

Marcelo Lourenço – Parece fajuto, daqueles que quando você passa pro digital dá aquelas tremidas, e aí cara ela tá explicando aquilo, agora toda gente apresenta campanha, eu incluído, com PowerPoint, com Keynote, você faz lá as coisas e mostra não sei o que, e ele tá só falando e ele diz assim, “Essa campanha, as pessoas acham que a Apple, o Macintosh, a Apple é cara e é pra uns malucos, pra poucos. Nós não somos poucos, nós somos poucos porque nós somos especiais” ou seja, uma coisa que era completamente nicho, ele conseguiu dizer sim “Se você pensa diferente, não importa se você é dentista, não importa se você é jornalista, não importa se você é contador, se você pensa diferente esse computador é para você também” ou seja, ele conseguiu criar uma coisa que é para nicho que toca toda gente, eu acho de uma, não só da beleza criativa mas de uma beleza estratégica que basta olhar que você fala “Eu preciso de um Apple”, apesar do cara ter morrido há tanto tempo, eu não consigo trocar o iPhone por um Samsung, que é o que todo mundo me diz “Não, Samsung agora é muito melhor e tal”, eu não consigo, eu não posso trair o Steve Jobs assim e passar para outra marca, então acho que é o melhor de todas assim

Henrique de Moraes – A frase que eu tatuei é aquela no final que ele fala “As pessoas são loucas o suficiente pra acharem que podem mudar o mundo, são as que normalmente fazem”, eu acho sensacional. Nessa entrevista tem uma coisa que eu acho muito bonita que ele fala e que você vai provavelmente se identificar com isso e todo mundo que trabalha com criatividade, com projeto, com time se identifica, que ele fala o seguinte, falam que muita gente relata que ele é muito difícil de trabalhar na equipe do Macintosh, e ele fala “Provavelmente muitas pessoa vão falar que foi o pior momento da vida delas, muitas vão falar que foi o melhor”, aí ele fala assim, “Na rua onde eu morava quando era pequeno tinha um cara estranho, as pessoas tinham medo dele, uma vez ele me chamou pra ir na casa dele e ele foi me mostrar um negócio que polia rochas, e ele falou “Pega umas pedras aí na rua e joga aqui dentro que você vai ver e volta amanhã”, aí ele pegou umas pedras, o cara botou lá e o negócio ficava fazendo um barulho insuportável com as pedras se batendo ali dentro, no dia seguinte quando ele voltou as pedras estavam polidas, lindas, lisas e brilhantes, e ele falou que ele levou aquilo como uma metáfora de como é um trabalho em equipe né, porque ele fala que não final das contas é isso, você vai brigar, vão ter discussões, às vezes vai ser feio, vai fazer barulho mas no final essa pedra polida é o que faz valer a pena né todo esse processo. Cara eu acho isso muito bonito, essa forma de enxergar, como ele faz essa comparação né, acho sensacional.

Marcelo Lourenço – E que quem quer fazer qualquer coisa em equipe, não pode ter medo de brigar, e não pode ter medo, talvez a frase que eu mais falei na minha vida enquanto diretor criativo foi “Isso não é pessoal, isso é só trabalho”, mas eu também detesto gritar, não que eu não grite também, mas depois isso me faz mal então venho tentando há muito tempo achar um meio termo, que é tentar falar o que eu tenho pra falar da maneira mais justa possível, porque acho que quando as coisas passam, o que fica é “Aquele fulano foi justo comigo ou não?”, e me parece que o Steve Jobs não era exatamente essa pessoa mas vem cá, ninguém é perfeito né, cada um tem a sua fama né

Henrique de Moraes – Verdade. Aproveitando que a gente está nesse momento de admiração aí, de culto ao Steve Jobs, eu queria saber quem é a pessoa que você mais admira, e porque? E aí não precisa ser uma pessoa famosa, da mídia, pode ser qualquer pessoa tá?

Marcelo Lourenço – Cara, eu tenho tantos ídolos, eu acho que no cinema tem um trilhão de pessoas, na profissão tem outro trilhão de pessoas mas vou responder de outra maneira, talvez a pessoa que mais tenha influenciado a minha vida até hoje foi o meu avô, nossa para ser uma resposta da revista Caras, parece resposta de Miss Universo

Henrique de Moraes – Não tem certo e errado aqui cara, tá saindo do coração

Marcelo Lourenço – Ele me ensinou uma coisa que eu tento fazer com as minhas filhas, e que é uma coisa que é um acalento em todas as horas. Cara o meu avô faleceu quando eu tinha 16 anos, mas nesses 16 anos que a gente viveu juntos, ele era o pai do meu pai, e ele tinha uma dessas profissões, pra falar em como o mundo tá mudando, que foram engolidas pela tecnologia, ele era alfaiate, então ele andava com aquele chapéu de Indiana Jones, mas um chapéu Don Draper assim, e ele andava sempre com calças de fazenda e tal, mas a profissão dele, quando ele tinha uns 50, 60 anos desapareceu porque as pessoas passaram a comprar todas calças jeans e comprar tudo nos shoppings, então ele que tinha uma vida bacana entrou naquele terreno obscuro de estar quase na pobreza, mas nunca perdeu a pinta viu, e ele me ensinou uma coisa que é, que eu acho que o maior presente que alguém pode dar pra outra pessoa, eu tinha certeza que se eu fosse um serial killer e matasse zilhões de pessoas e jogasse uma bomba atômica em Nova York, mesmo assim ele ia ficar do meu lado, que é aquela coisa de “pelo menos tenho alguém que sempre vai gostar de mim não importa o que eu fizer”, não que eu tenha feito coisas horríveis, eu tinha essa sensação e acho que é a dádiva que eu gostaria de dar pras minhas filhas, que elas pensassem assim “aconteça o que acontecer, aquele cara sempre vai gostar de mim”, e apesar de ele já ter morrido há 35 anos, esse sentimento é uma coisa que me deixa feliz até hoje sabe, “Putz, aconteça o que acontecer o meu avô Getúlio ficaria do meu lado”, e pra mim foi uma prova de amor da minha mulher porque quando ela ficou grávida pela primeira vez, da minha primeira filha, durante um tempo achamos que nós teríamos um menino e ela falou “Ah, um menino que nome a gente dá?” e eu falei “Só consigo pensar num nome, que é o nome do meu avô”, e ela falou “Se é tão importante para você pode ser, como é que seu avô se chama?” eu falei “Getúlio”, e ela ficou branca mas manteve-se firme durante aqueles 3 meses até a gente saber que era uma menina, mas acho que de uma maneira inconsciente acabou sendo Júlia porque é meio próximo de Getúlio, eu não sei explicar mas de todas as coisas, de todas as pessoas que me influenciaram acho que o meu avô é a pessoa que mais me marcou até hoje

Henrique de Moraes – Perfeito

Marcelo Lourenço – Pronto, já posso ser Miss Universo agora, só não posso aparecer de maiô né cara

Henrique de Moraes – E se você fosse participar de um TED, dar um TED Talk,  e você não pudesse falar da sua profissão, de marketing e propaganda, qual tema você escolheria?

Marcelo Lourenço – Eu acho que escolheria dois temas que são, uma coisa que acho que tô ficando perito que é “como ser pai de meninas”, esse é um grande desafio, tem técnicas, acho que eu poderia ajudar

Henrique de Moraes – Posso te perguntar uma técnica?

Marcelo Lourenço – Uma técnica? Cara se você não aprendeu a ouvir, agora é a hora porque metade dos seus problemas se resolve se você prestar atenção, se você ouvir porque os homens não precisam falar tanto, nem gostam de falar tanto, e os homens pensam, decidem e fazem, mas as mulheres, da minha experiência elas precisam expressar em palavras as coisas que elas estão sentindo e as decisões que ela vão tomar, então não existe essa coisa ou não ajuda nada essa coisa que você fala com um rapaz “Para de chorar, limpa a poeira e vambora”, isso não funciona com menina cara, você tem que ouvir, tem que falar “Putz, pois é” e não é tão difícil assim, se você vencer a biologia e falar “Ok, vamos lá, conta lá como é que foi o seu dia”, por isso quando um homem chega em casa e a mulher fala “Como é que foi seu dia?” vem aquela coisa boring, você fala assim “Ah, foi horrível”, então acho que seria isso, e eu fiz uma apresentação no Creative Express aqui em Lisboa, que é a coisa do Art Directors Club of Europe, que é pra jovens criativos e que é uma coisa que eles pediram para eu reapresentar no ano seguinte, que era uma apresentação chamada “Fuck the Shark”, “Que se Foda o Tubarão”, que era sobre como você precisa não ter medo do fracasso, às vezes o fracasso te fecha uma porta e abre outra que é exaramente a porta que você tem que percorrer, e o porque chama “Fuck the Shark” porque tem a história do Spielberg, quado ele fez o filme “Tubarão”, que ele encomentou um tubarão mecânico e não funcionava aquilo e ele começou a chorar no trailer dele, falou “Acabou minha carreira”, já tava com o filme atrasado 3 meses, os caras falando “Acabou,acabou”, “Quem é esse cara?” era o primeiro filme grande do cara e aí ele teve essa visão e falou assim “Eu não posso mostrar o tubarão, então não vai ser um filme de monstro, vai ser um filme à la Hitchcock, eu nunca vou mostrar o tubarão, vou colocar uma música”, e isso transformou o cara no diretor de cinema mais famoso do mundo, essa decisão no meio do desespero, quando ele falou “Putz ok, que se foda o tubarão, que se foda que eles querem me mandar embora, que se foda que tá 3 meses atrasado, que se foda, vou fazer o filme que eu quero”, e às vezes o desespero é um conselheiro tão grande cara. Então essas duas, com medo de repetir essa apresentação que eu fiz, eu acho que é uma boa coisa para se dizer.

Henrique de Moraes – Perfeito, muito bom, foda-se o tubarão, vou usar isso. Deixa eu aproveitar aqui, você falou da paternidade aí né, você falaria sobre ser pai de meninas né, dicas práticas para ser pai de meninas, você tem um livro né, que é “O Livro Dos Grandes Direitos Das Crianças”, você pode falar um pouquinho sobre o projeto?

Marcelo Lourenço – Esse livro tem uma história engraçada, eu trabalhei na Taterka em São Paulo, que é a agência do McDonald’s, ainda não sei se é a agência do McDonald’s, e olha por falar em mídias, uma das grandes coisas do McDonald’s naquela época eram aquelas toalhinhas de bandeja que eles colocam, e eu cheguei lá, o Toninho Neto que tava ali, já tinha feito uns engraçados e aí um grande amigo meu, o Hiro Kawahara foi pra Taterka, e nós começamos a fazer uns projetos de toalhinha de bandeja, e fizemos um projeto que era uma releitura dos direitos das crianças, e aquilo avançou, acabou não saindo, ficou lá como tantas coisas e nesse meio tempo eu fui para Portugal e o Hiro virou uma celebridade no mundo da ilustração, ele começou a fazer, ele pegou nessa ideia e começou a fazer as toalhinhas de bandeja uma mais engraçada que a outra, virou uma celebridade, e ele desenha super bem, e aí um dia ele me ligou aqui e falou assim “Olha, a editora quer que eu lance um livro, e se a gente resgatasse aquelas toalhinhas de bandeja e esticasse e fizesse um livro?” E aí aquilo tinham 12 leis, era uma releitura dos direitos das crianças porque eu tava na agência e li sobre, na altura eram 10 anos, 15 anos da declaração dos direitos das crianças, e eu falei “Não acredito, faz só 15 anos que existe o Estatuto da Criança e do Adolescente?” que horros isso, direito à comida, direito à integridade física, direito à um lar, e o que me levou a escrever isso com o Hiro foi pô, não era tão bom a gente ter um mundo em que as crianças tivessem direito a que os adultos sempre respondessem, se existe um fantasma debaixo da cama, a ter um cachorro com nome que você gosta, essas coisas que deveriam ser com isso que as crianças se preocupam ou não né, e daí cara eu escrevi mais 15 direitos, o Hiro escreveu mais 30, e lançamos o livro. Lançamos lá no Brasil, foi um pequeno sucesso porque esgotou e depois lancei aqui em Portugal também e aqui tiveram três edições esgotadas e talvez tenha acontecido, trabalhar em publicidade é fantástico, eu adoro a minha profissão mas esse livro me deu coisas que eu nunca tinha experimentado, como na frase do Fernando Sabino, eu nunca tinha experimentado isso. Eu fui à Feira do Livro, que é um grande evento aqui, antes da pandemia, e a editora pediu para eu estar lá assinando livros, as pessoas compravam eu tava lá e passou uma avó com o neto de sei lá, 6 anos, 7 anos e ela falou assim “Olha eu comprei o seu livro porque eu escutei o senhor falando na rádio e adorei o livro, meu neto adorou o livro. Eu não tenho o livro aqui mas só trouxe meu neto aqui para ele dizer que ele gostou muito do seu livro”, e o menino me disse “Eu adorei o livro, quando é que você escreve outro?”, cara foi uma sensação que eu poderia viver essa sensação mais 20 anos de tão feliz que aquilo me deixou, é uma coisa que não tem a ver com os prêmios da publicidade, não tem a ver com o reconhecimento que a nossa carreira tantas vezes precisa, foi um menino de seis anos falando “Eu gostei muito quando você escreve outro?” então eu queria ter mais tempo, não só tempo, escrever um livro é um esforço que precisa mais do que eu tenho para dar agora nesse momento de lançar uma nova agência né, eu todos os dias penso “Quando é que eu começo a escrever um livro de novo?” mas tudo bem, isso vai chegar tenho certeza.

Henrique de Moraes – É difícil né, começar um negócio para quem nunca fez acho que as pessoas não dão o valor necessário assim, o valor devido porque é um caos, uma loucura, sua vida vira de cabeça para baixo enfim, é uma montanha russa de emoções, uma montanha russa inclusive de tudo né não só de emoções

Marcelo Lourenço – Lançar uma empresa tipo é tipo sei lá, é como aquele “Dançando com as Estrelas” que a gente chega fala assim “Daqui a três meses você tem que estar dançando tango”, “Cara mas eu nunca fiz isso na minha vida, como é que vou fazer?” E você vai fazendo, vai aprendendo, e vai quebrando a cara. Engraçado, a minha mulher tá reformando a casa dos pais dela no Algarve e ela me disse uma coisa engraçada, ela falou assim, imagina construir, reformar casa no Algarve que é tipo praia ou seja, construtor deixou ela na mão 300 vezes, e ela me disse “Como eu queria saber o que eu sei agora, seis meses atrás quando a gente começou esse projeto”

Henrique de Moraes – Perfeito.

Marcelo Lourenço – Se eu conseguisse voltar em 2018 sabendo tudo que eu sei agora as coisas seriam diferentes

Henrique de Moraes – Aí vai ser um ciclo infinito disso, não tem jeito

Marcelo Lourenço – Ainda bem né. Por falar em livros, eu escrevo uma revista de ficção chamada Revista Bang! Que é de um amigo meu, Luís Corte Real e todas as vezes que eu escrevo para essa revista eles me dão 2 livros da editora, que é a Saída de Emergência, e eles lançam os livros do Bernard Cornwell, que é um inglês que escreve sobre o Rei Arthur, sobre os saxões e os vikings, e eu sinto que ele foi um passador de droga cara porque ele me deu esses dois livros que são daqueles livros que parece que você tá vendo um filme sabe, um desses virou até uma série que tá no Netflix mas eu não gostei muito, se chama The Last Kingdom, baseada na obra do Cornwell e bom, é um fulano que é inglês e é criado pelos vikings, e os vikings não acreditam em Deus, acreditam nos deuses e tem eles tem a crença que a sua vida é um destino que tem três velhas costurando, a sua vida é um tapete e elas estão costurando a sua vida, cada ponto que elas dão é uma coisa que acontece na sua vida, e eles dizem que segundo a crença dos vikings está tudo predestinado, mas no livro ele diz uma coisa espetacular, ele diz assim “Tá tudo predestinado e o maior presente que os deuses podem nos dar é que nós não sabemos o que vai acontecer”, você não sabe o que vai acontecer né, se vai dar certo ou se não vai, se vai quebrar a cara, se vai morrer amanhã, se você vai continuar com a mesma mulher pra sempre, se os seus filhos vão gostar de você ou não, você não sabe então você vive não exatamente não sabendo o que vai acontecer amanhã, que é o que nos permite, e que dá essa emoção, eu quando comecei agência há 2 anos, se eu soubesse que ela daria certo como ela deu até agora eu seria uma pessoa muito mais tranquila mas eu não sei se esses dois anos teriam sido, é isso, esse carrossel, essa montanha russa, que foram uma coisa boa né

Henrique de Moraes – Sim, a gente tem esse problema né, a gente passa o tempo inteiro pensando “Se eu voltasse, se eu soubesse disso dois anos atrás”, mas se soubesse disso você não estaria aonde você está então assim, como é que você, quando você fica nesse paradoxo do tipo “Será que faz sentido?”, o efeito borboleta.

Marcelo Lourenço – Que é o paradoxo Marty McFly

Henrique de Moraes – Exatamente, melhor referência impossível, depois “O Efeito Borboleta” veio e imitou de forma dramática né. Aproveitando então que a gente falou de filme, você tem algum filme ou documentário favorito, ou os dois? Eu sei que vai ser difícil falar um.

Marcelo Lourenço – Eu tenho, e é uma coisa que tem me causado muitos problemas, é verdade porque eu fiz as contas, porque se a gente falar assim “Tem um filme favorito?” cara deve ter, só de Star Wars, James Bond, Batman, Indiana Jones tem uns 50,  toda série do Poderoso Chefão, mas eu fiz as contas todas e eu cheguei num critério que é o filme que eu mais vezes vi, e eu acho que segundo esse critério o filme que eu mais vezes vi e vou continuar vendo, cara é o primeiro Highlander, olha só.

Henrique de Moraes – Que inusitado

Marcelo Lourenço – E as pessoas quando me escutam dizendo que meu filme favorito é Highlander elas falam assim, “É aquele com o ator francês e com o Sean Connery?”, eu falo “É esse mesmo”, “Mas aqueles que eles dizem “there can be only one?”, eu falo “Puta cara, é esse mesmo”, eles ficam com um pouco de pena de mim. Cara eu adorei Highlander, continuo adorando, sempre que passa na televisão eu vejo e eu sou um grande fã do Queen, acho que tem a melhor trilha sonora de sempre, então eu gostaria muito dizer que era “Ligações Perigosas” ou o episódio 2 do Poderoso Chefão, mas tem que ser honesto e o meu filme favorito é Highlander mesmo

Henrique de Moraes – Boa, muito bom. Cara vou te falar que nem lembro mais, tem tanto tempo que eu assisti Highlander, acho que vou assistir de novo

Marcelo Lourenço – Pode falar, eu tenho 4 DVDs do Highlander, se você quiser eu te empresto porque 90% das pessoas me dizem exatamente isso “Nem lembro desse filme”, tenho o DVD do Brasil e tenho o DVD daqui, trouxe dos Estados Unidos então se o seu DVD não importa de que região seja vai funcionar.

Henrique de Moraes – Eu vou ter que procurar na internet, porque nem tenho DVD pra falar a verdade.

Marcelo Lourenço – Mas passa na TV, passa muito, no cemitério dos filmes que é a AMC, quando um filme vai pro AMC é porque ele tá mesmo na UTI né, então Highlander na AMC cara

Henrique de Moraes – Vou procurar e depois te passar um feedback de como foi. Essa pergunta que eu vou fazer agora acho que é a mais difícil de todas mas você já passou por alguns caminhos aqui que eu acho que eu já até consigo enxergar um padrão de onde você vai chegar, mas vamos ver se você surpreende ou se vai para o caminho que eu enxerguei, e essa pergunta na verdade ela é emprestada de um outro podcast que eu sou muito fã, que é o “The Tim Ferriss Show”, mas vai ser engraçado perguntar pra um publicitário né porque a pergunta é a seguinte, se você pudesse ter um outdoor gigantesco em qualquer lugar falando alguma coisa, aí metaforicamente falando né, se você pudesse enviar uma mensagem para milhões e milhões de pessoas, e é bom falar de outdoor porque é uma coisa bem antiga né, se eu falar um banner pra colocar uma mídia programática, botar no display do Google, não é isso, um outdoor, o que você diria e porque? Você pode de repente colocar uma frase, uma imagem, você é criativo, “go crazy”

Marcelo Lourenço – Ai cara é verdade né, o que eu colocaria num outdoor, acho que a gente tá vivendo um momento muito triste, tá todo mundo triste, acho que não quero entrar em política não é muito a minha praia mas um mundo em que tem o Bolsonaro e o Trump ao mesmo é muito duro né cara, e eu adorava, acho que essa atriz é a Kate McKinnon, ela fazia umas imitações fantásticas no Saturday Night Live, e ela fazia a Hillary Clinton quando aparecia o Trump, antes da eleição, e aí o que aconteceu? O Trump ganhou e todo mundo ficou assim “Putz e agora?” e eles fizeram talvez, na minha opinião, uma das coisas mais bonitas que eu já vi na televisão, essa atriz vestida de Hilary Clinton sentou no piano, aquelas coisa que só americano faz né, ela senta no piano e toca uma música, Hallelujah do Leonard Cohen, ela tocou inteirinha com uma orquestra atrás, depois ela vestida de Hillary Clinton virou pra câmera e disse assim “Eu não vou desistir e você também não”. Então cara, o que eu colocaria nesse mundo que a gente tá dizendo é exatamente isso, a gente não pode desistir, eu não vou desistir e por favor não desista também, o Trump vai passar, o Bolsonaro vai passar, isso tudo vai passar, tempos melhores virão.

Henrique de Moraes – Boa, acho que é um lugar bom aqui pra gente encerrar, uma boa mensagem, excelente. Marcelo, se as pessoas quiserem encontrar um pouco do seu trabalho, de você, onde você tá, quais são as redes sociais?

Marcelo Lourenço – Cara é coisa de velho mas eu tô no Facebook, quem quiser pedir amizade pode porque só tem velho lá mesmo, tô no instagram també, é sempre Marcelo Lourenço, quem estiver em Portugal e quiser acompanhar as minhas ilustrações que são mais ou menos o teor dessa conversa, eu eu tenho uma coluna na revista Marketeer todos os meses, e basicamente é isso, tô por aqui

Henrique de Moraes – Maravilha. Marcelo obrigado, vamos ver se a gente consegue já que estamos em Lisboa vamos ver se a gente consegue marcar de tomar um café, um chopp

Marcelo Lourenço – Por favor cara, vem aqui, o dia que você quiser, me manda uma mensagem e venha conhecer, vou falar uma coisa que parece grande, as instalações da Coming Soon, será muito bem vindo

Henrique de Moraes – Maravilha, obrigado Marcelo

Marcelo Lourenço – Eu que agradeço o convite.

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