nascido em NY, filho de diplomatas brasileiros e nômade por natureza, Lourenço Bustani se formou em Relações Internacionais e Ciências Políticas pela University of Pennsylvania, com estudos paralelos em Administração pela Wharton School.

iniciou sua carreira na área de finanças, seguiu para consultoria de gestão em negócios e logo migrou para o branding.

já no Brasil, foi co-fundador e é hoje CEO Global da Mandalah, consultoria de inovação consciente sediada em São Paulo e com escritórios no Rio, NY, Cidade do México, Berlim e Tóquio. seus projetos de inovação ao redor do mundo, desenvolvidos junto de organizações como Nike, GM, Petrobras, HSBC, entre outras, com base no equilíbrio entre lucro e propósito e no resgate do elemento humano nas relações de mercado, foram reconhecidos com a sua presença na lista de 2012 das 100 pessoas mais criativas no mundo dos negócios, pela revista norte-americana Fast Company (#48) e das 100 pessoas mais influentes do Brasil, também em 2012, pela brasileira Época.

o Lourenço não usa redes sociais, mas vocês podem encontrar a Mandalah em:

https://mandalah.com

https://www.instagram.com/mandalahsp

https://www.linkedin.com/company/mandalah

LIVROS CITADOS
PESSOAS CITADAS
  • Steve Jobs
  • Don Miguel Ruiz
  • Adam Kahane
  • Michael Pollan
  • Rebecca Henderson

se você curtir o podcast vai lá no Apple Podcasts / Spotify e deixa uma avaliação, pleaaaase? leva menos de 60 segundos e realmente faz a diferença na hora trazer convidados mais difíceis.

Henrique de Moraes – Fala Lourenço, seja muito bem-vindo ao calma!, é um hiper prazer ter você aqui como eu falei um pouquinho antes da gente começar a gravar aqui, você foi a primeira pessoa que eu pensei quando comecei a colocar na cabeça a ideia de fazer um podcast, de levar isso adiante na verdade, a ideia eu já tenho há muito tempo mas a vontade de levar adiante veio mais recentemente e você foi uma das primeiras pessoas que eu pensei por conta do seu jeito questionador né, de levar a vida, de estar sempre se reinventando, se renovando e sem medo, quer dizer, não posso dizer sem medo né, acho que você tem que dizer se foi com medo ou sem medo mas pelo menos tendo a coragem de enfrentá-lo né e de passar por tudo isso e de ter essa de certa forma ousadia e de passar pelo momento vulnerável que é a mudança né, pelo menos eu enxergo dessa forma, então estou muito muito feliz de estar batendo papo contigo e ansioso para o que vai sair daqui, então obrigado pelo seu tempo, obrigado pela disposição aí e por tudo, pela contribuição né, antes mesmo de a gente conversar aqui você já contribuiu muito então obrigado por isso também

Lourenço Bustani – Fico feliz e comovido pelo convite, te agradeço e também quero dizer que fiquei encantado com a originalidade do seu podcast, bem bacana.

Henrique de Moraes – É engraçado né, essa questão do podcast, do nome, como isso veio já alinhado com esse momento meu também de estar me questionando, de estar revendo e tentando me reinventar de certa forma, então eu ia começar de um jeito aqui, vou até mudar já o rumo da conversa, mas como você tem esse perfil né, e você na verdade acho que até de certa forma se orgulha um pouco desse seu jeito, dessa sua coragem de se reinventar, não sei se orgulho é a palavra certa mas eu sei que você se enxerga dessa forma pelo menos. Eu queria entender de você como que você navega por essas mudanças, se isso é muito natural, se é alguma coisa que você não consegue evitar ou se é difícil, que tipo de medo você precisa enfrentar quando você navega cada uma delas, e se você quiser inclusive falar sobre algumas mudanças que você já passou pra contextualizar pras pessoas fica à vontade também.

Lourenço Bustani – Como qualquer mudança, imagino que tenha um lado luz e um lado sombra, e a minha história de vida é bastante nomádica, então em função disso por um lado eu tenho uma certa facilidade, naturalidade em processos de mudanças, sejam as mudanças impostas, sejam as mudanças proativamente escolhidas mas ao mesmo tempo tem uma sombra porque de certa forma eu fico entediado com a monotonia, com a previsibilidade, com a constância, então às vezes eu fico me reinventando quando na verdade o que eu preciso fazer é me enraizar e me aprofundar né, então o desafio da minha vida nesses últimos 40 anos, vamos dizer assim, ou nos últimos 20 né em que eu me considero um adulto em formação, tem sido achar esse ponto doce entre a mudança e a constância. Para falar um pouquinho de onde vem essa característica, sou filho de diplomatas brasileiros do lado da mãe e do pai, ambos são diplomatas aposentados e em função disso como você deve saber eu tive a oportunidade de morar prolongadamente em diversos países, então nasci em Nova York, depois de alguns anos fui morar no Uruguai, depois de alguns anos fui morar no Canadá, depois eu tive minha primeira experiência no Brasil como adolescente morando em Brasília por alguns anos, aí eu fui terminar o segundo grau numa escola interna em Boston, aquelas escolas tradicionais de uniformezinho, a capela, e aí fui pra faculdade na Filadélfia, na Universidade de Pensilvânia fique alguns anos lá, viajava todo ano para fazer os estágios de verão, tive uma experiência recorrente na Holanda, me formei na faculdade e fui morar em Nova York novamente, agora já como profissional, fiquei alguns anos lá e aí bateu uma crise de identidade muito sintomático de quem é filho de diplomata, eu queria entender o que é ser brasileiro de fato, e aí vim para o Brasil em 2004 e tô no Brasil desde então 16 anos no Brasil, acho que se minha missão foi me enraizar na cultura brasileira e nutrir essa identidade com a pátria minha missão tá cumprida, eu me sinto mais brasileiro do que nunca e é mais ou menos isso.

Henrique de Moraes – Dessas mudanças que você fez ao longo da sua vida inteira parece que você ficava períodos bem pequeno né, de 4 a 5 anos só em cada lugar se eu não me engano, você lembra qual delas foi mais difícil de navegar ou se você preferir, em vez de falar da que foi mais difícil pode falar também de alguma que tenha sido de repente mais rica, que tenha somado mais à sua bagagem cultural de certa forma.

Lourenço Bustani – Olha, é difícil eu responder isso porque não dá para comparar maçã com banana, foram mudanças bastante radicais do ponto de vista de contexto, cultura, idioma, então eu encarei tudo como uma grande novidade e como toda novidade tem aquelas coisas encantadoras e aquelas coisas que requerem um esforço maior mas talvez pela forma como meus pais sustentaram e resguardaram um pouco esses processos recorrentes eu sempre consegui abraçar de peito aberto essas novidades, então sempre foi um processo bastante fluido para mim, eu sempre chegava nos lugares com uma curiosidade muito grande e sempre buscava treinar um pouco essa habilidade intuitiva de decodificar um pouco os códigos culturais de determinado lugar, até por uma questão de sobrevivência né, todo mundo quer pertencer e de certa forma eu buscava entender como pertencer nesses novos ambientes mas ao mesmo tempo buscando nutrir alguma autenticidade, alguma coisa que fosse essencial da minha pessoa, então sempre tentando achar esse equilíbrio entre a pessoa que eu sou e os contextos nos quais eu me encontrava, era um exercício constante de empatia com as pessoas, empatia como matéria prima pra criação de vínculos e hoje talvez umas das coisas que eu mais valorizo e mais celebro são os relacionamentos que eu tenho ao redor do mundo com pessoas que foram importantes pra mim em determinados momentos da minha vida, é uma coisa bem bacana porque eu sempre entendi que nós somos um reflexo das pessoas que passaram pela nossa vida, então eu tenho muitas dúzias de pessoas que habitam o meu ser e que de alguma forma se refletem na pessoa que eu sou hoje.

Henrique de Moraes – Perfeito, concordo completamente com essa definição. Deixa eu te fazer uma pergunta, você falou logo no início que talvez essa sua vida, sua característica meio nomádica de ser, de ter vivido a vida passando de lugar em lugar seja responsável também por esse comichão de repente, de de vez em quando sair de onde você tá, da constância e começar tudo de novo e enfim, ter mais estímulos diferentes, de alguma isso também te incomoda e assim, como que você endereça isso porque eu vejo que eu sou uma pessoa também que tá o tempo todo querendo mudar, e inclusive a minha esposa e alguns amigos me criticam muito por causa disso, como uma forma de carinho, tipo preocupação, “Cara, você vai mudar tudo de novo?”, “Você vai reiniciar agora que você tá começando a construir uma coisa mais estável?”, e tem um amigo meu que fala isso, que as pessoas criativas elas tem um problema que ela vêem muitas portas e querem abrir cada uma delas e não se aprofundam nessas portas, elas não vêem a porta que tá atrás da primeira porta que ela entrou e depois vai seguindo aquele caminho, quer voltar e abrir todas as portas que estão lá, então isso acaba sendo uma dor, pelo menos pra mim o fato de saber, de ter consciência que eu nunca vou conseguir abrir todas essas portas, pelo menos as que eu tenho curiosidade de abrir, elas doem um pouco, isso dói um pouco e ao mesmo tempo às vezes dói também eu abandonar um caminho em detrimento de outro, pra começar outro, então eu queria entender de você assim, se isso te incomoda também de alguma forma ou se não, se você leva isso de forma natural?

Lourenço Bustani – Eu acho que existe o abandono e existe o desapego. O abandono talvez se já aconteceu ou se acontece certamente gera frustração pra mim porque dá essa sensação de algo que tá inacabado mas quando o convite é pra desapegar é talvez porque um ciclo já tenha se encerrado e você já tenha cumprido a sua missão naquilo que você se propôs a fazer, e é um pouco esse lugar que eu busco, de entender que tem um determinado momento em que você se vê impulsionado pra embarcar numa nova história e essa história vem com realização em diferentes níveis e aí talvez exista um momento em que você precisa reconfigurar a relação que você tem com essa empreitada, e redirecionar as suas energias pra outras coisas que se fazem necessárias, seja pro teu autodesenvolvimento ou seja pelo contexto no qual você se encontra, eu olhando pra trás não sofro com a memória de ter abandonado projetos mas eu já me vi precisando fazer um exercício introspectivo profundo pra entender exatamente em que momento eu me encontrava com os diversos projetos no qual eu estava, pra entender se a minha energia vital tava sendo otimamente distribuída entre esses projetos, e eventualmente essas reflexões me levaram a intensificar ou diminuir o meu envolvimento, meu engajamento, minha entrega em determinados projetos então acho que esse é um pouco do desafio, entender quando uma história já tenha se encerrado e partir pra uma outra, mas isso nem sempre é tão fácil de entender, por isso a gente tem que estar num estado de vigília constante pra gente garantir que a gente tá no lugar certo, na hora certa, fazendo a coisa certa com as pessoas certas.

Henrique de Moraes – Perfeito. Vou fazer uma pergunta que talvez pareça meio aleatória aqui mas, toda vez que eu ouço você falar eu tenho a sensação que você escolha cada palavra meticulosamente, que você pondera antes de falar cada uma delas, isso é uma escolha consciente, natural pra você, você sempre foi assim ou você treinou de alguma forma, você desenvolveu isso de alguma forma?

Lourenço Bustani – Não saberia te responder, precisaria fazer uma autoanálise sobre isso, o que eu posso te falar é que em vidas passadas eu já fui muito mais impulsivo e nervoso ao me posicionar e ao me colocar, hoje encontrei uma certa paz interior, o que me permite pensar um pouquinho sobre as coisas e garantir que a palavra falada tá conectada com meu coração, então talvez por isso pareça pra você que tem um calculismo por trás do que eu falo e talvez tenha, mas é um calculismo buscando coerência entre os meus sentimentos e minhas falas.

Henrique de Moraes – Como você conseguiu chegar nesse lugar de ter essa sinergia com seu coração e sua fala, por exemplo. Você lembra de algum processo que você passou ou de uma transformação ou uma prática que você começou a implementar na sua vida que tenha te gerado essa sensação, essa paz e essa relação tão próxima entre o que você fala e o que você sente, por exemplo?

Lourenço Bustani – É um work in progress, porque tem dias e dias, então tem hora que você não tá no seu melhor lugar e aí o nível de coerência ele flutua, mas eu tô com 40 anos hoje e eu diria que a década dos 30 foi uma jornada de muita autodescoberta, de muito entendimento profundo sobre meu repertório inconsciente, de uma busca por lucidez e clareza e coerência e eu sinto que eu cresci, de certa forma pode-se dizer que é um crescimento, a partir de inúmeras práticas e atividade que me permitiram entrar em contato com esse conteúdo interno que é difícil de acessar nos estados de consciência no dia a dia então através de diversas experiências imersivas e profundas que eu tive eu pude desenterrar uma série de questões que habitam meu inconsciente que ou me levavam pra um lugar de muita realização e efervecência ou me levavam pra um lugar de vieses inconscientes, sofrimento auto imposto e sofrimento também pras minhas relações, e aí foi vivendo e aprendendo eu fui e continuo buscando essas correções de rota né, perceber o que talvez o olho não vê mas o que coração tem a capacidade de sentir e treinar um pouco essa intuição também, esse diálogo interno, esse estado de vigília para conseguir me sentir mais pleno e mais confortável na minha pele.

Henrique de Moraes – Eu acho que, pelo menos eu tenho a sensação não só por mim, pela minha experiência mas pelas conversas que eu tenho também de que esse olhar pra dentro talvez seja o mais difícil, especialmente nos momentos, nesse período que a gente tá né, tem um período que tá, que já vinha assim na velocidade do mundo e foi agravado agora com essa crise que a gente tá passando e as pessoas estão ansiosas, enfim e eu acho que ainda tem uma cultura também, especialmente para quem empreende, você já deve ter sentido isso embora eu acho que você tenha conseguido pelo menos desviar de alguma forma desse caminho, de otimizar tudo né, de você ter que ser a pessoa mais produtiva do mundo, você ter que dominar todas as técnicas de gestão pessoal, enfim, de otimizar cada recurso seu, seja ele dinheiro, seja ele recurso humano e tirar o máximo de cada um desses recursos, enfim tem toda essa cultura empresarial, não só empresarial, acho que isso tá começando a transitar também por todos os outros meios, especialmente por conta rede social, enfim, essa comparação constante que a gente tem e eu me vejo num momento por exemplo que é muito importante para mim parar e fazer essa análise, olhar para dentro, entender o que eu tô sentindo, se eu tô no caminho certo ou se eu tô agindo de modo automático, se eu tô só seguindo ali o que eu acho ou por algum motivo a sociedade me colocou naquele caminhozinho né e eu sei que existem algumas atividades que a gente pode fazer, então se isolar, meditar, já ouvi você falar de repente ir pro mato né, e você vai fazer uma conexão agora em breve se não me engano né, acho que no final do mês, eu queria que você falasse um pouquinho sobre, primeiro de repente falar um pouco sobre esse momento né, sobre o período  que a gente tá vivendo como que é a sua percepção, e de repente práticas que ou você já aplicou né e já testou e viu que funciona pra você e coisas que de repente você nem testou mas você já tá estudando ou viu que fazem com que a gente se conecte de novo com a gente e que saia do modo automático, acho que essa é a parte principal, não fique em modo automático ali só reagindo.

Lourenço Bustani – Sim, desconectar para conectar né, não é fácil mas é simples e cada um vai entender como é que isso funciona pra si. A partir do que eu tô vivendo hoje eu acredito que alcançar esse lugar de conexão profunda em que, como se você conseguisse se enxergar com toda clareza do mundo, isso vem a partir de uma conjunção de hábitos e de práticas, então não tem uma bala de prata pra isso, por exemplo não adianta você meditar todo dia e se alimentar mal, não adianta você passar o final de semana no mato em silêncio e ter uma vida de semana num contexto muito tóxico fazendo coisas que corroem sua alma, não adianta você ler um livro bom por semestre e ficar diariamente uma hora e meia surfando as redes sociais, então as coisas se compensam né, tem aquilo que tira tua energia e tem aquilo que te repõe a energia, e eu acho que a gente consegue chegar nesse lugar de conexão profunda quando a gente está repondo a nossa energia constantemente, e nesse sentido hoje eu tento combinar uma alimentação super saudável com práticas esportivas constantes, com o crossfit que eu faço agora de 4 a 5 vezes por semana junto com práticas contemplativas como meditação e yoga, que também é uma prática corporal mas não deixa de ser também contemplativo. E aí durante a semana que é onde eu sou mais exigido em função das inúmeras reuniões, dos assuntos complexos e muitas vezes carregados de forte emoções, eu tento estabelecer alguns limites então a parte da manhã durante a semana é dedicada para eu garantir que na hora que eu começo meu expediente lá pelas 10, 10:30, 11h eu estou inteiro, eu tô resiliente, eu tô fortalecido, eu tô preparado, tô disposto e eu encerro meu dia por volta das 18, 18:30, 19h no máximo porque mais do que isso compromete realmente, não só me compromete mas compromete os projetos nos quais eu tô envolvido porque não é a minha melhor energia e tá sendo direcionada para esses lugares e pra essas pessoas quando o corpo já tá pedindo arrego, a mente já tá pedindo arrego, então eu tento preservar as noites para cultivar meu cérebro de outras formas e cultivar minhas relações extraprofissionais, e aí periodicamente, não é uma coisa cravada em pedra mas periodicamente eu busco uma desconexão um pouco mais profunda, em que realmente aí eu saio um pouco da minha rotina, saio um pouco do meu contexto físico rotineiro e gosto muito de ir pra natureza evidentemente, uma montanha, uma praia, uma floresta, uma selva e aí começo a cultivar uma outra relação comigo mesmo e com meu entorno e isso sempre me traz belíssimos insights, eu acho que o silêncio é muito revelador pelo menos pra mim, e chegar naquele silêncio que não tem nem o telefone que vibra né, nem isso tem por um tempo prolongado, isso me permite adentrar um lugar muito íntimo e muito revelador da minha pessoa, do momento de vida em que eu estou e isso me dá dicas de navegação pra vida, eu saio desses momentos sabendo um pouco melhor onde ir, onde deixar de ir, o que fazer, o que deixa de fazer, então é quase que indispensável senão eu corro o risco de me distanciar da minha própria essência, de me sabotar sem perceber, então é um check in profundo que eu acho que quem tem o privilégio de poder dedicar um tempo pra isso vai se beneficiar bastante.

Henrique de Moraes – Tem algumas coisas da sua fala que são muito importantes, pelo menos pra mim, pela forma que eu enxergo, por exemplo o que você falou que se você dedicar mais tempo do que aquele que é o que você sente, que é o que você tem energia pra dedicar, isso compromete né e compromete inclusive a sua entrega, compromete os projetos, compromete de repente até as relações que você tem ali com as pessoas que estão envolvidas nesses projetos, e eu queria entender como que você conseguiu construir, se é que teve algum caminho, se existiu alguma coisa porque eu acho que o mais difícil, pelo menos me parece a dificuldade que as pessoas tem, é de como assumir né e impor de certa forma o seu próprio ritmo né, de mostrar pras pessoas que é importante que você tenha, que você respeite o seu ritmo porque senão a sua própria entrega, o que elas esperam de você vai estar comprometido, as pessoas confundem muito esse tempo que você tira ou até o fato de você por exemplo se desconectar com improdutividade né, com você tá dando 100%, essa cultura de “Ah, você tem que trabalhar o dia inteiro, acordar 5 da manhã” enfim, e nada contra acordar cedo e nem trabalhar muito, nada contra isso porque vai ter gente que vai se encontrar ali talvez né, imagino que sim, mas você fazer com que as pessoas entendam esse seu lado e respeitem isso acho que é o mais difícil. Você sentiu de alguma forma resistência em algum momento das pessoas com quem você tava trabalhando em relação a isso?

Lourenço Bustani – Não porque eu tava negociando isso comigo mesmo né, empreender no Brasil não é como  a gente fala em inglês um “walk in the park”, então demanda, exige, esgota, sacrifica e eu durante muitos e muitos anos fui quem mais trabalhava na minha empresa e entendia que isso vinha com território, quando eu comecei a ver o passivo que isso gera, e aí é um trabalho de consciência de você perceber o momento em que aquilo tá deixando de agregar e tá gerando um saldo negativo, você começa um exercício de calibragem, ajustes finos né para encontrar o ponto doce, claro é um pouco mais fácil eu dizer isso porque sou meu próprio chefe mas eu acho que as pessoas com quem eu trabalho, eu já ouvi isso em inúmeras rodadas de feedback, percebem que com essa ponderação eu me torno uma pessoa mais agradável, mais colaborativa, mais sensível, mais compassiva, mais gregária, e isso são qualidades que eu quero nutrir em mim, e eu sei que são qualidades que estão a serviço também das pessoas com quem eu trabalho, da empresa então eu não acredito na empresa que prospera a partir de lideranças atropeladoras e desumanas, acho que a conta sempre vai chegar, acho que a gente inclusive precisa ser muito criterioso em relação aos modelos que a gente venera no nosso dia a dia, de lideranças empresariais porque a gente não percebe quais são realmente os atributos comportamentais que a gente está endossando né, então eu já me vi trazendo algumas ressalvas em relação ao culto, ao Steve Jobs por exemplo, é indiscutível o legado que ele teve no mundo e continua tendo mas algumas famílias foram arruinadas ao longo do caminho e a saúde do Steve Jobs também se comprometeu e ele se foi talvez um pouco antes da hora né e eu acho que tudo tá muito interconectado e a gente tem que entender que a forma que a gente vive nossa vida de certa forma vai definir o nosso destino, então busco esse equilíbrio, nem sempre o alcanço mas eu sei da importância que é de se preservar ao longo da jornada.

Henrique de Moraes – E em relação às pessoas que trabalham com você porque você está numa posição de liderança, você ainda atua como CEO da Mandalah, certo?

Lourenço Bustani – A gente não tem cargos e nem hierarquias mas eu continuo tendo um papel de liderança na empresa, certamente.

Henrique de Moraes – Perfeito, depois vou querer saber um pouco mais sobre esse modelo de gestão, mas como é que você incentiva que as pessoas também busquem isso, se é que faz sentido né ou se tem que ser uma busca pessoal, mas como é que é essa cultura dentro das suas empresas, porque você não é só sócio da Mandalah né, você tá em outras empresas, outros empreendimentos, enfim, outras jornadas, e como é que você estimula e se você estimula, você sente que passar isso para as pessoas que trabalham com você, para as pessoas que estão ali olhando para você de repente de uma posição, embora não tenha hierarquia mal ou bem as pessoas vão te enxergar às vezes com admiração, ou querendo chegar no lugar que você chegou, alcançar o que você alcançou e não tô falando nem de sucesso financeiro ou de cargo, mais até nesse sentido que você tava falando de tudo que me fez inclusive te admirar, que é essa busca por essa paz e por esse lugar ali de estar bem consigo para poder lidar bem com os outros, com o mundo e com as suas escolhas, com tudo isso, você incentiva isso nas pessoas também, você incentiva essa busca nas pessoas que trabalham com você?

Lourenço Bustani – Eu acho que não precisa incentivar especificamente, eu acho que a liderança pelo exemplo fala mais alto do que qualquer outra coisa então as pessoas percebem os movimentos que eu faço na minha vida, nesses 14 anos de Mandalah eu fui morar dois anos em Nova York tocar o escritório de lá, depois eu fui morar no Rio durante 1 ano e meio, 2 anos quase, depois eu fui abrir outras empresas em que ficava meio que dividido entre Mandalah e outras coisas, depois me ausentei por um tempo pra participar das eleições numa campanha presidencial em 2018, então as pessoas acompanham a forma que eu tô de certa forma orquestrando a minha própria vida e isso de alguma forma serve como, legitima a busca de cada um também e a gente tem hoje na Mandalah profissionais que estão embarcados em projetos fora da Mandalah que são extraordinários e que a gente apoia, assim como eu já tive sócio que decidiu se mudar pro Rio, depois decidiu empreender e a gente sempre meio que acha uma forma de conjugar e conciliar a vida na Mandalah com a vida que cada indivíduo vai levar pra si, e agora a gente tá numa transição pra um modelo de trabalho remoto, o que vai dar mais liberdade ainda para que cada um bata as asas do jeito que achar que deve, e eu acho isso muito rico porque a gente precisa se desenvolver de tantas formas, e claro um trabalho propositivo bem-intencionado ele ajuda nesse caminho mas não é suficiente e as horas fora do trabalho precisam ser muito ricas também para o desenvolvimento de cada um, então eu acredito veementemente que se um indivíduo se escuta e percebe que precisa ir por esse caminho, é esse caminho que tem que ser apoiado e fortalecido independente de qualquer outra coisa, é o caminho da sua verdade e o caminho do seu coração.

Henrique de Moraes – Perfeito, e você tem, pode dar alguns exemplos ou pelo menos um exemplo de algum desses projetos que você falou da Mandalah que são incríveis?

Lourenço Bustani – Dos profissionais?

Henrique de Moraes – Isso

Lourenço Bustani – Olha, tem colega meu que há uns anos atrás ele começou a se interessar por essa abertura de mercado em torno do cannabis, ele focou num extrato desse mercado que é muito pouco falado, que é o uso do cânhamo para fins industriais, indústria têxtil, construção civil, e ele começou a aprofundar no assunto, e começou a dedicar algumas horas para desenvolver um projeto que pudesse preparar as bases pra fazer com que o uso do cânhamo seja regulamentado no Brasil e aí projeto vai, projeto vem, ele foi convidado pra integrar o conselho Estadual pra política de drogas do Estado de São Paulo, então hoje ele é um nome importante nessa discussão ele tá com um projeto já parcialmente financiado para rodar os primeiros protótipos do uso do cânhamo para construção civil. Então era uma ideia que nasce, um embrião de uma ideia que ele trouxe pra gente há 1 ano e meio atrás e que a gente viu um potencial enorme e a gente viu também o quanto que isso fazia o coração dele vibrar, era um propósito de vida, um chamado que ele tinha escutado, e a gente fez tudo que a gente podia fazer para apoiá-lo nessa jornada, e hoje o projeto tá robusto, de pé, tá ganhando força a cada dia e é muito bonito de se ver. Um outro exemplo é meu sócio, que é músico, poeta, compositor, que todo ano lança um álbum novo, todo ano faz uma turnê na Europa, então é legal de ver que as pessoas estão dando vazão pros repertórios que nem sempre conseguem vir à tona num contexto pragmático no mundo dos negócios mas que certamente trazem certos temperos que transbordam pro trabalho, e isso é muito importante, essa diversidade, essa confluência, essa mistura ela é muito muito rica, especialmente para natureza do nossa trabalho.

Henrique de Moraes – Perfeito. Eu queria entender um pouco então, se você não se importar da gente seguir esse caminho, entender um pouco de como funciona esse modelo de gestão que vocês tem, se é que vocês chamam de modelos de gestão, mas onde talvez seja mais linear né, você não tem hierarquia, como é que funciona isso na prática, você consegue falar um pouco sobre isso?

Lourenço Bustani – Consigo, não é um modelo explícito, a gente não segue uma cartilha mas a gente tem um perfil de profissional na Mandalah que permite que as pessoas trabalhem com um certo grau de responsabilidade de autonomia e comprometimento, é claro, tem gente que tem mais tempo de casa, tem gente que tem um pouco mais de experiência de carreira e acabam tendo um protagonismo e uma liderança no contexto do nosso dia a dia, mas isso não precisa constituir hierarquia a partir do momento que a relação do líder com seu liderado é pautada pela empatia e pela assertividade, achar um bom equilíbrio entre essas duas coisas, e os nosso líderes na Mandalah valorizam o que o liderado tem a dizer e muitas vezes liderados se vêem em posição de líder, e isso é muito bacana porque a gente tem várias iniciativas internas da Mandalah que foram propostas e instituídas por pessoas com menos tempo de casa, menos tempo de vida e menos tempo de carreira, mas foram ideias boas que hoje nos agregam bastante, como por exemplo nossa célula de integração cultural, que é uma iniciativa que resguarda toda a experiência do colaborador, permitindo que a gente tenha acesso à conteúdos, pessoas, estímulos, atividades de toda e qualquer natureza pra que a gente possa enriquecer nosso repertório intelectual, pra que a gente possa se integrar como equipe para além da dinâmica profissional, e especificamente nesse momento pandêmico, da gente conseguir mapear as dificuldades individuais que cada um tá tendo e desenhar experiências que possam atender à essas demandas latentes. Isso foi uma iniciativa bottom up na nossa Mandalah, começou há alguns anos atrás e hoje é uma parte estruturante da nossa cultura.

Henrique de Moraes – Como funciona isso, desculpa mas a curiosidade vai ficando aguçada aqui, como que funciona o projeto na prática, por exemplo nesse momento que a gente tá vivendo né, que tipos de atividades ou como é que vocês conseguem mapear essas necessidades das pessoas na prática e criar essas dinâmicas

Lourenço Bustani – Pra começar a gente nutre um diálogo constante, então toda segunda-feira a gente tem uma reunião geral e sempre começa perguntando como é que cada um tá, como é que estão as coisas, a primeira pergunta é qual foi o ponto alto do final de semana, às vezes o ponto alto é um ponto baixo porque a vida é assim, e as pessoas se abrem, se mostram vulneráveis quando é o caso e são acolhidas pelos demais. É isso é muito especial porque realmente gera um conforto quase que familiar no dia a dia entre todos nós e, de forma mais estruturada a gente tá lançando uma pesquisa agora com a nossa equipe pra entender como é que cada um tá lidando com a pandemia, justamente para orientar a curadoria das experiências que a gente vai prover para a equipe nesses próximos meses, inclusive a gente faz 14 anos em novembro, então pensar como é que a gente faz esse rito de passagem, respeitando todos os protocolos sanitários é claro, mas saciando um pouquinho essa saudade que a equipe tá sentindo após 4 meses e meio sem se ver. No mês passado a gente fez uma dinâmica bem legal no final de um sexta-feira, uma atividade organizada por uma empresa chamada Ateliê no Escuro, que há muitos anos organiza jantares em que as pessoas são blindfold né, vendadas, e é legal porque é uma experiência super sensorial, você precisa ter um estado de presença muito apurado pra conseguir passar pela experiência e se aprende muito ao longo do caminho, eles se adaptaram, já que não tem mais essa possibilidade a gente fez uma dinâmica em que todos estavam vendados durante 1 hora e meia e era no Zoom, e as meninas do Ateliê mediaram uma conversa bem profunda, bem íntima sobre a relação que a gente tá tendo nesse momento de pandemia e foi muito legal porque com os olhos fechados e headphone a sensação é que você tá na mesma sala com os demais, porque você não tá vendo o computador que é o símbolo da distância física que você tem com as pessoas né, então isso gerou algo especial entre nós e a ideia é que a gente sempre esteja regando um pouco as nossas relações, então a gente tem 3 pessoas que cuidam disso trimestralmente, aí tem um rodízio então a cada trimestre a gente reveza as pessoas responsáveis pela curadoria dessa célula e a gente sempre tá trazendo iniciativas novas, fora da caixinha para que as pessoas possam se conhecer de outras formas, essa é a graça dessa iniciativa, e é claro que isso depois cascateia para a dinâmica um pouco mais ingrata dos projetos do dia a dia, então quando criado esse vínculo, essa qualidade e profundidade de vínculo, ajuda muito mais no dia a dia pra colaboração, pra segurança psicológica, pra produtividade, pra gestão de adversidade, pra criatividade, pra inovação, os ganhos são inúmeros.

Henrique de Moraes – Perfeito. A Mandalah hoje ela é uma consultoria, uma agência, como é que vocês se posicionam?

Lourenço Bustani –  É uma consultoria.

Henrique de Moraes – Uma consultoria. Vocês desde o início, e eu não lembro quando que conheci o trabalho da Mandalah, não lembro o ano mas tem muitos anos, foi numa palestra sua no Rio, acho que foi num evento do Sebrae se eu não me engano, que você levou o case da Nike na época enfim, o trabalho que vocês fizeram e eu fiquei muito impressionado né, eu nunca tinha ouvido falar inclusive de propósito na época assim, isso era completamente novo no Brasil né e vocês tem esse, de certa forma o propósito de vocês é fazer com que as empresas transitem aí nessa interseção do lucro e do propósito, e uma coisa que eu vejo que pelo menos da minha parte, da minha experiência, eu tenho uma agência e que é difícil é quando você tem de certa forma, não vou dizer uma agenda porque não é exatamente uma agenda né mas você tem um tipo de projeto específico ali ou pelo menos uma forma de trabalhar, às vezes é difícil você conseguir um match né com o cliente e provavelmente depois que você consegue ainda tem toda a questão de você alinhar ali de fato a expectativa que o cliente tem com o que você tá disposto a oferecer, vocês passaram por muitas dificuldades em relação à isso, eu imagino que os clientes chegavam até você sabendo o que vocês faziam, isso é importante é lógico mas eu acho que ainda assim provavelmente vocês ainda tinham, eu imagino que vocês tenham enfrentado de alguma forma alguma resistência às vezes ou pelo menos apresentando algum projeto e não era de repente o que a pessoa tinha em mente, rolou alguma coisa nesse sentido de expectativa versus entrega e que tenha sido difícil?

Lourenço Bustani – Super rolou e ainda rola, ainda é um processo delicado, complexo, nem sempre as coisas fluem como você gostaria mas a gente sabia já que de certa forma a gente estaria nadando contra a maré desde o começo, então não foi uma surpresa, tava escrito e a gente entende que faz parte, a gente tá de alguma forma querendo acelerar uma mudança, a inércia de tempos passados é enorme, o condicionamento humano ele é difícil de hackear e a gente tá muito acostumado a fazer as coisas de determinada forma então eu jamais achei que nós, do nosso tamaninho conseguiríamos virar o jogo em escala sistêmica do dia pra noite, mas pouco nos importa isso, a gente tá focado na jornada, a gente sabe que qualquer mudancinha é melhor que nenhuma e se tivermos que ter um olhar apreciativo para os legados positivos dessa tragédia que a gente tá vivendo, é definitivamente que essa agenda, eu acho que se pode chamar de agenda de certa forma, ela ganhou muito espaço, só se fala de propósito hoje em dia e é muito confortante, não é que gente sente que nossa missão tá cumprida porque falar de propósito é fácil, ativar teu propósito e ser coerente com ele é difícil e não dá pra dizer que o mercado, o mercado ficou mexido com pandemia mas não ficou mudado, a gente ainda tem uma longa jornada pela frente.

Henrique de Moraes – Tem uma coerência assim que eu acho que a coisa que me faz olhar para o seu trabalho, para a sua trajetória, para a sua jornada como pessoa, empresa e tudo que a Mandalah vem construindo que é essa coerência que tem tudo sabe, eu olho para você, eu ouço você falando e eu vejo os caminhos da Mandalah, vejo tudo que ela fez, os projetos que ela toca e tem uma coerência tão grande que acho que é o mais difícil e eu acho que é nessa hora que você olha e entende de fato o que é um propósito né porque quando um termo ou alguma coisa fica tão popular, como o propósito ficou, a gente pode ficar suscetível a armadilha de isso se tornar só mais uma arma do capitalismo, do tipo “Beleza, se as pessoas querem propósito vamos desenhar aqui o nosso, vamos contratar consultoria tal, agência tal e vamos criar um propósito lindo pra gente conseguir vender mais pras pessoas saberem que a gente tem agora um propósito”, igual greenwashing, tem todas essas questões que a gente sabe que acontecem né, mas eu acho que se as pessoas conseguissem parar para analisar de fato e enxergar eu acho que o que elas tem que buscar é isso, essa coerência, coerência no discurso dos líderes e não só dos líderes, das pessoas que trabalham lá né, eu já conversei com algumas empresas que de fato tem um propósito bem definido, e você conversa com a pessoa que tá lá embaixo na cadeia, e “lá embaixo”, é até ruim falar isso né, especialmente se você pensar em coisas no seu estilo de gestão sem hierarquia mas pessoas que acabaram de entrar às vezes e estão há pouco tempo por exemplo sabe atuando ali e que já estão super imbuídos do propósito da empresa sabe e aí sim você fala “Ah beleza, aqui tem de fato, tem uma coisa aqui acontecendo”, que é muito diferente do que eu pelo menos vi que aconteceu nos últimos anos onde teve um banho de propósito, acho que aconteceu isso em muitas empresas né

Lourenço Bustani – Sim, mas a gente não consegue garantir que os novos projetos vão ser ativados com coerência, mas a gente reconhece o valor na experiência que nossos clientes vão ter tentando e é válido isso, que a gente também enquanto indivíduos a gente busca cada vez mais coerência na nossa vida, às vezes a gente tropeça ao longo do caminho, a gente deflagra essa incoerência e serve como aprendizado e que seja melhor da próxima vez. Eu fico feliz que você vê coerência na Mandalah, devo dizer que nem sempre foi assim e certamente com um olhar mais minucioso no nosso dia a dia vai deflagrar coisas que ainda não são tão coerentes o quanto as pessoas gostariam que fosse, mas tudo bem a gente não busca ser perfeito, a gente busca ser impecável.

Henrique de Moraes – Perfeito. É, só esse discurso eu acho que já diz muito, só o fato de você ter a humildade de falar que você tá tentando e não dizer que você tá conseguindo e de repente, acho que é onde fica muito o discurso das pessoas, de falar muito e fazer pouco, enfim, mais um discurso vendedor do que de fato imbuídos de alguma vontade de mudar, enfim

Lourenço Bustani – Eu acho que não é nem discurso vendedor porque esses discursos são o mal de sabotagem, não se sustentam ao longo do tempo, então você tá na verdade prejudicando seu negócio, fazendo esse teatrinho, navegando essas ondas ilusórias, é um viés inconsciente mesmo, as pessoas não estão mal intencionadas fazendo aquilo, mas é o jeito que elas conseguem fazer com o nível de consciência que elas têm, elas vão aprender como todos nós estamos aprendendo e tá tudo certo, cada um no seu caminho e vamos juntos.

Henrique de Moraes – Perfeito, exatamente e tem uma fala sua que eu gostei muito agora na pesquisa pro podcast, que você fala que o trabalho da Mandalah se transmite através da sensibilização e não de vendas né, eu acho que é muito por esse caminho mesmo, você não ficar tentando mostrar o que você faz, não ficar tentando vender pras pessoas o que você faz mas mostrar o que você faz e deixar que as pessoas se identifiquem com o trabalho. Você sente que aconteceu alguma mudança positiva em relação à empreender no Brasil desde aquela sua palestra que tem no YouTube quando você fala dos desafios de empreender no Brasil, que todo mundo que assiste eu acho que se identifica e sofre junto, você viu alguma mudança nesses anos pra cá?

Lourenço Bustani – Cara, aquela palestra deu o que falar viu, é a palestra mais vista de todas que eu fiz e eu jamais imaginaria que fosse, mas eu acho que de alguma forma ressoou como um anseio do mundo empreendedor, de certa forma eu experienciei um pouco o que todo mundo tava sentindo na época. Olha, eu acho que empreender no Brasil ainda é uma experiência muito frustrante, muito esgotante, eu sinto que muita energia e muito talento e muito capital se desperdiça em função do ecossistema não estar jogando a favor. Por outro lado é nítido que o mundo de startups mudou da água para o vinho desde aquela palestra, que eu acho que era 2011/2012 nem sei, porque pra começar tem muito talento, tem muito empreendedor talentoso, criativo, com boas ideias e boas propostas, não há mais a escassez de bons business plans. Fora isso tem muito capital, muito mesmo, nacional e internacional, a parte de tecnologia, a parte mais infraestrutural também tá muito mais desenvolvida, e a gente sabe que a tecnologia é a espinha dorsal de muitas dessas iniciativas novas né, então a gente tá muito mais plugado com os ecossistemas de inovação mundo afora também né. Mas a gente  tem algumas questões culturais, e são difíceis de superar, que trazem um grau de incerteza e imprevisibilidade pro empreendedor, tem questões tributárias que são muito ingratas, insegurança jurídica, a própria volatilidade do país, então tem algumas questões ainda que são calcanhares de Aquiles mas eu acho que hoje eu tenho muito mais orgulho do universo de startup brasileiro do que talvez eu tinha ou pude ter no passado, hoje reconheço que a gente tem uma potência mesmo que uma parte dessa potência ainda esteja dormente, em função do contexto maior do ecossistema em si.

Henrique de Moraes – É verdade, há alguns anos atrás era difícil você conseguir imaginar que a gente teria tantas empresas prosperando tanto enfim, do jeito que vieram, do jeito que, acho que a quantidade de realizações enfim, acho que o brasileiro tem uma questão que tem que ser criativo inclusive para lidar com essas questões todas né, então você não pode deixar seu, botar sua força criativa, sua energia criativa só em um pote que é na empresa, você tem também que descobrir como lidar com toda a burocracia, todos os desafios e isso acaba sendo problemático porque a gente sabe que a gente tem energia limitada né, então como a gente acaba desperdiçando de certa forma, não sei se chega a ser desperdiçar, mas a gente gasta muita energia tentando driblar, e sem querer dizer que as pessoas estão querendo dar volta ou dar golpe, nada disso né, mas driblar no sentido de lidar mesmo da melhor maneira possível com todos os empecilhos, todos os desafios que a gente tem

Lourenço Bustani – Sim, sem dúvida

Henrique de Moraes – Lourenço, o que te causa ansiedade hoje? Tem alguma coisa top of mind?

Lourenço Bustani – Às vezes eu flirto, e nem tô usando a palavra flertar porque não é uma constância mas às vezes eu flirto de que a gente tá ainda num caminho sem volta e no sentido de termos chegados talvez num ponto de não retorno em relação primeiramente à questão climática, então eu temo por um apocalipse climático no final desse século, e olhando pro contexto nacional também a sensação de Terra arrasada, de que sei lá, conversando com meus pares né, tive uma conversa ontem em que uma pessoa que eu estimo muito lembrou de uma metáfora que um outro colega nosso trouxe há alguns anos atrás que a sensação que a gente tem é que a gente tá fazendo ressuscitação boca a boca em defunto, no Brasil. Porque a gente tá lidando com questões tão retrógradas, é um abismo que eu às vezes me pergunto se tem saída ou se o sistema por ele estar tão metastásico necessariamente precisa morrer para renascer, e eu temo o que significa essa morte. Então eu tenho um pouco de ansiedade porque eu tô nos meus 40 então teoricamente eu tô no ápice da minha energia vital, eu estou no meu momento de maior efervescência, e eu me encontro num contexto muito desencorajador, a olhar para o nível de sofrimento e antagonismo e conflito e intolerância e injustiça e desonestidade e tudo isso institucionalizado, não são casos esporádicos, mas é algo que virou cultural, então em 2020 a gente não aprendeu a viver juntos em paz, com harmonia, com diálogo, e isso é triste, isso às vezes me deixa um pouco reflexivo. Ao mesmo tempo, é o que temos no cardápio, e se é isso que tá sendo oferecido é com isso que a gente tem que trabalhar, e podendo de alguma forma, nem que seja um pouco intervir, trazer uma contribuição que possa melhorar a vida no planeta que seja pra uma pessoa a mais tá valendo, tá tudo certo a gente atua dentro da nossa esfera de influência, e a gente atua primeiramente dentro de nós mesmos, com a convicção de que a mudança começa por aí mesmo. Então não é que é uma ansiedade paralisante, mas ela tá aí, ela existe.

Henrique de Moraes – Sim, correndo o risco aqui de ficar repetitivo porque eu já falei muito sobre esse livro aqui no podcast mas eu sempre acabo trazendo, não sei se você já leu que é “Os quatro compromissos”

Lourenço Bustani – Com certeza

Henrique de Moraes – Pois é, logo no início ali ele traz um conceito, uma forma de enxergar que é a do espelho enevoado, acho que é muito isso que você falou das pessoas, talvez a gente saiba que a gente é espelho, que a gente consegue refletir um ao outro, mas que tem uma névoa na nossa frente que tá cobrindo e a gente não consegue enxergar essa semelhança, a gente não consegue se enxergar um no outro porque tem essa fumaça, essa coisa atrapalhando, e isso eu achei de uma maneira tão simples de colocar né, como você falou a diferença de simples e fácil no final das contas né, simples de enxergar mas muito difícil de você de fato conseguir colocar isso, transformar isso em ação de alguma forma, acho que esse é o ponto

Lourenço Bustani – Você trouxe isso, acho que pra quem tá, pros ouvintes que não conhecem a obra do Don Miguel Ruiz, um rápido resumo do “Os quatro compromissos” é um, seja impecável com a sua palavra, tem muito a ver com essa questão de coerência que a gente discutiu, não leve nada para o lado pessoal, não tire conclusões, então cuidado com o julgamento, sempre dê o melhor de si, tem a ver com essa busca pela impecabilidade.

Henrique de Moraes – Acho que esses dois do meio, o “não tire conclusões precipitadas” e “não leve nada pro pessoal”, especialmente pro contexto que a gente tá vivendo eles são tão importantes, onde a gente tá vivendo o isolamento né, que deixa os sentimentos talvez um pouco mais à flor da pele e onde a nossa comunicação fica mais fria de certa forma, mais ali usando os meios digitais, então quando você tá escrevendo e todo mundo já acho que consegue se identificar com isso quando você às vezes vê uma mensagem e acha que a pessoa foi grosseira, acha que a pessoa foi isso, foi aquilo enfim, você acaba fazendo, passando por todo esse ciclo e na verdade não, a gente tem que ter empatia de saber que muitas vezes se a pessoa, às vezes a pessoa ter respondido sua mensagem já é um sinal de que ela preza muito por você, porque às vezes ela pode estar num turbilhão e ela só respondeu de maneira simples, rápida porque ela respeita você e queria te responder, e as pessoas interpretam isso ainda assim de forma errada, “Ah foi grosseira”

Lourenço Bustani – A gente vai vivendo a nossa vida com as narrativas que a gente escolhe, muitas vezes elas estão descoladas da realidade, e a gente toma todas as decisões da nossa vida baseada nessas narrativas, é uma loucura

Henrique de Moraes – Verdade. Bom, uma pergunta que é clássica do podcast, como o nome é calma! eu sempre pergunto isso pros convidados que é, se você pudesse falar com o seu eu de 10, 15 anos atrás, e não precisa ser 10, 15 anos, pode ser de repente em algum período de inflexão da sua vida, do que você diria pra seu eu ter mais calma?

Lourenço Bustani – Dorme.

Henrique de Moraes – Excelente. Faltou sono?

Lourenço Bustani – Eu gostava de sair à noite, às vezes emendava

Henrique de Moraes – Caramba, quantos anos você tinha?

Lourenço Bustani – Acho que por volta dos 30 eu comecei a ter juízo.

Henrique de Moraes – Boa. Faz parte, acho que todo mundo passa por isso e é aprendizado né

Lourenço Bustani – Foi lindo e maravilhoso

Henrique de Moraes – Exatamente, eu acho que tem essa questão, apesar de eu fazer essa pergunta eu gosto de fazer para entender né o que mudou às vezes no conceito que a pessoa tem, mas no final das contas a gente não ia querer mudar né, porque tudo isso que a gente passou faz parte, foi o que transformou a gente e fez a gente chegar aonde chegou. Dormir é bom, importante. E você tem de 1 a 3 livros que impactaram muito a sua vida e que você gostaria de compartilhar com as pessoas, você indicaria por exemplo ou que você daria de presente para as pessoas?

Lourenço Bustani –  Sim, tenho. Um livro se chama “Poder & amor”, do Adam Kahane, que é uma linda síntese do que deveríamos busca enquanto humanos, ele explica que poder sem amor é autoritário, amor sem poder é anêmico, conjugar essas duas coisas

Henrique de Moraes – Interessante

Lourenço Bustani – Um outro livro, o mais recente que eu tenho percebido que tem realmente ajudado as pessoas a abrirem um pouco a mente se chama “Como Mudar Sua Mente”, do Michael Pollan que é esse autor best-seller do The New York Times, cara fenomenal que traz um relato bastante ponderado sobre como que a ciência psicodélica tá ajudando as pessoas a lidarem com questões como ansiedade, depressão, doença e a própria morte, então é um livro que tá dando o que falar por aí. Um outro clássico é “Autobiografia De Um Iogue”, que é uma enciclopédia espiritual, acho que todos os ensinamentos que a gente precisa receber na vida estão contidos nesse livro, eu gosto tanto de dar livro, essa pergunta realmente me pegou de surpresa. E trazendo um pouco mais assim talvez para o universo da Mandalah, acho que de certa forma a gente tá num ponto de mutação no mercado, é um livro que eu li recentemente na pandemia que se chama “Reimaginando o capitalismo num mundo que tá pegando fogo”, a tradução literal é “Reimagining Capitalism in a World on Fire” da Rebecca Henderson, professora de Harvard se não me engano. Basicamente a partir de dados ela legitima esse olhar mais propositivo para o mercado que incorpora os interesses de todos os takeovers do ecossistema e não só os acionistas na busca por resultados perpétuos para uma empresa, então é um livro que tá pouco a pouco se tornando meio que a referência literária pra fazer o business case de que negócios pautados em propósito necessariamente são os que vão gerar e sustentar valor a longo prazo.

Henrique de Moraes – Perfeito vou buscar, não conhecia, interessante. Última pergunta aqui, essa pergunta talvez seja cruel para fazer por último, eu não sei se vai dar pra responder de maneira rápida levando em consideração o tempo que a gente tem mas qualquer coisa a gente deixa pra uma próxima se ficar difícil mas é o que é ser bem sucedido pra você hoje, depois de 40 anos se reimaginando, se refazendo e se questionando, principalmente?

Lourenço Bustani – Eu acho que é sentir felicidade de graça, simplesmente estar bem na sua pele, no lugar que você ocupa e no momento que você está vivendo, felicidade à toa mesmo e quem sente isso tá de parabéns.

Henrique de Moraes – Verdade e eu acho que isso parte muito da busca né, não só na busca pela felicidade mas de tudo que a gente falou aqui no início de você olhar para dentro e entender de fato o que você tá passando e sair um pouco do piloto automático que se a gente deixar o mundo vai levando a gente e quando a gente percebe e se dá conta, a gente já tá longe demais. Eu pelo menos, acho que essa é minha experiência, talvez acabei indo no modo automático durante muitos anos e eu me peguei me questionando o que eu de fato queria já tendo caminhado muito, e agora tenho que parar, respirar, olhar pra dentro e tentar encontrar curiosidade, eu encontro ela a maioria das vezes ela tá ligada à coisas que eu não tava buscando antes e que não tem nada a ver com nada do que eu imaginava, então você falou de às vezes estar conectado com a natureza, de parar e ficar no silêncio durante um tempo, isso às vezes traz uma paz que é muito difícil de encontrar com coisas, enfim.

Lourenço Bustani – É uma paz porque a gente tá se dando conta que a gente tá vivo, tipo mano a gente tá vivo velho, a gente nasceu, o que já é um milagre e a gente tá vivo e talvez até com saúde e comida na mesa e um trabalho legal e família incrível sabe, é tudo tão raro e tão misterioso que se a gente conseguir se conectar com esse mistério e esse milagre a gente acaba simplesmente dando risada à toa porque é inacreditável, o mistério da vida é realmente inacreditável e a gente coloca muita importância em coisas que não são importantes e vira e mexe a gente precisa fazer uma triagem, uma limpeza e focar naquilo que é realmente essencial, geralmente o que é essencial é existencial e simplesmente agradecer de estar vivo e fazer o melhor com isso

Henrique de Moraes – Perfeito, acho que é um excelente lugar pra gente aqui encerrar. Lourenço, super obrigado pelo seu tempo mais uma vez, sei que às vezes é difícil a gente conseguir dispor de 90 minutos assim para bater um papo com um desconhecido, então eu de fato agradeço muito pela sua disponibilidade, pela sua generosidade e queria dizer que te ouvir me inspira, acho que eu sei que você nem busca de fato ser um modelo talvez para os outros, você puxar mais ser um modelo para você mesmo pelo o que eu entendo, mas acaba inspirando né de certa forma, acho que isso não parte de você acho que parte muito mais da busca né, essa busca acaba inspirando os outros. Eu vi uma fala sua por sinal, que eu até coloquei no meu Instagram essa semana que você fala isso né, que a gente tem que buscar a nossa mudança interna porque talvez ela inspire os outros a se inspirarem porque gera esse efeito cascata, eu acho que é isso que você causou pelo menos em mim, então obrigado de fato por tudo e espero que a gente de repente consiga mais pra frente um dia voltar e rever tudo isso que a gente falou e ter um segundo bate papo

Lourenço Bustani – Com certeza Henrique, eu agradeço as palavras sinceras, tê sentindo sua energia, sua vibe através dessa telinha aqui na minha frente e fico feliz que a gente tenha essa conexão, então pode contar comigo vamos manter o contato e quem sabe a gente não bate outro papo em algum outro momento?

Henrique de Moraes – Perfeito. Obrigado Lourenço

Lourenço Bustani – Valeu cara, um abraço

Henrique de Moraes – Um abraço

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